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UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE

Ministro da Cultura de Portugal diz  que acordo ortográfico vai unir os países sem enquadrar a literatura

 

(Reportagem de Chico Otávio, no caderno Prosa & Verso do jornal O GLOBO de 15 de março de 2008)

 

Quando abrirem o Diário da República, em junho, os portugueses já deverão encontrar palavras como acto e direcção grifadas sem a consoante muda c. Esta é uma das mudanças que o ministro da Cultura de Portugal, José Pinto Ribeiro, espera ver introduzidas no país, inicialmente em textos oficiais como o Diário, tão logo o acordo ortográficoda língua portuguesa entre em vigor. Em entrevista exclusiva concedida ao Prosa & Verso do domingo passado, durante sua visita ao Rio para as comemorações dos 200 anos da chegada da família real portuguesa ao Brasil, ele disse que os seis anos previstos para a transição da língua em Portugal não impedirão que o país comece o processo assim que o acordo seja promulgado pelo presidente Cavaco e Silva, o que pode acontecer nos próximos três meses.

 

Portugal levou 18 anos, entre a assinatura do acordo e sua ratificação pelo Conselho de Ministros na semana passada, para dar o primeiro passo no sentido de implementá-lo. Teoricamente, o acordo está em vigor desde o início de 2007, com a assinatura de três dos oito países signatários: Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Na prática, porém, ele não existem sem a entrada de Portugal. Embora as próximas etapas - aprovação pelo parlamento português e sanção presidencial - andem mais rápido, isso não significa dizer que as resistências às mudanças foram debeladas. Um dos focos preocupa especialmente o ministro. Ele garante que a reforma não pretende enquadrar a literatura:

 

- O escritor tem com a palavra uma relação de gosto, cor, densidade e peso. Alterar a grafia pode mudar essa relação. Por isso, ninguém fará qualquer tipo de censura ou crítica à escrita que cada um quiser usar. Se o escritor criar uma nova escrita, quem sabe não faremos novo acordo no futuro?

 

O ministro assegura que as três simplificações da língua feitas até agora (1911, 1931, 1945-46) foram introduzidas sem que os escritores deixassem de ser livres para escrever. Pinto Ribeiro lembra que, apesar de defender a língua como fator de identidade (minha pátria é minha língua), o português Fernando Pessoa sempre disse que um grande escritor deve ter seu próprio vocabulário:

 

- Guimarães Rosa era assim e nem por isso deixei de entendê-lo.

 

- Oficialmente, prevê Pinto Ribeiro, o processo será concluído antes da reunião da Comunidade de Países de Língua Portuguesa em junho, em Portugal. Mas isso não significa que todos saibam e passem a escrever de acordo com as novas normas no dia seguinte. Para que a alteração ocorra sem rupturas traumáticas, o governo português deverá concluir o processo todo em seis anos.

 

- Antes de qualquer mudança prática, é preciso formar professores e alterar livros. As sociedades brasileira, portuguesa e outras vão demorar um tempo para fazer as adaptações - diz.

 

Advogado da área financeira que assumiu o cargo há menos de três meses, Pinto Ribeiro, de 61 anos, é um empolgado defensor do acordo. Para ele, quanto mais profunda é a relação de um povo com a palavra, mais profunda é a sua identidade. O ministro acredita que, se os oito países que formam a comunidade tiverem uma língua portuguesa comum, poderão se globalizar sem medo de perder essa identidade.

 

- Quem não tem, dissolve-se. No mundo, há 230 milhões que nasceram falando português. Mas nada garante que todos cresçam e continuem falando e escrevendo em português - alerta.

 

 

MINISTRO QUER LEVAR ENSINO ÀS DIÁSPORAS

 

Aprofundar o ensino de português em todas as diásporas é uma das possibilidades que Pinto Ribeiro pretende explorar no novo acordo. Ele quer o apoio do ministro da Cultura brasileiro, Gilberto Gil, ao projeto de levar o ensino do português às grandes concentrações de imigrantes angolanos, moçambicanos, portugueses e brasileiros espalhadas pelo planeta. Na África do Sul, garante, vivem certa de 400 mil portugueses.

 

Para o ministro, os governos precisam fazer um levantamento da relevância econônimca da unificação da língua portuguesa.

 

- Isso é mensurável. Esta idéia permite dizer que, na Inglaterra, a indústria culturar responde por 7% do PIB. Mas só representa 1,4% do PIB português - calcula.

 

Enquanto isso, disse, o futebol representa apenas 1% do PIB português, mas tem programas específicos na mídia, revistas especializadas e outras atenções.

 

 

ACORDO PRECISA EMPOLGAR OS AFRICANOS

Filólogo diz que países como Moçambique precisam se convencer de que unificação trará resultado econômico

 

Professor de Letras da UERJ, o filólogo José Pereira da Silva concorda com a idéia defendida pelo ministro da Cultura de Portugal, José Pinto Ribeiro, de que a uniformidade ortográfica, além de poderosa arma para a difusão da língua, ajuda as nações a se protegerem dos efeitos da globaliação. Mas para ele, países como Moçambique, onde o português é fraco frente aos dialetos, só aplicarão o acordo se perceberem que a língua dos ex-colonizadores representa retorno econômico e político.

 

Enquanto isso não acontecer, as tentativas de unificação ficarão restritas às fronteiras do Brasil e Portugal, alerta o professor. Ele lembra que, há dois anos, o governo brasileiro mandou, a titulo de doação, uma carga de livros a comunidades pobres de países africanos de língua portuguesa.

 

- Mas, chegando lá, não puderam ser usados nas escolas. Os governos acharam que iriam criar confusão para os alunos e preferiram mandá-los para o depósito - conta Pereira da Silva.

