26 03 2007 - AGÊNCIA ENVOLVERDE
Municípios defendem capacitação de professores
para melhorar alfabetização infantil
Brasília - Os problemas da alfabetização infantil voltaram a ser debatidos após a apresentação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Está prevista a criação de uma prova nacional, Provinha Brasil, para avaliar se as crianças estão, de fato, aprendendo a ler e a escrever.
O governo também planeja ações para melhorar a qualificação dos professores das séries iniciais. Representantes da União Nacional dos Dirigentes Municipais em Educação (Undime) reuniram-se esta semana em Natal (RN) para discutir o assunto com educadores.
A presidente da Undime e secretária municipal de Educação de Belo Horizonte, Maria do Pilar, explica que cada vez mais crianças estão tendo acesso à educação. O problema, segundo ela, é que a maioria chega sem estímulo pedagógico familiar prévio e ainda enfrenta a falta de preparo dos professores.
As crianças chegam à escola com seis ou sete anos, de famílias onde os pais não tiveram acesso à educação. Chegam com uma bagagem letrada muito pequena. Faltam novas pedagogias e tecnologias para alfabetização, avalia Pilar.
De acordo com ela, em Minas Gerais, foi realizada no ano passado uma avaliação com alunos recém-alfabetizados e os dados serão utilizados para melhorar o processo de aprendizagem no estado.
O último censo escolar mostra que no Brasil existem mais de 33 milhões de crianças matriculadas no Ensino Fundamental, que vai do 1º ao 9º ano.
De acordo com a professora de lingüística da Universidade de Brasília (UnB), Stella Maris, as crianças deveriam aprender a ler e a escrever até o 2º ano (antiga 1ª série) e nos anos seguintes aprimorar o conhecimento.
A grande questão é que os professores precisam de uma melhor formação para trabalhar com mais eficiência, acrescenta a professora. Segundo ela, o processo de alfabetização precisa ser contínuo, ou seja, o ideal é exercitar a leitura durante toda a vida escolar.
No Distrito Federal, o Centro de Educação Infantil que reúne o maior número de crianças em processo de alfabetização (1.078) fica na região administrativa de São Sebastião. Faltam material didático e professor.
A diretora da escola, Daniela Medeiros Barbosa, diz que é preciso improvisar na hora de dar aulas. Hoje está faltando uma professora, não podemos dispensar as crianças porque a educação é um direito. Eu vou entrar em sala e o trabalho na direção, infelizmente, vai ter que parar.
A professora Fátima Alice Mares de Figueiredo, que também trabalha no centro e leciona há 14 anos, reclama da superlotação nas salas. Se o governo investisse verdadeiramente o que ele promete, se ele investisse a fundo na educação, não estaria nessa situação tão difícil.
Quinta-feira (22), em entrevista à Rádio Nacional, o ministro da Educação, Fernando Haddad, disse que a própria ampliação do ensino fundamental para nove anos foi adotada para melhorar a alfabetização infantil.
Isso pode favorecer o movimento de um ciclo de alfabetização dos seis aos oito anos, se garantir que nos dois anos iniciais ou no mais tardar, nos três anos iniciais, a criança esteja plenamente alfabetizada, explicou Haddad.
É absolutamente possível, desejável alfabetizar as crianças até essa idade, garantir que até os oito anos todos os brasileiros estejam alfabetizados. Quando você faz avaliação aos dez anos e conclui que essa criança ainda é um analfabeto funcional, aos dez, onze ou doze anos é muito difícil recuperar essa criança.
