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James Watson, o co-descobridor da molécula de DNA e ganhador do Nobel de 1953, pisou na bola. Em Londres para a divulgação de seu novo livro Avoid Boring People (evite pessoas chatas ou evite chatear as pessoas), ele deu declarações escandalosamente racistas. Acho que nem o Borat ou qualquer outro comediante querendo troçar do politicamente correto teria ido tão longe.

Em entrevista ao jornal britânico The Sunday Times, o laureado disse na semana passada que africanos são menos inteligentes do que ocidentais e que, por isso, era pessimista em relação ao futuro da África. Todas as nossas políticas sociais são baseadas no fato de que a inteligência deles [dos negros] é igual à nossa, apesar de todos os testes dizerem que não, afirmou.

Até aqui, com muito boa vontade para com Watson, poderíamos argumentar que o venerando pesquisador procura apenas exercer sua liberdade acadêmica, afinal, se há mesmo evidências a mostrar que negros são menos inteligentes, ele poderia ter um ponto. Mas já na frase seguinte ele mostrou que seu raciocínio não era exatamente científico: Pessoas que já lidaram com empregados negros não acreditam que isso [a igualdade de inteligência] seja verdade.

Watson cometeu aqui pelo menos dois grandes pecados epistemológicos --deixemos por ora a questão moral de lado. Falou em todos os testes sem dizer quais e fez uma generalização apressada. Eu já lidei com patrões e empregados brancos, negros, amarelos e pardos, com pessoas burras e inteligentes, e posso asseverar que todas as combinações são possíveis.

Como era previsível, a reação às declarações de Watson foram efusivas. Ele foi desconvidado para vários eventos e houve até quem procurasse nos estatutos da Fundação Nobel uma brecha legal para cassar-lhe o prêmio. O experiente cientista, agora com 79 anos, acabou escrevendo um artigo em que pediu desculpas a quem tenha ofendido.

Não há dúvida de que Watson, reincidente em matéria de opiniões preconceituosas, merecia censuras. Receio, porém, que alguns de seus críticos tenham recaído nos mesmos erros que ele, isto é, afirmar coisas que não podem provar e proceder a generalizações problemáticas.

Os testes a que o laureado se referiu são provavelmente as tabelas de Richard Herrnstein e Charles Murray publicadas em The Bell Curve (a curva do sino ou a curva normal), de 1994, um dos livros mais explosivos da década passada. A obra pretendia sustentar que a inteligência medida por testes de QI é um fator preditivo de indicadores sociais como salário, gravidez precoce e problemas com a Justiça melhor do que o nível socioeconômico da família. O texto também afirma que negros dos EUA têm em média um QI mais baixo do que o de outros grupos sociais como brancos, judeus, asiáticos.

Sobretudo na imprensa, circulou a versão de que os autores diziam que a inteligência é dada pelos genes, mas Herrnstein e Murray não foram tão longe em seu determinismo. Eles afirmaram que permanece em aberto o debate sobre se e quanto genes e ambiente influem nas diferenças de QI entre os grupos étnicos --o que representa mais ou menos o consenso científico sobre a matéria.

The Bell Curve foi competentemente criticado por grande parte do establishment acadêmico norte-americano. De um lado, vieram as objeções conceituais, encabeçadas por cientistas como Stephen Jay Gould, que contestaram a idéia de que a inteligência possa ser reduzida a um teste de QI. Fazê-lo implicaria aceitar uma série de pressupostos de engolir, como o de que uma noção tão complexa possa ser traduzida num único número e que ela permaneça invariável ao longo de toda a vida do indivíduo. Aqui, estudar não serviria para nada além de acumular informações, coisa que computadores fazem melhor do que seres humanos.

Um pouco mais tarde, uma segunda leva de trabalhos, iniciada por Michael Hout e colegas da Universidade de Berkley, mostrou que os próprios dados de Herrnstein e Murray apresentavam problemas metodológicos, que exageravam a importância dos testes de QI como fator preditivo e diminuíam a do background familiar.