 

 

MINISTRO DIZ QUE PORTUGUESES LÊEM POUCO

 

O efeito do acordo no mercado de livros é um dos pontos mais controversos da unificação. O ministro Pinto Ribeiro afiança que as editoras e distribuidoras são favoráveis, uma vez que a unificação abriria caminho para parcerias internacionais num país que ainda lê muito pouco:

 

- Em Portugal, o mercado interno é pequeno. Um livro que vende 50 mil exemplares já é grande sucesso. Mas o mercado editorial sofreu, há dois anos, um processo de grande concentração. Hoje, há três grandes grupos editoriais. A reestruturação criou uma divisão que permite encarar o desafio do mercado. Ele próprio irá fazer as parcerias facilitadas pelo acordo.

 

No intercâmbio literário, as diferenças ortográficas muitas vezes são vistas pelos leitores como erro. Em Portugal, por exemplo, utilizam-se consoantes mudas em palavras como acção e direcção e o h para iniciar palavras como húmido. A palavra sutil é escrita com b (subtil). Já no Brasil, usa-se o acento nos ditongos abertos éi e ói de palavras paroxítonas (idéia, heróica), entre outras particularidades da língua local.

 

O efeito do acordo será mais trágico para os portugueses, prevê Pereira da Silva. As modificações propostas vão alterar quase 1,6% do vocabulário lusitanos, contra 0,45% do brasileiro. Pela estimativa do professor da UERJ, [aproximadamente], uma em cada 70 palavras será mudada em Portugal. No Brasil, em cada 200 [ou mais], uma será alterada.

 

- Há outro agravante para Portugal. Se aqui quase não há dialetos, só pronúncias mais abertas ou fechadas que não afetam a ortografia, em Portugal há muitos deles - explica Pereira da Silva.

 

Nada, porém, que faça o acordo representar uma revolução ortográfica lusitana. [Poderia ter sido muito mais profundo]. Segundo o professor, ele não altera o uso prático da língua, só interferindo la língua [escrita] culta das pessoas que querem escrever seguindo a norma:

 

- Ele não altera a fala das pessoas. Os portugueses continuarção usando uma série de situações ortográficas inexistentes no Brasil, como o acento agudo em Antônio e outras palavras com o fechado. Vamos usar uma forma e os portugueses, outra, porque isto está previsto no acordo.

 

Apesar do otimismo do ministro da Cultura de Portugal sobre a perspectiva para o mercado editorial de seu país, Pereira da Silva afirma que uma das maiores dificuldades parte dos editores portugueses, principalmente os de livros didáticos:

 

- No Brasil não será tão difícil, porque o governo compra quase toda a produção de livros didáticos. Sendo assim, basta um prazo negociado.

 

Facilidades como essa, porém, ainda não criaram um ambiente favorável ao acordo no Brasil. Apesar de estar em vigor desde janeiro do ano passado no país, legalmente funcionando, a unificação ainda não começou na prática.

 

- Se quiser, posso escrever vôo sem circunflexo. Mas seria visto como um estranho num mar de gente que escreve com acento circunflexo. O acordo não sairá aqui enquanto o governo não der o sinal verde para sua implementação - disse o professor.


Fonte: José Pereira da Silva ( CVL)

 

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Stella Maris Bortoni-Ricardo  ( UnB)

In Gorski, Edair e Coelho, Izete (orgs.) Sociolingüística e ensino,Florianópolis: Editora da UFSC, 2006 p. 267-288

 

Em trabalhos recentes, voltados principalmente para a formação de professores alfabetizadores e de séries iniciais (Bortoni-Ricardo, 2004a e b), tenho discutido muito a questão de erros de ortografia. Propus mesmo que seja feita uma distinção funcional entre erros de ortografia que resultam da interferência de traços da oralidade e erros que se explicam porque a escrita é regida por um sistema de convenções cujo aprendizado é lento e depende da familiaridade que cada leitor vai adquirindo com ela, em diversos suportes: livros e textos impressos em geral, áudios-visuais, internet e outros usos do computador , outdoors e quaisquer  objetos portadores de textos.

 

   Estou incluindo neste trabalho fragmentos do Projeto PRALER (www.fundescola.mec.gov.br),  que ilustram o tratamento sociolingüístico que venho conferindo aos textos voltados para a formação de professores das séries iniciais do Ensino Fundamental.

 

Fragmento 1:

Todos sabemos bem que nossos alunos, quando chegam à escola, já são capazes de falar com muita competência o português, que é a língua materna da grande maioria dos brasileiros. Você não precisa se preocupar em ensiná-los a se comunicar usando a língua portuguesa em tarefas comunicativas mais simples, do dia-a-dia, que já fazem parte  de sua competência comunicativa. Todos nós começamos a dominar essas tarefas comunicativas desde nossos primeiros meses de vida. À medida que a criança cresce vai ampliando essas habilidades.

No entanto, é nossa tarefa na escola ajudar os alunos a refletir sobre sua língua materna. Essa reflexão torna mais fácil para eles desenvolver sua competência e ampliar o número e a natureza das tarefas comunicativas que já são capazes de realizar, primeiramente na língua oral e, depois, também, por meio da língua escrita. A reflexão sobre a língua que usam torna-se especialmente crucial quando nossos alunos começam a conviver com a modalidade escrita da língua.

 

Fragmento 2:

Em primeiro lugar, os professores-alfabetizadores têm de aprender a fazer a distinção entre problemas na escrita e na leitura que decorrem da interferência de regras fonológicas variáveis e outros que se explicam simplesmente pela falta de familiaridade do alfabetizando com as convenções da língua escrita.  

