BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em Língua Materna: a Sociolingüística em sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004. 108p.

 

Resenhado por Ana Dilma de Almeida Pereira (UnB)

 

Educação em Língua Materna: a Sociolingüística em sala de aula, publicado em 2004, é uma importante contribuição especialmente para osas professoresas do ensino fundamental e para aqueles que se interessam pelas questões que norteiam a educação lingüística[1].

         A obra está organizada em sete capítulos. Cada capítulo traz em sua introdução o objetivo do texto a ser trabalhado. Entre os objetivos, temos:

·              Identificar as principais características sociolingüísticas da sociedade brasileira e suas implicações para a educação.

·              Facilitar a conscientização sobre variação lingüística.

·              Refletir sobre a variação lingüística no repertório dos professores e dos alunos de Ensino Fundamental.

·              Levar o aluno a aprofundar sua conscientização sobre a variação lingüística e a educação em língua materna.

·              Sistematizar as informações sobre a variação lingüística no Brasil.

·              Introduzir os conceitos de competência lingüística e competência comunicativa e suas implicações para a educação.

·              Sistematizar as informações sobre regras de variação na fonologia e morfossintaxe.

         Com uma linguagem facilitadora, voltada para o professor que atua em sala de aula, ao longo de sua obra, Bortoni-Ricardo convida o professor a fazer uma leitura crítica, refletindo, discutindo, lendo outros textos e realizando atividades junto aos alunos.

         Na apresentação do livro, Bortoni-Ricardo enfatiza que, após mais de vinte anos de pesquisa como sociolingüista, a produção desse material foi o trabalho que mais lhe deu satisfação. Sua primeira preocupação, no momento da elaboração, não era apenas o que iria apresentar no texto para tornar-se uma efetiva contribuição ao professor das séries iniciais, mas o que não iria incluir. Seu principal parâmetro era se aquele conhecimento acumulado na área da Sociolingüística e, mais especialmente, na Sociolingüística aplicada às questões educacionais poderia ser importante ao professor.

         Uma segunda preocupação da autora foi partir de uma direção macro para uma direção micro. Direção macro, pois considera o Brasil como uma comunidade de fala, um país majoritariamente de língua portuguesa. Ela procurou se deter nas regularidades da língua portuguesa. Algumas questões conduziram-na, como as questões que normalmente são levantadas a ela, em qualquer lugar do Brasil: O professor deve corrigir ou não seu aluno quando ele fala errado? O aluno fala ou não fala errado? Se o professor considera que ele fala errado ou a gramática diz que ele fala errado, o professor ignora ou não corrige para não causar nenhum “trauma”? Sem dúvida, essas são questões que perturbam todos os professores, principalmente de duas décadas para cá.

Outra preocupação presente na obra era também responder: Quem somos nós que constituímos uma comunidade de fala de língua portuguesa e como essa comunidade se constitui ao longo do processo sócio-histórico? Bortoni-Ricardo explica-nos que ela não se constitui aleatoriamente. As características que ela venha a ter na sua variação eminente e o fato de termos algumas manifestações que têm prestígio e algumas que não têm prestígio são decorrentes do processo sócio-histórico da própria dominação de poder no Brasil, como acontece em qualquer outra nação.

 A autora iniciou a produção do material nessa direção macro: o que determina a grande variação do português do Brasil. E seguindo um professor que foi muito influente na formação de lingüistas, Serafim da Silva Neto, deu ênfase ao contínuo rural e urbano no Brasil. Este trabalho está sendo revisado por ela, mostrando que a classificação apresentada pelo IBGE a respeito do que seja rural e urbano necessita de correções, pois, a par de características sócio-demográficas, há características socioculturais e sociolingüísticas.

No livro, Bortoni-Ricardo procura ilustrar esses conceitos com episódios da literatura, como os do livro “Rememórias Dois”, de Carmo Bernardes, e com episódios reais, como, por exemplo, os dados coletados a partir de trabalho etnográfico realizado em várias escolas no Brasil, sempre remetendo-os aos professores que colaboraram para a pesquisa.