Legenda: A professora Fátima Alice Figueiredo fala sobre as dificuldades no processo de alfabetização de crianças. Há 14 anos em sala de aula, ela reclama da superlotação das salas e da falta de investimentos públicos
Saiba como usar a comunicação para complementar o processo de ensino
Portal Universia
Passar quase 60 minutos escutando uma pessoa falar sem ao menos parar para tomar fôlego não é tarefa das mais fáceis. Imagine só se esse discurso estiver repleto de vícios de linguagens e pausas? Não há bocejos, sonecas e inquietações da platéia que resistam. Você, professor, já ocupou o papel de aluno e sabe muito bem o que isso significa. Agora, do outro lado do jogo, é preciso traçar estratégias para não cometer os mesmos erros de alguns de seus ex-mestres e companheiros de profissão.
O domínio do conteúdo, ao contrário do que muitos imaginam, não é suficiente para garantir o bom desempenho de um docente em sala de aula. Técnicas de comunicação e socialização são essenciais para a construção de uma melhor relação aluno-professor. Não há ensino sem conteúdo e nem sem comunicação. Um elemento é tão importante quanto o outro e sozinhos se tornam superficiais, garante a professora do departamento de educação da PUC-Campinas (Pontifícia Universidade Católica de Campinas), Suely Galli Soares.
É necessário ponderar que, nem sempre, é isso o que acontece na prática. O excessivo e compulsivo comprometimento com o conteúdo programático, muitas vezes, faz com que as outras etapas do ensino-aprendizagem passem desapercebidas. E a comunicação, na visão de especialistas, é uma das primeiras ferramentas a serem deixadas de lado. Isso porque nem todos os profissionais conhecem o poder da comunicação, que é, inclusive, uma das principais responsáveis pelo fracasso ou pelo sucesso de uma aula, explica o professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia da UFRGS (Universidade Federal de Rio Grande do Sul), William Barbosa Gomes.
É justamente esse o segredo do sucesso das aulas de docentes como o professor de sociologia da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), Luiz Guilherme Brom, que coleciona mais de 20 anos de experiência na área acadêmica. Sempre obtive excelentes resultados nas avaliações discentes dos cursos de graduação e pós-graduação. Isso é reflexo do meu comportamento dentro de sala de aula, conta. E a comunicação, segundo ele, é a espinha dorsal de suas aulas. É por meio dessa ferramenta e de suas diversas formas que consigo vencer um dos principais desafios da profissão: o de transformar o processo ensino-aprendizado em algo atraente, sem sequer usar medidas de imposição, revela.
Aliada ou inimiga?
Do mesmo modo que a comunicação pode se transformar em mais uma ferramenta de trabalho para o professor, assim com o giz, o quadro negro e o data-show, também pode ser uma grande barreira entre docente e aluno, comprometendo, inclusive, a qualidade do ensino. E aí, já sabe qual caminho escolher? Se você pretende seguir em direção a uma comunicação eficiente, não basta, apenas, saber falar, escutar, ler e escrever. Há muitos outros aspectos que devem ser levados em conta. E quando se trata de uma exposição ao público os cuidados e as exigências devem ser ainda maiores. Qualquer descuido pode ser suficiente para causar ruído na comunicação, o que significa que a ponte entre o ensino e o aprendizado pode estar comprometida, alerta Suely.
A eficiência do diálogo ou da exposição do professor é o primeiro ponto que deve ser observado. Não é recomendável falar muito rápido ou mesmo devagar. É preciso encontrar um meio termo para que a aula não se torne cansativa e para que o aluno acompanhe o raciocínio de seu mestre, aconselha a pedagoga. Modular a voz e o ritmo do bate-papo também pode ser boa estratégia, principalmente quando o objetivo do professor é quebrar a monotonia da aula e despertar a atenção do estudante.
Além disso, a linguagem deve ser clara, sem soar informal. Não se pode esquecer que a universidade é um ambiente profissional e de produção do conhecimento. Por isso, a comunicação deve ser rigorosa e ao mesmo tempo agradável, confiável e eficaz, informa. Mas a oralidade também tem lá suas armadilhas, entre elas os vícios de linguagem, as repetições de palavras e as frases cheias de lacunas. São detalhes que podem desviar a atenção do aluno e comprometer o objetivo da aula, afirma Gomes. Desta forma, o professor precisa se policiar para não deixar suas manias e seus vícios interferirem no processo ensino-aprendizagem.