O debate é apaixonante, mas eu receio que, da forma como foi travado, ele esconda o ponto central, que é o de mostrar por que o racismo é errado. E essa é muito mais uma questão moral do que científica.

A evidência empírica não favorece o argumento da igualdade entre os homens, pela simples razão de que eles não são iguais. E opor-se ao racismo não pode depender de uma ficção filosófica que começou a ser escrita por John Locke no século 17, ao criar o conceito de tábula rasa, segundo o qual os homens nascem como uma folha em branco, e que todo o conhecimento que adquirem, bem como as diferenças que acabam por desenvolver, é fruto das condições externas a que são submetidos. Um rápido passeio pelos rudimentos da neurologia mostra que já nascemos, senão prontos, pelo menos com uma série de estruturas mentais pré-definidas. E elas têm muito em comum, mas em certos pontos variam significativamente de pessoa para pessoa. Embora Locke seja um dos pais espirituais do liberalismo, a tábula rasa fez carreira entre pensadores de esquerda do século 20. Por alguma razão obscura, em vez de defender que todos devem ter os mesmos direitos (o que já estaria de bom tamanho), resolveram que a igualdade deveria ser um dado da natureza, mesmo que isso contrariasse o senso comum e as observações diretas.

É engraçado como estamos dispostos a aceitar diferenças entre pessoas (fulano é mais inteligente do que ciclano), mas não entre grupos étnicos. Em relação a alguns assuntos, comportamo-nos como se filhos não se parecessem com seus pais, como se não houvesse algo chamado hereditariedade, que em algum grau é dada pelos genes, e contribui para a expressão das mais variadas características de uma pessoa.

Não fazemos objeção a um juízo do tipo: negros são em média mais altos do que japoneses, mas basta alguém sugerir que os asiáticos tenham uma inteligência média (definida por testes de QI) superior à do grupo de ascendência africana para desencadear uma revolução. O mesmo vale para as aptidões femininas para a matemática ou a predisposição masculina para a infidelidade conjugal.

Médias são um conceito traiçoeiro. Representam um valor obtido a partir resultados válidos para vários indivíduos, mas que não podem ser extrapolados a nenhum indivíduo em particular. Na média, a humanidade tem um testículos e um seio. Nossa experiência ensina que é perfeitamente possível encontrar um indivíduo negro mais inteligente (por teste de QI ou qualquer outro critério) do que um branco anglo-saxônico, judeu, coreano ou o que for. Se de fato há uma predisposição de origem genética para a inteligência, como parece que há, ela não chega, exceto em casos patológicos, constituir uma barreira intransponível ao sucesso intelectual de ninguém. A vantagem de uma pessoa mais favorecida pelos genes pode ser facilmente revertida por outras características como a disciplina no estudo, para citar um único exemplo.

O argumento contra o racismo, o sexismo e outras chagas que desde sempre atormentam a humanidade deve ser moral. De outra forma, se um dia inventarem um teste confiável para medir a inteligência e ele mostrar discrepâncias entre grupos, o que acontece? O racismo estará legitimado?

Por maiores que sejam as diferenças entre indivíduos e grupos de indivíduos, quer elas tenham origem nos genes ou no ambiente (ou numa interação entre eles, como parece mais provável), o fato é que é em princípio errado prejulgar alguém por características (reais ou supostas) que não observamos nessa pessoa, mas no grupo ao qual consideramos que ela pertence.

Podemos ir um pouco mais longe e afirmar que o homem tem uma estrutura psíquica que favorece atitudes etnocêntricas e mesmo racistas. Pensamos, afinal, através de operações mentais de categorização e generalização. Se um membro da tribo vizinha uma vez me atacou, é evolucionariamente útil que eu parta do pressuposto de que todos aqueles que pertencem àquela tribo inimiga tentarão me agredir e antecipe o ataque. Só que esse tipo de raciocínio, que fazia sentido no passado darwiniano, perdeu inteiramente a razão de ser em sociedades modernas. Se ele já foi útil para manter-nos vivos, hoje, a exemplo da capacidade de armazenar energia na forma de tecido adiposo, é apenas um estorvo. Serve para separar e fomentar violência. As forças da civilização exigem que abandonemos essa forma primitiva de pensar e utilizemos a razão e não reações instintivas no trato com outros seres humanos. É isso que Watson, mesmo com toda sua genialidade científica, não foi capaz de fazer.