Na análise dos problemas ortográficos, começamos por recolher amostras da produção escrita de nossos alunos. Nessas amostras identificamos palavras ou seqüências cuja grafia ainda não está de acordo com as regras da ortografia. Em seguida, fazemos a distinção entre problemas ortográficos que são reflexos de interferências da pronúncia na produção escrita e problemas que decorrem simplesmente do caráter arbitrário das convenções ortográficas. Por exemplo, se o alfabetizando escreve: “O que eu quero se quando crece e um contado ingual meu pai”, sabemos que ele escreveu “se”, “contado” e “crece” (ser, contador, crescer) sem o “r” final porque ele pronuncia com freqüência essas palavras sem o fonema r final. Também na palavra “ingual”, podemos supor que a regra de nasalização de sílabas iniciais seja produtiva em seu repertório. Já na palavra “crece” (crescer) a ausência da letra “s” no dígrafo “sc” não se explica por interferência da oralidade, mas pela pouca familiaridade do alfabetizando com as convenções da escrita. A coleta desse material nos ajuda a visualizar o perfil sociolingüístico dos alunos, considerando-se aí seus antecedentes sociodemográficos, bem como seu repertório estilístico nas modalidades oral e escrita.  De posse dessas informações, o professor poderá organizar uma agenda do trabalho pedagógico com aquele aluno e os demais. Ao desenvolver essa agenda, estará coletando mais dados para realimentar sua análise.

 

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Fragmento 3:

 

No texto seguinte encontramos vários problemas na ortografia que são decorrentes da influência da fala na escrita e também problemas que  não se explicam pela pronúncia mas, sim, pelo fato de que a jovem autora do texto ainda tem pouca familiaridade com as convenções da língua escrita.

 

O Paiz

 Meu sonho é ser feliz

é conhecê novos lugares

e conhecê o mundo

Meu sonho é ter muintos mais amigos

 

Meu sonho era que o mundo foce um paraizo

tudo moderno

mais tudo em paiz

cada um no seu lugá

 

Nota: A autora é uma  menina de 9 anos, cursando 3ª série no Distrito Federal. O texto foi  coletado por Juliana Moreira Del Fiaco, aluna do Curso de Pedagogia na Universidade de Brasília.

 

Vamos começar a analisar o texto  pelos problemas que resultam de interferência na fala na escrita.

 

Em “conhecê” , a autora do texto não escreveu o “r” final. De fato, no português brasileiro, há uma forte tendência para suprimirmos o r final nos infinitivos verbais. Veja que em “ser”, o “r” apareceu. É que essa regra de supressão do r é uma regra variável. Ora suprimimos o r final na nossa pronúncia, ora o realizamos. Tendemos a suprimi-lo mais freqüentemente nos infinitivos e nas formas verbais do futuro do subjuntivo  e em palavras com mais de uma sílaba. No texto, vemos que a autora também o suprimiu no substantivo “lugá”.  Ao verificar esses problemas, o professor deve preparar várias atividades com essa aluna de modo a levá-la a tomar consciência de que,  na fala, costumamos suprimir o r final, mas, na escrita, temos de escrevê-lo.  Para facilitar a conscientização desse fenômeno (perda do r final), o professor poderá chamar a atenção para as variadas realizações desse r, nas diversas regiões do Brasil. Em algumas regiões  o r é pronunciado  na garganta ( r velar), como no Rio de Janeiro e em Brasília, por exemplo. Em outras é pronunciado como uma vibrante na ponta da língua (no Paraná, por exemplo) e em certas regiões, no interior do Brasil, com a língua  encolhida ( r retroflexo).

 

Outro problema que resulta da interferência da pronúncia na escrita se vê na palavra “muintos” . Em quase todas as regiões do Brasil, pronunciamos assim essa palavra, e as crianças, quando estão aprendendo a escrever, a reproduzem como a falam. É preciso mostrar-lhes que falamos  “muintos”, mas escrevemos “muitos”. Outra pronúncia regional dessa palavra, encontrada em pontos da Região Nordeste,  é muntcho.

A maior parte dos problemas que verificamos no texto provém do fato de que a criança que o escreveu ainda tem pouco conhecimento das convenções da língua escrita. Essas convenções são arbitrárias. Como já vimos, os gramáticos de cada língua passam muitos anos, às vezes, até mais de um século, definindo as convenções da ortografia. Para nos familiarizarmos com essas convenções, isto é, com a forma convencionada de se escrever cada palavra, precisamos ter muito contato com a língua escrita, lendo e escrevendo muito. Quando temos dúvida, vamos a um dicionário.

No texto, vemos ainda que a aluna ainda não sabe escrever “paiz”. Escreveu essa palavra com “z”, como em “raiz”. Mas a forma convencionada de se escrever “país” é com a letra “s” ao final, indicando-se o hiato com um acento agudo na segunda vogal do hiato :  “país”. O professor vai precisar  trabalhar com essa aluna palavras como “país”, “raiz”. Pode mostrar-lhe também que o nome próprio “Luís”, pode ser escrito assim com “s” e acento no “i”,  ou assim: “Luiz”.

   Também em “paraizo”  e “foce”, vemos que a autora do texto precisa familiarizar-se mais com as convenções. A forma verbal “fosse” deverá ser trabalhada juntamente com outras que apresentam o morfema modo-temporal –sse .

  Temos aí um convenção ortográfica prevista pela regularidade morfológica ( ver, a propósito, Morais, 1999).  Observe-se que ela já escreveu corretamente “feliz” e “natureza”. O professor deve chamar a atenção para  essas ocorrências corretas e desenvolver mais exercícios para que a  aluna aprenda as palavras que ainda não está escrevendo conforme as convenções. Mas deve lembrar-se de exercitar as palavras sempre situando-as em um contexto, em uma frase ou um texto um pouco maior.

 

 

 

 Diante da ênfase na análise e sistematização de erros de ortografia, uma questão – bastante pertinente – que se apresenta é: por que falar em erros na escrita quando evitamos enfatizar erros na oralidade? De fato, a tradição da Sociolingüística, desde o seu nascedouro, amparada pelo conceito de competência comunicativa _ introduzido por  Dell Hymes em 1966, um ano depois que Noam Chomsky trouxe para a teoria lingüística os conceitos de competência e desempenho _ ,  rejeita veementemente a idéia de erros no repertório do falante nativo de uma língua. Todo falante nativo é competente em sua língua materna e nela pode  desempenhar variadas tarefas comunicativas  (para uma discussão mais detalhada, ver Bortoni-Ricardo, 2004 c).