Vale lembrar, no entanto, que a comunicação não se restringe à linguagem oral. É possível também se comunicar com os gestos, os olhos, a postura e até mesmo com as atitudes. O professor é o objeto central de uma aula e até o esparadrapo no aro dos seus óculos pode desviar a atenção do estudante, brinca Suely. Diante disso, é recomendável que o docente evite qualquer exagero que escape do objetivo da aula. Também não se pode esquecer que a postura do professor deve ser condizente com o objetivo que a aula se propõe. Há conteúdos que pedem maior descontração; outros já pedem uma seriedade maior. E é aí que deve entrar em cena o discernimento do docente, alerta.
O ideal é que a comunicação do professor esteja ligada, simultaneamente, a todos os sentidos: visual, auditivo e cinestésico (que envolve percepções pelas partes sensoriais). Isso porque cada aluno tem características próprias para assimilar o conteúdo. O professor deve conhecer seus alunos e saber como atender necessidades individuais e do grupo, garante Gomes. Quanto mais canais forem utilizados na comunicação, maior o número de pessoas atingidas.
Além disso, é preciso abrir espaço para que a comunicação seja interativa. Não basta apenas o professor falar. O aluno também faz parte do processo de ensino-aprendizagem e necessita espaço para apontar suas dúvidas e impressões. Uma boa aula é produzida em conjunto. O docente é um orientador e um agente provocador para o conhecimento, pontua o sociólogo Brom. E mais: esse mecanismo pode ser o termômetro da eficiência da comunicação do professor. A comunicação tem que ser constantemente verificada para evitar ruídos. E o feedback da aula é importantíssimo, até para verificar a qualidade da comunicação. Se o aluno não entendeu é porque a comunicação não foi eficiente, conta.
Seja você mesmo
Alguns cuidados e dicas podem contribuir muito para a performance do professor dentro da sala de aula. No entanto, não é preciso que o docente represente uma personagem. Não se pode caminhar em direção da figura do professor performático. Isso pode transformar o ambiente acadêmico em algo superficial, relata Gomes. O docente deve estabelecer estratégias de comunicação de acordo com sua personalidade e suas habilidades. E, assim, construir sua identidade e sua marca profissional.
Gravar as aulas para avaliação posterior é uma boa maneira de identificar erros e descobrir potencialidades. É importante que o professor observe seus comportamentos diante das diferentes situações e esteja atento aos seus sentimentos dentro de sala de aula, descreve Suely. Além disso, nada melhor do que perguntar sobre o seu desempenho para o próprio receptor da mensagem. Converse com os alunos ou peça para que eles respondam a um questionário, sem identificar os nomes, sobre a sua didática em sala de aula, orienta. Mais eficiente do que o auto-conhecimento e a avaliação externa é a experiência. Mas a dedicação e o grau de comprometimento do professor com o sistema são determinantes no seu desempenho final.
O que não fazer
- Não ministre aulas sentado, isso pode causar ruídos na comunicação.
- Não fale muito devagar. Você corre o risco de entediar o ouvinte.
- Não fale muito rápido para que o aluno consiga acompanhar o seu raciocínio.
- Evite frases cheias de lacunas, tiques gestuais e repetição de palavras para não desviar a atenção do estudante.
- Atente-se aos vícios de linguagens: eles podem levar o aluno ao desinteresse
- Não seja informal. Lembre-se que você está em um ambiente acadêmico.
O que fazer
- Dê aula em pé, de forma que os alunos possam te enxergar.
- Não fale nem muito devagar nem muito rápido. Dê ritmo à comunicação.
- Utilize todos os canais da comunicação: visual, auditivo e cinestésico
- Estabeleça uma comunicação rigorosa, agradável, confiável e eficaz.
- Crie estratégias de comunicação condizentes com o conteúdo.