A respeito da diversidade lingüística e da pluralidade cultural no Brasil, ela nos mostra:

Ao ler o texto, você deve ter encontrado algumas palavras que não fazem parte de seu repertório lingüístico. Você não as conhece porque algumas delas são palavras e expressões características da cultura rural da região Centro-Oeste, onde o autor foi criado. Outras, além de pertencerem ao léxico regional, também são arcaicas, isto é, já não são usadas com freqüência, tendo sido preservadas na cultura de grupos sociais mais isolados, como é o caso das comunidades rurais. (2004: 15)

A autora também apresenta conceitos importantes, tais como: domínios sociais e papéis sociais:

Esses são os três ambientes onde uma criança começa a desenvolver o seu processo de sociabilização: a família, os amigos e a escola. Podemos chamar esses ambientes, usando uma terminologia que vem da tradição sociológica, de domínios sociais. Um domínio social é um espaço físico onde as pessoas interagem, assumindo certos papéis sociais. Os papéis sociais são um conjunto de obrigações e de direitos definidos por normas socioculturais. Os papéis sociais são construídos no próprio processo da interação humana. (...) Quando observamos um diálogo entre mãe e filho, por exemplo, verificamos características lingüísticas que marcam ambos os papéis. As diferenças mais marcantes são as intergeracionais (geração mais velhageração mais nova) e as de gênero (homemmulher). Você, caroa colega professora, conhece bem essas diferenças sociolingüísticas que ocorrem na interação no seio de sua própria família. (2004: 23)

Esses conceitos, apresentados por ela, remetem a um terceiro: o conceito de cultura de letramento:

Carmo Bernardes, nas suas memórias, nos diz que, com seus parentes “conversava por trinta, tinha ladineza e entendimento”. É, sem dúvida, no domínio do lar e da família onde nos sentimos mais à vontade para conversar. Por isso, o menino, em casa, era tão tagarela. Não se sentia constrangido. Podemos dizer que, nessas circunstâncias, a pressão comunicativa sobre ele era mínima. Já na escola...

Você pôde observar que a transição do domínio do lar para o domínio da escola é também uma transição entre uma cultura predominantemente oral e uma cultura permeada pela escrita, que vamos chamar de cultura de letramento. (2004: 24)

Dessa forma, a autora enfatiza um dos objetivos do livro, introduzindo a reflexão sobre a variação lingüística:

O que estamos querendo dizer é que, em todos os domínios sociais, há regras que determinam as ações que ali são realizadas. Essas regras podem estar documentadas e registradas, como nos casos de um tribunal do júri ou de um culto religioso, ou podem ser apenas parte da tradição cultural não documentada. Em um ou outro caso, porém, sempre haverá variação lingüística nos domínios sociais. O grau dessa variação será maior em alguns domínios do que em outros. (...) Mas em todos eles há variação, porque a variação é inerente à própria comunidade lingüística. (2004: 25)

Um importante aspecto, ressaltado no livro, refere-se a Chico Bento. Na década de 80, o Conselho Nacional de Cultura resolveu proibir a revista em quadrinhos “Chico Bento”, pois acreditava que ela contribuía para que as crianças falassem “errado”. Bortoni-Ricardo enfatiza que esta conclusão é absurda. E defende que o personagem Chico Bento é muito importante porque considera aos alunos que existem muitas formas de utilizar o português do Brasil:

Chico Bento pode se transformar, em nossas salas de aula, em um símbolo do multiculturalismo que ali deve ser cultivado. Suas historinhas são também ótimo recurso para despertarmos em nossos alunos a consciência da diversidade sociolingüística. (2004: 46)

Ainda na visão macro, com o objetivo de analisar o português no Brasil, Bortoni-Ricardo propõe a metodologia dos três contínuos: contínuo de urbanização, contínuo de oralidade-letramento e contínuo de monitoração estilística.

Em relação ao contínuo de urbanização, ela considera que este pode ser representado da seguinte forma:

 


Variedades rurais isoladas

Área rurbana

Variedades urbanas padronizadas

 

 (...) No contínuo de urbanização, não existem fronteiras rígidas que separem os falantes rurais, rurbanos ou urbanos. As fronteiras são fluidas e há muita sobreposição entre esses tipos de falares. (2004: 53)

 ... estamos denominando ‘rurbanas’, valendo-nos de terminologia da antropologia social, as comunidades urbanas de periferia, onde há forte influência rural na cultura e na língua. (2004: 65)

Partindo de atividades propostas aos professores-alunos, introduz a importante noção de traços graduais e descontínuos:                                                                                                   