 

O que a sociedade tacha de erro na fala das pessoas a Sociolingüística considera tão-somente uma questão de inadequação da forma utilizada às expectativas do ouvinte. Essas, por sua vez, decorrem das imagens que os interlocutores fazem uns dos outros, dos papéis sociais que estejam desempenhando e das normas e crenças vigentes na comunidade de fala. Em outras palavras, diante de um enunciado que a cultura dominante rejeita por conter um erro, a Sociolingüística analisa a variante ali empregada, avalia o prestígio a ela associado e mostra em que circunstâncias aquela variante é adequada considerando-se as normas vigentes. O erro na língua oral é, pois, um fato social. Ele não decorre da transgressão de um sistema de regras da estrutura da língua e se explica, simplesmente, pela (in)adequação de certas formas a certos usos. Por ser um fato social, só se corporifica quando a sociedade o percebe como um pecado no domínio das etiquetas sociais. A teoria sociolingüística substituiu a noção tradicional de erro pela noção de diferenças entre variedades ou entre estilos. Um erro, como fato social, ocorre quando o falante não encaixa uma determinada variante no contexto que é o seu habitat natural na ecologia sociolingüística de uma comunidade de fala.

 

Essa postura culturalmente relativista da Sociolingüística visou, desde o início, a combater o estigma associado a variantes de pouco prestígio social, ou seja, associado àquilo que a sociedade chama de erro.

 

Pois bem, se para a Sociolingüística não é produtivo – pelo contrário é altamente nefando – o conceito tradicional de erro, por que alguns lingüistas (entre os quais me incluo) transitam com facilidade pela metodologia de erros da língua escrita? Neste texto quero argumentar que as modalidades oral e escrita de uma língua, além das conhecidas distinções que mantêm entre si, distinguem-se ainda pelo estatuto do chamado erro. Vejamos. Na fala, como acabamos de argumentar, não enfatizamos erros, enxergando-os apenas como diferenças entre maneiras possíveis e competitivas de se falar: “se ele vinher” e “se ele vier” são duas maneiras de dizer a mesma coisa, a primeira associada a estigma na ecologia sociolingüística do português do Brasil e a segunda, prestigiada. Ao empregar a primeira dessas variantes fora de um contexto onde ela é comum, o indivíduo não atende a expectativas e sofre como sanção social a pecha de ter cometido um erro. Que decálogo ele transgrediu ao nasalizar a vogal da palavra? O “vinher” é a forma usual na sua rede de relações sociais eou na região de onde provém e se explica pelo próprio paradigma morfológico do verbo vir no qual muitas formas (como “vinha”, “venho”, “vínhamos” etc. contêm o segmento nasal. A transgressão é, como já dissemos, um fato social, pois o estigma se lhe advém pela simples ruptura com uma etiqueta lingüística.

 

Na língua escrita o chamado erro tem uma outra natureza porque representa a transgressão de um código convencionado e prescrito pela ortografia. Aqui também há um forte componente de avaliação social, pois erros ortográficos são avaliados muito negativamente. Mas podemos considerá-lo uma transgressão porque a ortografia é um código que não prevê variação. A ortografia de cada palavra é fixada ao longo de anos e até séculos no processo de codificação lingüística. (Scliar-Cabral, 2003). Com raras exceções cada palavra tem apenas uma grafia.

 

A língua oral, por seu lado, é a província da variação inerente. A variação é de sua própria natureza e é um recurso fundamental para que os falantes marquem suas identidades, seus papéis sociais, seu alinhamento com o interlocutor, enfim, para que amoldem a forma da sua fala à função que essa está desempenhado no processo interacional. Na língua oral, portanto, o indivíduo tem a variação ao seu dispor, cabendo-lhe aprender na escola e na vida a ajustar a variante adequada a cada contexto de uso.

 

Na modalidade escrita a variação não está prevista quando uma língua já venceu os estágios históricos da sua codificação. A uniformidade de que a ortografia se reveste garante sua funcionalidade. Toda variação fonológica de um discurso oral (inclusive e principalmente a de natureza regional) se reduz a uma ortografia fixa e invariável, cuja transgressão não é uma opção aberta para o usuário da língua. Assim, o texto escrito pode ser lido e entendido por falantes com os mais diferentes antecedentes regionais. Estamos pois diante de dois estatutos bem distintos. Ensinamos nossos alunos a usar os recursos da variação oral para tornar sua fala mais competente, preservando contudo suas características sociodemográficas,  e ensinamos nossos alunos a usar a orto-grafia: a grafia normatizada, fixada, canônica. É por isso que à Sociolingüística abomina referir-se a erros quando se trata de fala, considerando-os, todavia, quando são transgressões ortográficas. O erro ortográfico é como um erro aritmético, que se pode facilmente aferir mediante consulta a uma tabuada. O erro ortográfico também é aferível mediante consulta a um guia ortográfico ou a um dicionário.

 

Um professor não se pode eximir de corrigir uma soma aritmética errada. Não pode também ignorar uma palavra com erro ortográfico. Não se preocupará, porém, em fazer constantes intervenções na língua oral de seu aluno porque sabe que ali ele dispõe de flexibilidade para ajustar seus recursos lingüísticos à situação de fala. Um professor poderá aceitar de seu aluno tanto “eu encontrei ele no jardim”, quanto “eu o encontrei no jardim”, dependendo do contexto em que o enunciado apareça. Mas não poderá jamais aceitar que o aluno escreva: “eu encomtrei...”.

 

Considerar uma transgressão à ortografia como erro não significa considerá-la uma deficiência do aluno que dê ensejo a críticas ou a um tratamento que o deixe humilhado. O domínio da ortografia é lento e requer muito contato com a modalidade escrita da língua. Dominar bem as regras de ortografia é um trabalho para toda a trajetória escolar e, quem sabe, para toda a vida do indivíduo.