REVISTA EDUCAÇÃO - EDIÇÃO 119
Sob pressão
Quase 50% dos professores brasileiros apresentam sintomas de estresse ou depressão. Os mais jovens são os que têm mais dificuldade para lidar com os problemas da profissão; muitos optam por abandonar o ofício
Fabiano Curi
O professor está doente. Excesso de trabalho, indisciplina em sala de aula, salário baixo, pressão da direção, violência, demandas de pais de alunos, bombardeio de informações, desgaste físico e, principalmente, a falta de reconhecimento de sua atividade são algumas das causas de estresse, ansiedade e depressão que vêm acometendo os docentes brasileiros.
Profissionais de saúde e de educação dão cada vez mais atenção a fatores que afetam a saúde psicológica do professor. Ainda que pouco seja feito em termos de políticas públicas e educacionais para prevenção, acompanhamento e tratamento de casos genericamente classificados como de estresse, pesquisas começam a identificar a origem do mal e a apontar caminhos para mudanças.
Em artigo publicado em 2005 na revista Educação e Pesquisa, da Faculdade de Educação da USP, as pesquisadoras Sandra Gasparini, Sandhi Barreto e Ada Assunção, do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG, citam estudos realizados em várias localidades - Belo Horizonte e Montes Claros (MG), Vitória da Conquista e Salvador (BA), Santa Maria (RS) e Campinas (SP), entre outras - para aferir as condições de saúde do professor, a incidência dos pedidos de licença médica e suas motivações.
Partindo da hipótese de que as condições de trabalho - excesso de tarefas e ruídos, pressão por requalificação profissional, falta de apoio institucional e de docentes em número necessário, entre outras - geram um sobreesforço na realização de suas tarefas, o estudo conclui que os resultados aferidos nas diversas cidades são convergentes e que os professores estão mais sujeitos que outros grupos a terem transtornos psíquicos de intensidade variada.
Muitos desses elementos de pressão são fruto de uma reconfiguração do mundo do trabalho, que não foi realizada a contento no que diz respeito a suprir as necessidades do professor na mesma escala em que é cobrado. O sistema escolar transfere ao profissional a responsabilidade por cobrir as lacunas existentes na instituição, a qual estabelece mecanismos rígidos e redundantes de avaliação profissional, diz Sandra Gasparini.
Um dos problemas mais comuns na atividade de educador é a síndrome de burnout (veja texto). Suas causas estão na ocupação profissional, principalmente entre trabalhadores que lidam diretamente com pessoas e demandas variadas. É comum entre médicos, enfermeiros, policiais e, é claro, professores.
Vista como epidemia no meio educacional, essa síndrome não é exclusividade brasileira. Estudos na década de 1980 já apontavam altíssima incidência do problema entre os docentes norte-americanos. Entretanto, por estar sendo estudada há relativamente pouco tempo, ainda é difícil avaliar o desenvolvimento do burnout nas diferentes atuações profissionais. De qualquer maneira, as mudanças sociais das últimas décadas - que, para ficarmos no caso brasileiro, alteraram a cultura e os interesses do alunado, aumentaram a violência nos centros urbanos e diversificaram e intensificaram o acesso à informação - entraram na escola e tornaram-se fatores motivadores de estresse entre os professores.
A Universidade de Brasília (UnB) realizou, a partir de um acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), uma grande pesquisa nacional no final da década passada sobre o burnout com 52 mil trabalhadores em 1.440 escolas. Esse trabalho foi publicado no livro Educação: Carinho e Trabalho (Editora Vozes, 434 páginas). Os resultados mostraram que 48% dos entrevistados apresentavam algum sintoma da síndrome.