Você mesmo já fez uma lista de palavras e expressões usadas pelo Chico Bento e que não aparecem com freqüência na sua linguagem. (...) Alguns itens ali são típicos dos falares situados no pólo rural e que vão desaparecendo à medida que nos aproximamos do pólo urbano. Dizemos, então, que esses traços têm uma distribuição descontínua, porque seu uso é “descontinuado” nas áreas urbanas. Há outros traços... que estão presentes na fala de todos os brasileiros e, portanto, se distribuem ao longo de todo o contínuo. Esses traços, ao contrário dos outros, têm uma distribuição gradual. Vamos chamá-los de traços graduais.  Observe que os traços decontínuos são os que recebem a maior carga de avaliação negativa nas comunidades urbanas. (2004: 53)

Bortoni-Ricardo explica que os contínuos lidam com os atributos do falante. A rede de relações sociais do falante são características que afetam a sua posição no contínuo, afetam o seu repertório lingüístico. E essa variação lingüística decorre de vários fatores: grupos etários, gênero, status socioeconômico, grau de escolarização, mercado de trabalho e rede social que representam os atributos de um falante:

Podemos, então, dizer que a variação lingüística depende de fatores socioestruturais [atributos de um falante] e de fatores sociofuncionais [resultam da dinâmica das interações sociais]. (...) Então, na prática, os fatores estruturais se inter-relacionam com os fatores funcionais na conformação dos repertórios sociolingüísticos dos falantes. Além disso, ao estudarmos a variação lingüística, levamos em conta, também, fatores da própria língua – fatores lingüístico-estruturais... Em suma, os fatores lingüístico-estruturais podem ser fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos, pragmáticos e até discursivos. (2004: 49)

Se o primeiro contínuo cuida dos atributos do falante, o segundo cuida das práticas sociais. Bortoni-Ricardo afirma que em uma comunidade como a nossa, uma sociedade tecnológica, onde há um grande impacto da cultura letrada em todas as nossas atividades, é muito importante que saibamos distinguir as práticas sociais determinadas pela cultura letrada e as práticas sociais que são estritamente orais. O segundo contínuo trata das práticas sociais de letramento e das práticas sociais de oralidade:

Vamos agora usar outra linha imaginária, outro contínuo, ao longo do qual vamos dispor os eventos de comunicação, conforme sejam eles eventos mediados pela língua escrita, que chamaremos de eventos de letramento, ou eventos de oralidade, em que não há influência direta da língua escrita. O nosso contínuo pode ser imaginado assim:

 


    Eventos de oralidade                                                    Eventos de letramento

Como no caso do outro contínuo, não existem fronteiras bem marcadas entre os eventos de oralidade e de letramento. As fronteiras são fluidas e há muitas sobreposições. (2004: 61-2)

Quanto ao terceiro contínuo, Bortoni-Ricardo coloca-nos que ele tem uma natureza psicológica e uma relação com o grau de atenção que damos ao ato de falar, chamado de monitoração. Ela exemplifica: quando estamos sob grande pressão emocional ou com muita pressa ou mesmo quando estamos envolvidos em uma interação afetiva, prestamos pouca atenção ao que estamos falando, a forma não tem grande diferença. Mas há momentos em que a forma tem grande diferença. Então, procuramos ser cuidadosos na escolha do vocabulário e na escolha das construções morfossintáticas. Ela ainda acrescenta que o processo de monitoração, sem dúvida, é cansativo, pois ocorre a pressão comunicativa. E enfatiza que a burocracia e a forma como a sociedade se organizou, nos exige este monitoramento:

 


- monitoração                                                                          + monitoração

 

A variação ao longo do contínuo de monitoração estilística tem, portanto, uma função muito importante de situar a interação dentro de uma moldura ou enquadre. As molduras servem para orientar os interagentes sobre a natureza da interação... (2004: 63) 

Após a apresentação dos contínuos, Bortoni-Ricardo deixa a análise macro para tratar de uma direção mais micro, que é o microcosmo da sala de aula. Ela apresenta muitos exemplos de interação professor-aluno. E levanta questões: Como os professores reagem na convivência e na interação com os alunos, naqueles momentos críticos em que se justapõem duas variantes: a variante prestigiada, abonada nas famosas gramáticas normativas e a variante não-prestigiada, a variante usada pela grande parte da população? Se a criança diz ‘nós vinhemu’, o que faz o professor diante disso? Como o professor pode efetivamente trabalhar a variação em sala de aula, respeitando os saberes que seu aluno traz da sua comunidade cuja cultura é predominantemente oral? Como o professor pode fazer um trabalho respeitando a variação regional? A variação regional é passível de muito preconceito?