 

As pedagogias contemporâneas também nos têm ensinado que a aprendizagem da ortografia é, antes de tudo, um trabalho criativo. Quando vai escrever, o aluno reflete sobre o que está fazendo e vai buscar subsídios na sua língua oral e nos conhecimentos que está adquirindo sobre a estrutura da língua escrita para construir hipóteses sobre a forma correta de se escrever. A construção dessas hipóteses vai-se tornando mais eficiente à medida que os alunos avançam na aprendizagem da escrita. Mas, desde o início, mesmo quando escrevem de forma muito diferente da prevista pelas regras ortográficas, os alunos estão construindo suas hipóteses. Os erros que cometem ao escrever ajudam o professor a entender como a hipótese heurística do aluno foi construída. Por isso, cada erro deve ser objeto de produtiva discussão entre professor e aluno. Ao discutir os erros com o aluno, este vai verbalizar o caminho do seu raciocínio na decisão de escrever de uma forma ou de outra.

 

O erro ortográfico também é muito elucidativo porque permite ao professor perceber a interferência dos traços orais da fala do aluno na sua escrita. Analisando os erros de ortografia, juntamente com o aluno, o professor poderá planejar uma agenda de atividades pedagógicas que visem a ajudá-lo a superar os problema apresentados.

 

Cabe então perguntar: e na língua oral, o professor não pode também intervir para fornecer ao aluno uma variante diferente daquela que ele está usando? É claro que pode, mas sem perder de vista o fato de que a língua oral é muito mais flexível e permite variações. A intervenção do professor, quando da produção oral de seus alunos, será sempre para ajudá-los a encontrar a variante adequada a cada evento de fala. Já a intervenção do professor, diante de uma transgressão da ortografia, será para prover a forma gráfica canônica, que não permite variações.

 

Em suma, há uma diferença crucial no tratamento pedagógico de “erros” na produção oral do aluno, que a Sociolingüística considera apenas como alternativas associadas a variantes e estilos diversos, e o erro ortográfico, que consiste numa hipótese heurística mal sucedida na aprendizagem da tecnologia da escrita. O erro ortográfico precisa sempre ser corrigido para que o aluno adquira domínio dessa tecnologia.

 

Referências

Bortoni-Ricardo, S.M. “Interferências da língua oral na língua escrita” in Ramos, Wilsa M. (org.) Praler – Programa de Apoio a Leitura e Escrita, Unidade 13 FUNDESCOLADPESEIFMEC . (www.fundescola.mec.org.br) 2004a.

Bortoni-Ricardo, S.M. “O sistema alfabético: ampliando nossa percepção da relação entre sons e letras” in Ramos, Wilsa M. ( org.) Praler – Programa de  Apoio a Leitura e Escrita, Unidade 12, FUNDESCOLADPESEIFMEC   (www.fundescola.mec.org.br) 2004b

Bortoni-Ricardo, S.M. Educação em língua materna :  a sociolingüística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004c.

Morais, A. G. de “Ortografia:este peculiar objeto de conhecimento”, em Morais, A.G. (org.) O aprendizado da ortografia. pág.7-19, Belo |Horizonte: Autêntica, 1999.

Scliar-Cabral, L. Princípios do sistema alfabético do português do Brasil. São Paulo: Contexto, 2003

 

 

 

 

 

 

Categoria pai: Seção - Notícias

Agência Carta Maior
Noam Chomsky - IAR NotíciasThe New York Times Syndicate

Não faz muito tempo, ainda se dava por descontado que a guerra do Iraque seria o tema central na campanha presidencial, como já foi nas eleições da metade do mandato, em 2006. Mas praticamente desapareceu, o que tem provocado uma certa perplexidade.

Não deveria ser assim. O The Wall Street Journal esteve perto de acertar em um artigo de primeira página sobre a Super Terça-feira, aquele dia de múltiplas primárias: Os temas passam ao segundo plano na campanha de 2008 na medida em que os eleitores vão se focando na personalidade.

Para colocar a coisa de maneira mais específica, os temas deixam de estar em primeiro plano, enquanto os candidatos e suas agências de relações públicas se concentram na personalidade. Como de costume, os temas podem ser perigosos. A teoria democrata progressista sustenta que a população (marginais ignorantes e intrometidos) deveria ser espectadora e não partícipe da ação, como escreveu Walter Lippmann.

Os partícipes estão conscientes de que ambos os partidos políticos estão bem à direita da população e de que a opinião pública é consistente através do tempo, assunto analisado no útil estudo A falta de conexão da política exterior, de Benjamin Page e Marshall Bouton. É importante, então, que a atenção seja desviada para outro lado.

O trabalho concreto do mundo é do domínio de uma liderança iluminada. E isso revela-se mais na prática do que nas palavras. O Presidente Wilson, por exemplo, afirmou que se devia empoderar uma elite de cavalheiros de altos ideais para preservar a estabilidade e a correção, essencialmente na perspectiva dos Pais Fundadores (dos Estados Unidos). Em anos mais recentes, esses cavalheiros transmutaram-se na elite tecnocrática, intelectuais de ação, os neocons straussianos de Bush II e outras configurações. Para esta vanguarda, as razoes de que o Iraque seja retirado da tela do radar não deveriam ser obscuras.

Foram convincentemente explicadas pelo distinguido historiador Arthur M. Schlesinger, articulando a posição dos pombas há 40 anos, quando a invasão do Vietnã pelos Estados Unidos estava em seu quarto ano e Washington se preparava para somar outros 100 mil efetivos militares aos 175 mil que já estavam deixando o Vietnã do Sul em cacos. Na época, a invasão implicava em árduos custos, razão pela qual Schlesinger e outros liberais da linha de Kennedy resistiam-se a passar de falcões a pombas.