Para a pesquisadora Iône Vasques-Menezes, da UnB, desvalorização da carreira docente concorre para o aumento dos problemas psíquicos dos professores
A coordenadora do Laboratório de Psicologia do Trabalho da UnB e uma das pesquisadoras envolvidas no estudo, Iône Vasques-Menezes, destaca no meio desses números preocupantes que, de certa forma, o profissional está mais sujeito ao burnout, pois a situação da sociedade é outra. Ela lembra que até o início da década de 1960 o professor era valorizado.
Uma pesquisa mais recente, de 2003, feita pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) apresentou resultados semelhantes: 46% dos professores já tiveram diagnosticado algum tipo de estresse - entre as mulheres esse número chega a 51%.
No Mato Grosso do Sul, segundo dados da CNTE e da Federação dos Trabalhadores em Educação do Mato Grosso do Sul, mais de 60% das licenças médicas concedidas aos trabalhadores em educação no Estado são para professores. Do total de licenças, 38% estão relacionadas a transtornos mentais e comportamentais, o principal motivo dos afastamentos.
A deterioração
Celso dos Santos Filho é médico residente do setor de psiquiatria do Hospital do Servidor, em São Paulo. Ele diz que atende a um número considerável de professores que buscam ajuda psiquiátrica com os mais diversos transtornos. Há uma desvalorização gradual do papel do professor. Ele se sente cada vez menos valorizado, o que afeta a prática profissional e a auto-estima, conta. Tais perturbações deságuam em dificuldade para ir ao trabalho, insônia, choro fácil. O médico nota que as reclamações mais comuns desse sentimento de depreciação da atividade apontam para a falta de autoridade sobre os alunos e para a ausência de apoio institucional e das famílias dos alunos.
Existem dados que balizam a fala do psiquiatra: a Unesco fez, em 2002, uma grande pesquisa sobre o perfil do professor brasileiro. Em uma das questões sobre a percepção que tinham do próprio trabalho, 54,8% afirmaram ser um problema manter a disciplina em sala de aula; 51,9% mencionaram as características sociais dos alunos; e 44,8%, a relação com os pais. Outros pontos críticos estão relacionados com o volume de trabalho e a falta de tempo para preparar aulas e corrigir avaliações. De todo modo, as questões que envolvem relações humanas, que são a essência da educação, demonstram ser obstáculos difíceis para os professores.
A síndrome do esgotamento profissional,conhecida como síndrome de burnout,foi batizada nos anos 70. O nome vem da expressão em inglês to burn out, ou seja, queimar completamente, consumir-se.
A gente deixa de fazer o trabalho para ficar chamando a atenção de aluno para tirar o pé da cadeira e para fazer silêncio. Isso os pais deveriam ensinar, revolta-se uma professora da rede pública paulista. Nas reuniões, os pais dos alunos que não têm problemas aparecem; os que têm, raramente vão. A psicóloga e professora da PUC-Campinas, Marilda Lipp, concorda com a professora: As crianças estão mal-educadas. Mas ao mesmo tempo em que os pais desvalorizam os professores, passam a eles a responsabilidade de educar os filhos.
Marilda, que também é diretora do Centro Psicológico de Controle do Estresse e autora e organizadora de diversos estudos sobre o assunto - como o livro O Estresse do Professor (Papirus, 146 páginas), acredita que problemas semelhantes ocorram em várias ocupações. Mas o dano que um professor pode causar é muito maior, pois o estresse é emocionalmente contagiante.
De acordo com uma pesquisa orientada pelo psicólogo e professor da UERJ, Francisco Nunes Sobrinho, um fator determinante do burnout é a idade do professor. Pelos resultados, educadores mais jovens fazem uso exagerado de controle aversivo. Eles, por exemplo, gritam mais com o aluno para tentar controlar a disciplina. Se o professor ameaça demais, ele também pode criar um clima de estresse, explica.