Diante dessas questões, acreditamos que seja relevante mostrar como Bortoni-Ricardo aborda, ao longo de sua obra, as pré-concepções que permeiam o ensino de língua, isto é, a questão dos mitos, tais como os apresentados por Marcos Bagno (2002) em seu livro “Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz”.

·   Mito: “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”;

O texto de Carmo Bernardes, além de nos ensinar muitas palavras e expressões novas, que  ilustram a riqueza da cultura e da linguagem rurais, nos conduz a uma reflexão sobre a Língua Portuguesa no Brasil, suas características e variação, especialmente as diferenças entre o Brasil urbano e o Brasil Rural. (Bortoni-Ricardo, 2004: 18)

·    Mito: “As pessoas sem instrução falam tudo errado”;

  A fala de Chico Bento, por exemplo é tão bem formada quanto um texto de Machado de Assis, considerando-se que ambos os falantes – Chico Bento e Machado de Assis – internalizaram as regras constitutivas das sentenças em Português e ambos têm o português como língua materna. As diferenças entre os textos de Chico Bento e o de Machado de Assis decorrem, basicamente, de localizar-se o primeiro no pólo rural e o segundo, no pólo urbano do contínuo. Além disso, a fala de Chico Bento caracteriza um evento de oralidade não-monitorado, enquanto que o texto de Machado de Assis é um exemplar de evento de letramento que, por definição, requer muito planejamento e monitoração. Nenhum falante usa mal sua língua materna. (Bortoni-Ricardo, 2004: 72)

Deixe claro para eles [alunos] que não existe forma “certa” ou “errada” de falar, mas sim formas adequadas às diversas situações. Esta questão é muito importante e vai ser mais trabalhada ao longo deste livro. (Bortoni-Ricardo, 2004: 30)

·   Mito: “O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão”;

  Essas crenças sobre a superioridade de uma variedade ou falar sobre os demais é um dos mitos que se arraigaram na cultura brasileira. Toda variedade regional ou falar é, antes de tudo, um instrumento identitário, isto é, um recurso que confere identidade a um grupo social. Ser nordestino, ser mineiro, ser carioca etc. é um motivo de orgulho para quem o é e a forma de alimentar esse orgulho é usar o linguajar de sua região e praticar seus hábitos culturais. (Bortoni-Ricardo, 2004: 33)

·   Mito: “O certo é falar assim porque se escreve assim”;

Até hoje, os professores não sabem muito bem como agir diante dos chamados “erros de Português”. Estamos colocando a expressão erros de Português entre aspas porque a consideramos inadequada e preconceituosa. Erros de Português são simplesmente diferenças entre variedades da língua. Com freqüência essas diferenças se apresentam entre a variedade usada no domínio do lar, onde predomina uma cultura de oralidade, em relações permeadas pelo afeto e informalidade, como vimos, e a cultura de letramento, como a que é cultivada na escola. (Bortoni-Ricardo, 2004: 50)

Da perspectiva de uma pedagogia culturalmente sensível aos saberes dos alunos, podemos dizer que, diante da realização de uma regra não-padrão pelo aluno, a estratégia da professora deve incluir dois componentes: a identificação da diferença e a conscientização da diferença. (Bortoni-Ricardo, 2004: 42)

·   Mito: “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”.

Em toda comunidade de fala onde convivem falantes de diversas variedades regionais, como é o caso das grandes metrópoles brasileiras, os falantes que são detentores de maior poder – e por isso gozam de mais prestígio – transferem esse prestígio para a variedade lingüística que falam. Assim, as variedades faladas pelos grupos de maior poder político e econômico passam a ser vistas como variedades mais bonitas e até mais corretas. Mas essas variedades, que ganham prestígio porque são faladas por grupos de maior poder, nada têm de intrinsecamente superior às demais. O prestígio que adquirem é mero resultado de fatores políticos e econômicos. O dialeto (ou variedade regional) em uma região pobre pode vir a ser considerado um dialeto “ruim”, enquanto o dialeto falado em uma região rica e poderosa passa a ser visto como um “bom” dialeto. (...) Lembre-se, porém, de que esses juízos de valor são ideologicamente motivados e geram preconceitos que devemos combater. (Bortoni-Ricardo, 2004: 33-4)