Em 1966, Schlesinger escreveu que todos oramos porque os falcões tenham razão ao pensar que o aumento militar do momento poderá eliminar a resistência e, se fizer isso, todos poderíamos estar saudando a sabedoria e a capacidade estadista do Governo ao obter a vitória, deixando ao mesmo tempo o trágico país destruído e devastado pelos bombardeios, arrasado pelo napalm, transformado em uma terra baldia pela defoliação química, uma terra em ruínas, com seu tecido político e institucional pulverizado. Mas a escalada provavelmente não terá êxito e vai acabar sendo cara demais para nós; ou seja, que talvez seria necessário repensar a estratégia. Na medida em que os custos começaram a subir severamente, logo ocorreu que todos tinham sido ferrenhos opositores à guerra.

O raciocínio da elite e as atitudes que o acompanham apresentam hoje poucas mudanças. E apesar de que as críticas à guerra do Iraque são muito maiores e estão mais estendidas que no caso do Vietnã em qualquer etapa comparável, os princípios que Schlesinger articulou continuam vigentes. E ele mesmo adotou uma posição muito diferente perante a invasão do Iraque. Quando as bombas começaram a cair sobre Bagdá escreveu que as políticas de Bush são alarmantemente similares à política que o Japão imperial aplicou em Pearl Harbor, em uma data que, como disse um Presidente norte-americano anterior, vai perdurar na infâmia.

Franklin D. Roosevelt tinha razão, mas hoje somos nós que vivemos na infâmia. Que o Iraque é uma terra em ruínas não é questionável. Recentemente a agência britânica Oxford Research Business atualizou sua estimativa de mortes adicionais causadas pela guerra em 1,03 milhões, excluindo Karbala e Anbar, duas das piores regiões. Seja correta essa estimativa, ou exagerada, segundo alguns, não há dúvida de que o balanço é horrendo. Vários milhões de pessoas estão deslocadas internamente.

Graças à generosidade da Jordânia e da Síria, os milhões de refugiados que fogem do colapso do Iraque, incluindo a maioria profissional, não foram, simplesmente, exterminados. Mas essa acolhida fica enfraquecida porque a Jordânia e a Síria não recebem nenhum apoio significativo de parte dos autores dos crimes em Washington e Londres; a idéia de que eles possam admitir essas vítimas, para além de casos pontuais, é estapafúrdia demais para ser considerada. A guerra sectária devastou o Iraque. Bagdá e outras áreas foram submetidas a uma limpeza étnica brutal e deixadas em mãos de senhores da guerra e de milícias, a primeira cartada da atual estratégia de contra-insurgência desenvolvida pelo general Petraeus.

Um dos mais informados jornalistas que se aprofundaram na chocante tragédia, Nir Rosen, publicou recentemente um epitáfio, A morte do Iraque, em Current History. Escreve Rosen: O Iraque foi assassinado, para nunca mais se levantar. A ocupação norte-americana tem sido mais desastrosa que a dos mongóis, que saquearam Bagdá no século XIII, percepção comum dos iraquianos. Somente os tolos falam agora em ‘soluções’. Não há solução. A única esperança é que, talvez, o dano possa ser limitado.

Independiente da catástrofe, o Iraque continua sendo um tema marginal na campanha presidencial. Isso é natural, dado o espectro falcão-pomba da opinião elitista. As pombas liberais aderem ao seu raciocínio e atitudes tradicionais, rezando para que os falcões estejam com a razão, que os EUA obtenham uma vitória e imponham estabilidade, palavra código para subordinação à vontade de Washington.

Os falcões são alentados e as pombas silenciadas com relatórios entusiastas sobre menores baixas após o aumento de tropas. Em dezembro, o Pentágono difundiu boas notícias sobre o Iraque: um estudo mostrava que os iraquianos têm opiniões divididas, com o que a reconciliação deveria ser possível. As opiniões eram duas. Primeiro, que a invasão dos EUA é a causa da violência sectária que deixou o Iraque aos pedaços. Segundo, que os invasores deveriam se retirar.

Umas poucas semanas depois do relatório do Pentágono, o especialista militar no Iraque do The New York Times, Michael R. Gordon, escreveu uma análise arrazoada sobre as opções referentes ao Iraque que enfrentam os candidatos presidenciais. Há uma voz que falta no debate: a dos iraquianos. Ou melhor: ela não é digna de ser mencionada.

E parece que ninguém se importa. Isso tem sentido na habitual presunção tácita de quase todos os discursos sobre política internacional: somos donos do mundo, o que importa, então, o que outros pensem? São não-pessoas, pegando de empréstimo o termo usado pelo historiador britânico Mark Curtis em seu trabalho sobre os crimes imperiais da Grã Bretanha. Por rotina, os norte-americanos unem-se aos iraquianos em ser não-pessoas. Suas preferências também não oferecem opções.

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Museus e instituições culturais se propõem a uma reformulação dos próprios conceitos e mostram a arte como ferramenta para a educação