Hélio Schwartsman, 42, é editorialista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.

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TROPA DE ELITE
A violência policial no cinema brasileiro

Por Fabíola Ortiz em 23102007

Observatório da Imprensa

Quando fiz o filme do ônibus 174, com o ponto de vista da violência do Sandro Nascimento e sua história de vida, me deu uma idéia: por que não fazer um filme do ponto de vista da violência policial, daqueles policiais que mataram o Sandro? Foi assim que José Padilha, diretor do filme Tropa de Elite, que atraiu um público de 180 mil espectadores só no fim de semana de estréia em São Paulo e no Rio de Janeiro, deu início ao debate com alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, promovido pelo Fórum de Ciência e Cultura da instituição.

Após a exibição gratuita do filme para os estudantes universitários, nesta última terça-feira, 1610, o debate reuniu centenas de alunos no teatro de arena no campus da UFRJ para discutir com o diretor e os três autores do livro Elite da Tropa [do sociólogo Luís Eduardo Soares, André Batista e o ex-capitão do BOPE que atuou seis anos na corporação, Rodrigo Pimentel, que deu origem ao longa-metragem].

Tropa de Elite, que foi escolhido como filme de abertura do Festival do Rio 2007, em setembro, teve seu lançamento nas telas de cinema antecipado para 12 de outubro. O filme, que contou com um orçamento de dez milhões e meio de reais, uma das produções mais caras do cinema brasileiro, é sucesso de público e crítica.

Sinais claros de execução

O filme é narrado por um policial do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar. Para Padilha, o personagem capitão Nascimento acredita profundamente que a violência deve ser combatida com a própria violência. O policial que integra o BOPE é um caso extremo de uma polícia que acredita na violência como solução.

José Padilha explica que sua opção por mostrar o lado policial é que no Brasil não havia nenhum longa-metragem que abordasse esse ponto de vista – a exemplo de Carandiru, Cidade de Deus e 174, que apresentam outras realidades.

Luís Eduardo Soares, um dos autores do livro, considera que as polícias, em especial a do Rio de Janeiro, são as mais violentas do mundo. E apontou, como dados a título de comparação, que nos EUA a polícia é tida como a mais brutal e mata 200 pessoas por ano.

Segundo ele, dados de 2003 apontam que houve mais de mil mortes no estado do Rio com sinais claros de execução pela polícia. O sociólogo enfatiza os dados mais recentes de 2006 e 2007: no ano passado foram 1.600 mortes e este ano já chegamos a 1.400. Em cinco anos, mais de quatro mil casos de pessoas assassinadas.

Identidade selvagem

E destaca: É inaceitável conviver com essas estimativas. Com o filme e o livro, Luís Eduardo Soares incita a mobilização da opinião pública para discutir a atuação da polícia e pôr em questão esses dados.

Rebatendo as críticas, o diretor afirma que nem o Sandro, nem o Nascimento, são heróis. Considerar algum deles como herói, é simplificar o entendimento do filme. Para ele, é preciso ser capaz de olhar e entender o discurso policial assim como o do Sandro retratado no documentário 174.

A minha idéia era fazer um filme que as pessoas debatessem, disse Padilha. Ele considera que o BOPE é um batalhão treinado para a guerra, para a caça aos traficantes. O BOPE é retratado no filme ambientado em 1997. Na época, 120 homens compunham o batalhão, que hoje já tem mais de 400. Se uma cidade que precisa ter esse tipo de polícia especial, isso é um sério problema. Não deveria existir uma polícia como essa, não resta a menor dúvida que ela precisa ser mais humana e respeitar a lei.