Bortoni-Ricardo trabalha conceitos complexos, que são indispensáveis à educação em língua materna. Entre eles, está a diferença entre competência lingüística e competência comunicativa:

Acabamos de ver o conceito de competência lingüística que Chomsky opôs ao conceito de desempenho. A primeira é abstrata e consiste no conhecimento internalizado que o falante tem das regras para formação de sentenças na língua; o desempenho, por outro lado, consiste no uso efetivo da língua pelo falante. (2004: 73)

A principal reformulação [ao conceito de competência lingüística de Chomsky] foi proposta pelo sociolingüista norte-americano Dell Hymes, em 1966. (...) Hymes então propôs um novo conceito – o de competência comunicativa, que é bastante amplo para incluir não só as regras que presidem à formação das sentenças, mas também as normas sociais e culturais que definem a adequação da fala. (2004: 73)

Além da adequação, outra dimensão importante que Dell Hymes incluiu no conceito de competência comunicativa é o de viabilidade. O autor associou a noção de viabilidade a fenômenos sensoriais e cognitivos, como a audição, a memória etc. Nós preferimos, porém, associar o requisito de viabilidade à noção de recursos comunicativos. Para viabilizar um ato de fala, o falante precisa dispor de recursos comunicativos de diversas naturezas: recursos gramaticais, de vocabulário, de estratégias retórico-discursivas etc. (2004: 74)

A autora também aborda os parâmetros que definem a competência comunicativa, como: o grau de dependência contextual, o grau de complexidade cognitiva, a familiaridade com a tarefa comunicativa. Esses parâmetros estão associados à questão da ampliação dos recursos comunicativos dos falantes.

No livro, já em um plano mais técnico, ainda são discutidos alguns aspectos do português do Brasil que estão em processo de mudança, como determinados fenômenos, sejam eles: fonológicos, morfológicos ou sintáticos. Ela então exemplifica: ‘eu o vi’ e ‘eu vi ele’. As duas formas estão convivendo na língua. Quando duas formas estão convivendo na língua, muito freqüentemente, uma delas tem prestígio e a outra é considerada “ruim”. Em uma cultura como a nossa, em que se valoriza muito a gramática normativa, a forma que não está abonada nesta gramática passa ser a “ruim”. Bortoni-Ricardo procura mostrar, então, quais são as regras variáveis e os fenômenos que estão em mudança na língua. Mas também ela se detém em alguns fenômenos que não têm conseqüência na morfossintaxe, mas que são fenômenos muito produtivos como a supressão do r final, principalmente dos verbos no infinitivo e dos substantivos, a neutralização, a desnasalização e os fenômenos de assimilação. Foram dadas algumas orientações ao professor-aluno para examinar esses fenômenos, fazendo um pequeno exercício quantitativo, isto é, somando o que seus alunos apresentam e verificando se os lingüistas, ao postularem as escalas de saliência, e se o professor, ao obter o trabalho com o aluno, ratifica ou não as tabelas organizadas pelos lingüistas.

Para trabalhar esses fenômenos, partiu-se da estrutura da sílaba. Ela acredita que se houver uma boa consciência de que a nossa sílaba canônica, mais comum, é formada por consoante e vogal (CV); que há as sílabas travadas (CVC); sílabas mais complexas (CCV); e mais complexas ainda (CCVC); ver-se-á, em função da complexidade dessa sílaba, que há muitas tendências operando sobre a fala dos alunos:

Estamos dando tanta ênfase ao estudo das tendências evolutivas da própria deriva da língua para criarmos com firmeza a convicção de que os chamados “erros” que nossos alunos cometem têm explicação no próprio sistema e processo evolutivo da língua. Portanto, podem ser previstos e trabalhados por meio de uma abordagem sistêmica. (2004: 100)

Por exemplo, quando um aluno suprime um r, suprime um s ou desnasaliza uma sílaba que termina com vogal nasal, ele está agindo exatamente de acordo com as tendências da língua.

Esses foram os aspectos apresentados por Bortoni-Ricardo em seu livro, questões que, incontestavelmente, são produtivas aos professores e àqueles que têm a oportunidade de analisar este material valioso.

 

Bibliografia

 

BAGNO, Marcos. Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz. 12.ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em Língua Materna: a Sociolingüística em sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004.

 

* Resenha publicada na Revista Polifonia. Cuiabá: EDUFMT, n.10, p.177-190, 2005.