Fonte: Diva Calles na CVL

Em 1995, a exposição A Porta do Inferno, do escultor francês Auguste Rodin, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, atraiu 185 mil visitantes durante os 38 dias de mostra. O diretor da casa na época, o artista plástico e curador Emanoel Araújo - hoje à frente do Museu Afro Brasil - não hesita em dar todo o crédito à grande estrela do show: Rodin. Ele é um caso à parte, afirma. Sempre suscitou polêmicas. Fosse pela Idade do Bronze [escultura de Rodin de 187576 que causou furor nos meios artísticos parisienses pela perfeição de suas formas; muitos acharam que o artista tinha usado um modelo vivo como molde], fosse pela história de amor dele com Camille [Claudel, também escultora e com quem teve um conturbado romance], pela história de ele ser um grande criador, de interpretar e rever a obra de Michelangelo. Para Araújo, A Porta do Inferno se abriu em um momento específico, quando a Pinacoteca era um espaço desconhecido, que coincidentemente acolheu as obras de um artista celebrado nos cinco continentes. Além, é claro, de ter havido uma coisa por trás: uma chamada na TV Globo, que tocou em todo mundo, lembra, referindo-se à atenção especial dada pela maior emissora do país ao evento. O resultado foi um sucesso absoluto. O fato é que a mostra se tornou um dos marcos no processo de estreitamento da relação do grande público com os museus e demais instituições culturais no Brasil. Depois daquilo, viu-se Michelangelo atrair as atenções no Museu de Arte de São Paulo (Masp) em 1997, Pablo Picasso lotar a Oca no Parque do Ibirapuera em 2004, e Leonardo da Vinci, também na Oca, repetir o sucesso em 2007, com peças que contemplavam não somente seu lado pintor, mas também o de inventor, cientista, arquiteto, engenheiro e anatomista. Segundo o historiador e crítico de arte João J. Spinelli, o que mudou da época em que os museus não estavam entre os programas preferidos das pessoas para a realidade de hoje - filas de horas prorrogando a temporada de algumas exposições - foi a maneira como esses locais passaram a se apresentar para o público. São muitos os recursos aos quais essas casas de cultura recorrem hoje para atrair o público. E acho até que o sucesso de uma exposição depende desses equipamentos, dessas ações, desses projetos, afirma Spinelli, fazendo menção a materiais de apoio, como vídeos explicativos, textos, monitoria treinada e ambientações lúdicas. Acho até que isso tem ampliado a própria ação da exposição.

Arte ao alcance de muitos

Na visão do historiador, existe uma importante diferença entre o público com certa erudição e a grande maioria dos visitantes, sobretudo, das chamadas megaexposições. Existe um público que conhece os artistas, as obras, entende bem os períodos. Agora, uma grande parte [das pessoas], na verdade, tem poucas informações. E se essas pessoas simplesmente olharem um quadro, acabam vendo potencialmente menos do que poderiam sentir, pensar, ver e refletir, afirma Spinelli, que foi responsável pela curadoria da exposição Coleção Sesc de Arte Brasileira - Obras Selecionadas, realizada pelo Sesc Interlagos no início de 2006 em comemoração aos 30 anos da unidade, também um sucesso de público, com mais de 120 mil visitantes. Segundo a professora do Departamento de Metodologia do Ensino da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul (UFSMRS), Marilda Oliveira de Oliveira, organizadora do livro Arte, Educação e Cultura (Editora UFSM, 2007), é preciso levar em conta o fato de a própria arte ter deixado de ser considerada algo inacessível de uns anos para cá. Antes [a arte] era vista como algo ininteligível, incompreensível, e, de uns tempos para cá, ela passou a transitar com maior freqüência em espaços públicos, analisa. Aqui no Brasil, podemos notar, por exemplo, uma aproximação, nos últimos dez anos, entre os museus e as escolas. Os institutos, os centros culturais, enfim, têm incorporado projetos pedagógicos como parte do projeto curatorial, superando, assim, a tradicional divisão entre as perspectivas curatoriais e educativas. A educadora afirma ainda que exposições especialmente voltadas para um público mais abrangente acabam ensinando as relações entre arte, história, comportamento e a vida das pessoas. Muitas vezes, tem-se um conceito muito vago sobre arte. Desconhece-se como e quando ela acontece, o porquê dos materiais, das linguagens e da alteração dos conceitos ao longo do tempo. Portanto, todos esses esforços são bem-vindos.

Casa pronta

Exposições em cartaz na cidade atualmente, ou mesmo a atividade permanente de alguns museus dão a oportunidade de os interessados comprovarem na prática o que os especialistas teorizam. O Museu Afro Brasil, localizado no Parque do Ibirapuera, Zona Sul da capital, com seu acervo de mais de mil obras, é um desses locais. Nós temos um grande número de visitantes que são as escolas, públicas e particulares, além de um público da periferia, que me interessa muito, conta Emanoel Araújo, diretor do museu. Não temos como chegar até eles, ou seja, nós precisamos ter um programa voltado para esse tipo de lazer, fazer com que todos possam vir até aqui. Outro dia veio um grupo de 60 pessoas de comunidades da periferia, e elas acharam o museu lindo. Segundo o diretor, essas casas de cultura devem criar uma programação atrativa e culturalmente relevante. O museu tem de estar em ordem, tem de haver uma infra-estrutura interna, com arte-educadores e monitores, ou seja, a casa tem de estar pronta.
O Instituto Tomie Ohtake, localizado em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo, também aposta no caráter educativo de suas realizações. Além da programação de cursos que o local oferece aos interessados, suas exposições quase sempre optam por apresentar panoramas de artistas e épocas. Assim foi com três mostras realizadas no ano passado, que buscaram expor os caminhos percorridos por diversos artistas desde os anos 50 até os 90: Pincelada, Pintura e Método - Projeções da Década de 50, 8090 Modernos, Pós-Modernos etc. e Arte como Questão - Anos 70. Em cada um dos eventos, além de ter acesso a um amplo quadro das artes no Brasil, aprendia-se um pouco da história do país. Segundo Glória Ferreira, curadora de Arte como Questão - Anos 70, uma das características mais marcantes da mostra organizada por ela foi a oportunidade que o visitante tinha de acompanhar o momento de afirmação da arte contemporânea no Brasil por meio das obras. O final dos anos 60 e início dos anos 70 é uma época na qual se elaboram conteúdos de reflexão teórica e histórica da produção contemporânea, explica. Segundo ela, o período de forte repressão política pelo qual o Brasil passava durante a produção artística dos anos 70 criou um solo fértil para a contestação aliar-se às expressões culturais. E, na arte, a investida na dimensão política se dá nos próprios termos da obra, resume. Agnaldo Farias, que assinou a curadoria de 8090 Modernos, Pós-Modernos etc., defende que acompanhar a produção dessas duas décadas é também mostrar o Brasil pós-anos de chumbo. No que se refere ao contexto histórico, o ímpeto daqueles anos pode ser parcialmente explicado como um desafogo da produção cultural ante a retração dos anos anteriores, afirma. A vertente sociológica viu-se insuflada por novas versões do ativismo político em arte, o desenvolvimento da tecnologia digital fomentou um amplo debate sobre suas possibilidades e a agenda multiculturalista, com sua crítica ao eurocentrismo, defendia a importância de formas alternativas, entre elas a produção periférica de países como o Brasil.