Problema abrangente
A deterioração da atividade docente não acontece apenas no ensino público, o privado também sofre de mal semelhante. A relação entre professor e aluno se transformou em relação professor-cliente, condena Rita Fraga, diretora do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP). Apesar de trabalhar com profissionais da rede particular do Estado, ou seja, que supostamente figuram entre os mais bem remunerados do país e com uma boa infra-estrutura de ensino disponível, o sindicato nota um aumento do estresse no seu público. Rita avalia que muitos professores são pressionados pelos interesses mercadológicos da escola e, assim, muitas vezes não têm suporte da instituição em situações de enfrentamento com os alunos. Com medo de perder o emprego, ele se sujeita a esse tipo de situação.
A psiquiatra do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Alexandrina Meleiro, demonstra
Medo de perder o emprego gera submissão de docentes, alerta Rita Fraga, do Sinpro-SP
que esse problema de instituições privadas existe nos casos que atende, principalmente de professores do ensino superior: Em algumas (instituições), os alunos fazem um motim contra o professor e a escola prefere demitir o profissional a ficar do lado dele, relata.
Entretanto, ela identifica que a maior quantidade de casos está no ensino fundamental. São professores com problemas somáticos - depressão, ansiedade, às vezes síndrome do pânico - e, em alguns casos, se houve um assalto na escola, por exemplo, depressão pós-trauma, diagnostica. De acordo com Alexandrina, entre 30% e 40% acabam desistindo da profissão, o que caracteriza que o problema é decorrente da ocupação.
O tratamento, segundo a psiquiatra, varia muito. Dependendo do grau de desgaste, a pessoa pode passar somente por psicoterapia, ser medicada temporariamente com ansiolítico ou antidepressivo e, às vezes, tem de ser deslocada para uma função burocrática ou passar a trabalhar com outros tipos de alunos.
48% das pessoas que trabalham em escolas apresentam algum sintoma de estresse, segundo pesquisa realizada em âmbito nacional pela Universidade de Brasília
Uma preocupação de Alexandrina é com a violência. Chaga dos grandes centros urbanos do país, a violência é apontada por muitos pesquisadores como um fator estressor importante que atinge comumente os professores que lecionam em escolas situadas em regiões de risco, com altos índices de criminalidade e, em alguns casos, presença do tráfico de drogas. Ainda que a violência possa atingir direta ou indiretamente qualquer um, a gente tem de dar um enfoque maior para a escola, pois ela lida com a criança e com o adolescente que serão cidadãos, e é nesse meio que a violência é cultuada, alerta a psiquiatra.
Origens múltiplas
O burnout é uma síndrome multideterminada, ou seja, uma combinação de fatores facilita o surgimento dela, explana Iône Vasques-Menezes, da UnB. Dessa maneira, ainda que as dificuldades com disciplina, desvalorização da atividade e exposição à violência despontem como seus principais causadores, não se pode desprezar outros motivadores das doenças psicossomáticas dos professores.
Para a psicóloga Marilda Lipp, ao mesmo tempo em que desvalorizam os professores, pais confiam a eles a educação dos filhos
Marilda Lipp, da PUC-Campinas, cita o tecnoestresse, que seria o contato cada vez mais freqüente com tecnologias em sua atividade escolar, o que demanda conhecimento de processos e, em muitos casos, um aumento da carga de trabalho para fazer relatórios via rede, por exemplo.
Francisco Nunes Sobrinho, da UERJ, tem como referencial a ergonomia. Você pode ficar estressado, dentro da ergonomia cognitiva (disciplina que estuda os processos cognitivos em situações de trabalho), pelo excesso de informação que recebe. Isso pode provocar uma descompensação, pois o problema maior é não saber o que fazer, não ter uma resposta para a situação, explica. Ele adverte também que o ambiente físico é um estressor. O incômodo gerado pelo ruído excessivo ou pela temperatura elevada podem contribuir bastante para o desenvolvimento de um estresse crônico entre os professores.
Por onde começar?
