Chego a Portugal para passar o reveillon com Cristina e José Norton, casal de amigos portugueses, ambos escritores e autores de romances históricos ambientados na época da fuga da corte de D. João para o Brasil. Na terça, sigo para o campus da Penn State, a Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos, onde passarei o ano de 2012 em pesquisas para o meu próximo livro, “1889”, sobre a Proclamação da República, que pretendo lançar em 2013. Antes, faço uma rápida escala na cidade do Porto, cenário dos capítulos finais da minha última obra, “1822”, nos quais narro a abdicação de D. Pedro I, em 1831, e sua volta a Portugal para enfrentar o irmão, D. Miguel, na mais sangrenta guerra civil de toda a história portuguesa.
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Na chegada ao Porto, uma dessas inusitadas coincidências da vida. Pela internet, Carmen, minha mulher, tinha reservado um hotel situado na Praça da Liberdade, região central da cidade. Nem me dei conta do endereço. Ao abrir as cortinas pela manhã, no entanto, quem descubro bem em frente à minha janela? D. Pedro IV de Portugal, ou seja, o nosso D. Pedro I do Brasil. É ele quem aparece a cavalo em uma estátua situada na extremidade sul da praça, erguida em sua homenagem pelos portuenses em 1866 e em cuja base se lê: “A D. PEDRO IV – A CIDADE DO PORTO”. Impossível fechar o ano de forma mais marcante! D. Pedro é o personagem principal do meu último livro e com o qual andei às voltas nos últimos meses em uma maratona de aulas, palestras e entrevistas no Brasil e em Portugal.
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A atual Praça da Liberdade no Porto chamava-se antigamente Praça Nova. Foi palco de um dos acontecimentos mais dramáticos da guerra civil portuguesa: o enforcamento de dez chefes liberais no dia sete de maio de 1829. Depois de executados em dois patíbulos erguidos nas proximidades do local onde está hoje a estátua de D. Pedro, os mortos tiveram suas cabeças decepadas e expostas por vários dias nas cidades do Porto, Feira, Aveiro e Coimbra.
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Após abdicar ao trono brasileiro, no dia Sete de Abril de 1831, D. Pedro I retornou à Europa, onde assumiu o título de Duque de Bragança e o comando das forças liberais que lutavam contra o irmão D. Miguel. Seu pequeno e mal equipado exército partiu do Arquipélago dos Açores e desembarcou na cidade do Porto em Oito de julho de 1832. O local escolhido para o desembarque foi Arnosa de Pampelido, uma praia de areias grossas batida pelo vento situada na localidade de Mindelo, alguns quilômetros ao norte do Porto, onde hoje se ergue um obelisco em homenagem ao primeiro imperador brasileiro. No Porto, D. Pedro enfrentou o terrível cerco das tropas miguelistas até o final do ano seguinte, quando, finalmente, conseguiu reverter o curso da guerra, tomar Lisboa e depor o irmão, que havia usurpado o trono português. O preço que pagou, no entanto, foi alto. D. Pedro morreu alguns meses após o final do conflito, em setembro de 1832.
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Em sinal de gratidão pela resistência dos moradores durante a guerra civil, antes de morrer D. Pedro determinou que seu coração fosse doado à cidade do Porto. O órgão está hoje depositado numa ânfora de cristal mantida pela irmandade da Igreja da Lapa. Os demais restos mortais foram transferidos para o mausoléu do Ipiranga em 1972, durante as comemorações do Sesquicentenário da Independência. D. Pedro é, portanto, um soberano que mesmo depois de morto continua dividido entre Brasil e Portugal, os dois países pelos quais lutou durante seus breves 35 anos de vida.
(Veja no meu Facebook as fotos da estátua de D. Pedro IV na Praça da Liberdade: http://www.facebook.com/media/set/?set=a.260173964046697.62333.196056300458464&type=1 )