Luís Eduardo Soares destaca que a sociedade tende a generalizar os policiais como se fossem os principais agressores. Eles também são vítimas, disse. E acrescentou: O BOPE é como se fosse uma seita, há um processo de institucionalização da violência, o capitão Nascimento é fruto da construção de uma identidade selvagem.

Politicamente inviável

De acordo com o sociólogo, há dois grandes problemas na polícia: a corrupção e brutalidade. E sobre livro, ressalta que há um processo histórico da política de segurança pública que está padronizando as atitudes rígidas. Os policiais são também vítimas, antes mesmo de serem apontados como algozes.

Rodrigo Pimentel concorda e afirma que: A polícia reproduz as violências, os preconceitos e a corrupção da sociedade carioca. A nossa sociedade é violenta, é corrupta e aceita o falso herói como o Nascimento. A polícia acaba fazendo uma réplica da violência desses valores sociais.

José Padilha enfatiza que o filme não tem como pretensão demarcar uma posição político-partidária. E rebate mais críticas: No 174, me perguntaram se eu era radical de esquerda; neste [Tropa de Elite], se eu sou radical de direita; isso seria politicamente inviável, ironiza. De acordo com o diretor, há uma noção equivocada de que a arte deve sempre propor soluções e abordar toda a realidade – Isso não é verdade, afirma.

Descriminalização das drogas

O filme mostra que o usuário recreativo de drogas – aquele que não é viciado e pode escolher comprar ou não – sabe de quem está comprando [se referindo aos grupos armados nas favelas]. Para ele, o filme questiona se aquele que consome drogas está financiando ou não grupos armados com o dinheiro pago pela droga.

Já Luís Eduardo Soares é mais contundente: É claro que as drogas financiam as armas.

O filme aponta para uma sociedade que coloca o consumidor numa situação complicada: ou ele compra de grupos armados e acaba financiando a violência urbana, ou não consome.

Esse debate suscita uma polêmica ainda maior: a descriminalização das drogas. Padilha se pergunta por que a droga tem que ser criminalizada e a bebida não.

Sobre isso, responde: Sou a favor da descriminalização das drogas, as pessoas devem escolher o que elas fazem. Se eu quero comprar maconha, o que o Estado tem a ver com isso?

Porém, o diretor de Tropa de Elite questiona se, com a descriminalização, a violência urbana diminuiria. Tenho minhas dúvidas, toda vez que se combate o tráfico de drogas aumentam os seqüestros e homicídios.

Piratear não é a solução

Mas não foi só pelas críticas e pela bilheteria que o Tropa de Elite virou um fenômeno. Ele também bateu o recorde da pirataria. Segundo pesquisa do Datafolha, só em São Paulo cerca de um milhão e meio de pessoas já assistiu ao DVD pirata. No dia 11 de outubro, foram apreendidos em todo o Brasil mais de 1 milhão de CDs e DVDs pirateados – Tropa de Elite representou 10% de toda a apreensão.

A cópia foi vendida pelos camelôs dois meses antes da estréia do filme, que ainda não tinha a versão final. Além do Rio e São Paulo, os DVDs piratas podiam ser comprados em grandes cidades como Brasília, Belo Horizonte e Salvador. Na internet, mais de 70 mil sites oferecem o filme para download.

Sobre o fenômeno que popularizou o filme, Padilha não nega que tenha ganhado mais projeção, mas mesmo assim considera a pirataria crime. A pirataria envolve sonegação fiscal, não paga impostos, nem reconhece direitos trabalhistas ou dos consumidores. Eu sou a favor de um cinema mais barato, mas piratear não é a solução.

Em resposta a uma sugestão da platéia de fazer um filme sobre os verdadeiros chefões do tráfico, Padilha garante que o próximo filme será sobre o Congresso Nacional. O roteiro está sendo escrito junto com o Gabriel, o Pensador.

 

 

 

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