da Folha de S.Paulo, em Brasília
Quando Angelo Roger de França Cruz, 26, entrou no curso de serviço social da UnB (Universidade de Brasília) em 2004, havia cerca de 400 negros na universidade, a primeira federal do país a adotar o sistema de cotas raciais.
Hoje, a um mês de se formar, Cruz tem como colegas outros 2.049 negros. No ano da formatura das primeiras turmas de cotistas, o número de negros na UnB é cinco vezes maior do que antes da adoção das cotas.
A Folha conversou com sete alunos que entraram pelo primeiro vestibular com cotas da universidade. Três irão se formar até julho, outros três no fim do ano e um concluiu o curso em três anos e meio, no semestre passado.
Todos moram a pelo menos 20 quilômetros da UnB, em cidades periféricas de Brasília, e se sustentaram durante o curso com bolsas de pesquisa --estas, em sua maioria, relacionadas à situação do negro.
Sem as cotas, provavelmente eu não teria feito o vestibular da UnB, afirma Cruz, aluno de escola pública. A imagem da UnB era uma coisa muito distante. Da minha turma de 40 pessoas no ensino médio, só cinco fizeram a prova e dois entraram na universidade.
Dalila Torres, 22, que irá se formar em ciência política no final do ano, diz que estranhava o ambiente. Quando cheguei, me sentia muito mal, não me reconhecia em ninguém.
Hoje eles se dizem integrados, embora notem uma grande diferença de renda em relação aos colegas não-cotistas. Entra um negro com dinheiro? Pode até ser, mas eu não conheço, diz Marcela Lustosa, 22, formanda de serviço social.
O abismo econômico é percebido no convívio fora da universidade. Marcela diz que prefere fazer programas próximos à casa dela --a 26 km do Plano Piloto--, como ir ao cinema. Para vir para o Plano, a passagem de ida e volta custa R$ 6. Se eu tomo um refrigerante, já se foram R$ 10.
Todos os sete relataram que há preconceito contra os cotistas na universidade, apesar de que apenas uma disse ter sofrido diretamente discriminação --segundo Dalila, colegas já disseram que quem entra por cotas é espertinho.
Natalie Mendes Araújo, 21, que se forma no fim do ano em história, diz que o preconceito contra os cotistas existe, mas é camuflado. Quando eu entrei, tinha recado na porta do banheiro de fora, cotista. Hoje, as pessoas toleram.
Uma forma de evitar a discriminação adotada por cotistas é o bom rendimento acadêmico. O cotista não tem o direito de ser um aluno mediano ou vai ser apontado como despreparado. É uma obrigação velada de mostrar serviço. Se é branco, tanto faz tirar nota baixa, diz Gustavo Galeno Arnt, 20.
Ele se formou em letras em três anos e meio e, em seguida, passou em 1º lugar no mestrado em literatura, que não tem cotas: Foi um cala-boca total para a questão do mérito.
Tese*
De acordo com tese de mestrado defendida em março por Claudete Batista Cardoso na UnB, o desempenho dos cotistas em seus cursos é, em média, semelhante ao dos alunos que entraram pelo sistema universal. Ela analisou a nota obtida no primeiro semestre do curso por alunos que entraram no meio de 2006.
A nota dos cotistas foi 6% menor no geral, variação que a autora da tese de mestrado considerou irrelevante. Para Claudete, os resultados, de um modo geral, vão em sentido contrário às críticas referentes à provável queda de qualidade do ensino superior como resultado do estabelecimento do sistema de cotas.
Brasil gasta 57% do mínimo recomendado para ensino médio, diz estudo
No Brasil, o valor gasto por aluno na rede pública não é suficiente para custear recursos mínimos para as escolas - como bibliotecas, professores com ensino superior e material didático. A falta de dinheiro na educação foi traduzida em cifras por pesquisadores brasileiros em parceria com as organizações internacionais Unicef, ActionAid e Save the Children.
Segundo o índice CAQi (Custo Aluno Qualidade Inicial), a estrutura básica para o ensino médio custaria, em 2005 - ano utilizado como base para o estudo - R$ 1.645 anuais. No entanto, o MEC (Ministério da Educação) gastou 57% desse valor - R$ 939 - em 2004, dado mais recente fornecido pelo órgão. Nesse caso, o déficit chega a 75%.
Gasto por aluno no Brasil
1ª à 4ª R$ 1.359 R$ 1.618
5ª à 8ª R$ 1.374 R$ 1.591
Médio R$ 939 R$ 1.645
1Dados do MEC, para 2004
Nível Investido1 Recomendado
Já nas outras séries, cai a distância entre o valor mínimo recomendado pelo estudo e o praticado no país em 2004. No ensino fundamental 1 (1ª a 4ª séries), o CAQi é R$ 1.618, enquanto o país gasta R$ 1.359; para o fundamental 2, o valor mínimo sugerido era de R$ 1.591, e o gasto por aluno foi de R$ 1.374.
Custo para qualidade mínima
Entre 2002 e 2007, os especialistas em educação Denise Carreira e José Marcelino Rezende Pinto coordenaram um levantamento para definir todos os gastos que uma escola tem por aluno - desde material de limpeza até salários de funcionários e professores.
Batizado de Custo Aluno-Qualidade Inicial, esse cálculo serviria de base para a formulação de políticas públicas. A proposta dos pesquisadores é tornar o CAQi o valor mínimo estabelecido em lei para o ensino público do país.
O objetivo inicial era calcular uma escola ideal. Mas os valores seriam muito altos, e teríamos só mais uma proposta difícil de colocar em prática. Então, optamos por projetar escolas com o mínimo de qualidade e estrutura, diz Carreira, que é pesquisadora da ONG Ação Educativa.
A escola mínima projetada pelos pesquisadores tem laboratórios de ciências e de informática, biblioteca e turnos de cinco horas por dia (a maioria das crianças brasileiras passam na escola apenas o tempo mínimo exigido por lei, quatro horas).
Dados do Censo Escolar 2006 mostram que 73% das escolas de ensino fundamental no país não têm bibliotecas e apenas 28% têm quadra poliesportiva.
Investimento abaixo do necessário
Em estudo da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que reúne 34 países desenvolvidos e emergentes como Turquia, México e Chile, o Brasil é o que menos investe por aluno.
Segundo Rezende Pinto, professor de Educação da USP (Universidade de São Paulo) em Ribeirão Preto, para que os estudantes brasileiros tenham o básico, é necessário destinar à educação 1% a mais do PIB (Produto Interno Bruto) nacional.
O país destinou 4% do PIB para o setor, em 2004, segundo o MEC.
Por meio de assessoria de imprensa, o MEC informou que não comenta esse tipo de estudo, mas que concorda que o investimento feito por aluno está abaixo do necessário. Tanto que o ministro Fernando Haddad pede, reiteradamente, aumento de repasse do PIB para a educação, segundo a assessoria.
Proposta do Governo foi aprovada com os votos favoráveis do PS, PSD e