A vez de Tarsila

Em cartaz até 16 de março na Pinacoteca do Estado de São Paulo, a exposição Tarsila Viajante, com curadoria de Regina Teixeira e consultoria de Aracy Amaral, destaca um momento importante na compreensão do legado da pintora Tarsila do Amaral. A mostra reúne cerca de 40 pinturas e 110 desenhos que apresentam a influência das viagens que a artista realizou, de onde tirou muito do seu repertório visual. Além de acompanhar a formação de uma das maiores pintoras brasileiras, o público pode também aprender um pouco mais sobre o modernismo, movimento que redescobriu o Brasil, nos anos 20, e com o qual Tarsila mantinha íntima ligação. Às vezes, aprende-se mais do que sobre as obras expostas, declara João Spinelli. Segundo ele, para uma criança ou adolescente sem familiaridade com as artes, especialmente os moradores da periferia, a experiência começa no trajeto até o local da exposição, já que boa parte deles sai muito pouco do próprio bairro. E o contato com as mais variadas manifestações artísticas faz muita diferença na formação desses cidadãos. Então, quando a gente fala de Brasil é preciso pensar em Brasil mesmo, e não em uma coisa idealizada. O que nós não podemos é perder tempo com pessoas críticas que querem dividir ou subtrair. Nós estamos em um país no qual temos que pelo menos somar, e se possível multiplicar, conclui.

endereços

Instituto Tomie Ohtake
www.institutotomieohtake.org.br
r. Coropés, 88
Pinheiros | São Paulo SP
11 2245-1900

Memorial do Imigrante
www.memorialdoimigrante.sp.gov.br
Rua Visconde de Parnaíba, 1.316
Mooca | São Paulo
11 6693-0917

Museu Afro
www.museuafrobrasil.com.br
Pavilhão Padre Manoel da Nóbrega
Parque do Ibirapuera, portão 10
São Paulo SP
11 5579-0593

Museu da Língua Portuguesa
www.estacaodaluz.org.br
Praça da Luz, snº
Centro | São Paulo
11 3326-0775

Pinacoteca do Estado de São Paulo
www.pinacoteca.org.br
Praça da Luz, 2
Jardim da Luz | São Paulo
11 3324-1000

Revista E. São Paulo: Sesc, mar. 2008, n. 130.

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No exame aplicado à rede estadual de ensino em 2007, houve melhora nas médias de leitura e escrita em todas as séries analisadas



Os resultados do Saresp 2007 (exame do governo de SP) divulgados ontem apontam uma situação trágica no ensino de matemática nas escolas públicas do Estado: mais de 80% dos alunos não atingiram os conhecimentos esperados pela própria Secretaria da Educação.
Já em português, esses mesmos estudantes de 4ª e 8ª série do primeiro grau e do 3º ano do ensino médio tiveram desempenho melhor do que em 2005, quando foi realizado o Saeb -exame feito em todo o país.
O 3º ano do ensino médio foi a série em que os estudantes tiveram as maiores dificuldades em matemática -menos de 5% dos concluintes atingiram o patamar desejável.
Uma das habilidades que a secretaria esperava desses concluintes do antigo colegial, e que, no geral, não foi adquirida, foi a de representar uma fração em porcentagem.
Em uma das questões foi solicitado ao aluno que desse o resultado, em porcentagem, da soma de 15 mais 110 mais 12 -61% erraram.
Um agravante para a situação foi que as médias praticamente não melhoraram em relação a 2005. A situação é trágica. Os governos concentram esforços na escrita. Um dos resultados disso é que os alunos, depois, fogem das profissões ligadas às exatas, disse João Cardoso Palma Filho, membro do Conselho Estadual da Educação.
A secretária de Educação do governo José Serra (PSDB), Maria Helena Guimarães de Castro, afirmou que desde 1996 -na gestão Covas (PSDB)- o foco tem sido leitura e escrita porque, sem isso, os alunos não terão bom desempenho em nenhuma outra disciplina.

Melhora
Os dados do Saresp, afirma a secretária, mostram que os programas de melhoria da leitura e escrita dos alunos estão surtindo efeito. Ela cita como exemplo as médias dos alunos no próprio Saresp, onde houve melhora em todas as séries analisadas entre 2005 e 2007.
Na 8ª série, o avanço foi de 14,2 pontos (de 228,4 para 242,6). A cada dez pontos, significa que os alunos ganharam seis meses de aprendizagem.
Ainda assim, a maioria dos estudantes ficou em um nível abaixo do esperado na disciplina (na 8ª, o índice foi de 69,2%). O resultado foi significativo.
Demos um salto em apenas dois anos. Mas claro que ainda precisamos melhorar, disse Maria Helena. Sobre as dificuldades em matemática, ela diz que a principal medida será uma intervenção nas cem escolas com piores desempenhos.
O Saresp existe desde 1996, mas sofreu diversas alterações.
Apenas na edição de 2007 ele foi desenvolvido para que fosse comparado com as avaliações do governo federal, como o Saeb e a Prova Brasil.
A secretária afirma que usará os dados para identificar os problemas na rede e desenvolver programas de melhoria. Outra função será avaliar a evolução dos estudantes, o que será uma das bases para o pagamento de um bônus em dinheiro a professores e funcionários das escolas que mais evoluírem em um ano.
Segundo o governo, esses servidores chegarão a receber três salários extras.

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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