Como as causas dos problemas psicológicos dos professores têm origens distintas, os caminhos para sua solução também são variados. A presidente da CNTE, Juçara Vieira, lembra do que é óbvio para começar a valorizar a profissão, mas que costuma ser esquecido com assustadora regularidade: o salário. O importante é se ter um piso salarial que permita, por exemplo, trabalhar para apenas uma escola, comenta.
Ela cita também a necessidade de ter uma escola democrática que fortaleça as relações interpessoais e de aplicar políticas públicas de formação permanente. Nunes Sobrinho corrobora a tese de que é preciso preparar os professores. A mudança do cenário passa pela formação das pessoas, por começar a incorporar no currículo algumas questões de comportamento. O psicólogo dá um exemplo que presenciou: Trabalhei em uma escola de periferia em que a criança levava um bilhete chamando o pai para uma reunião, e ela era espancada antes mesmo de o pai saber do que se tratava. Isso demonstra que a professora só trabalha com o lado negativo. O pai só é chamado para ouvir crítica. O professor ainda não aprendeu que tem de chamar o pai também para fazer elogios. Quando começaram a chamar alguns pais para elogios, as crianças queriam que os seus pais fossem chamados também.
Para Iône, há na atividade a sensação de que se dá muito, mas não se recebe nada em troca, o que provoca insegurança e desânimo. Ela acredita que o professor precisa de afeto para transmitir conhecimento. Se ele não gostar dos alunos, não conseguirá transmitir nada. A psicóloga da UnB acha difícil estabelecer uma única linha de atuação para diminuir o burnout. Se é uma síndrome de trabalho, teria de mudar a organização do trabalho dependendo das condições em que ocorre naquela comunidade. Ela esclarece que em uma cidade pequena, ainda que a infra-estrutura da escola seja inferior quando comparada à de um grande centro desenvolvido, a proximidade com a sociedade local acaba compensando e o professor fica menos exposto. É mais fácil identificar fatores que protejam contra o burnout do que os causadores - controle sobre o trabalho, suporte social, ligação da escola com a comunidade, reconhecimento social.
55% dos professores brasileiros ouvidos em pesquisa da Unesco afirmaram ter problemas para manter a disciplina em sala de aula
Com uma abordagem menos voltada para a idéia de síndrome trabalhista, a professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB), Sandra de Almeida, avisa que o professor se apresenta com uma expressão de grande sofrimento psíquico e um mal-estar visível. Ela baseia suas afirmações em pesquisas realizadas com docentes na complementação pedagógica para professores do magistério no Distrito Federal, dos quais cerca de 20% têm licenças médicas motivadas por estresse.
Isso tem como conseqüência o absenteísmo, ou seja, os professores faltam muito. Eles fazem pedidos de transferência para secretaria, fazem de tudo para não estarem presentes em sala de aula, relata. Quando nada mais funciona, utilizam o recurso da licença médica.
Sobre as críticas de diversas secretarias de educação de que muitos professores querem licenças simplesmente para matar trabalho, a psicóloga retruca: é claro que muito disso pode ser mais ou menos fingido, mas tem um valor psíquico para o sujeito. Por que ele se apresentaria como um sofredor? Podemos chegar à conclusão de que isso não se configura como depressão, mas pode ser um estresse.
Sandra destaca que o professor não é escutado no ambiente escolar. Na opinião dela, esse profissional convive muito tempo com os alunos e lida com demandas diversas e contraditórias e não tem com quem conversar. Assim, o médico é a figura que pode ajudar e que, em último caso, pode afastá-lo da sala de aula, e isso pode aumentar ainda mais a sua angústia.
Sandra de Almeida, da UCB: Por que se apresentar como um sofredor? O fingimento também tem valor psíquico
A leitura que faço é de como podemos intervir no âmbito da formação de pessoal, explica. Sua proposta é resgatar a memória educativa desse professor para entender como alguns expostos às mesmas condições conseguem fazer algo criativo e outros caem na depressão. Identificar sua história como estudante, ideais educativos. Fazer com que ele perceba que não é o único a ter problemas psicológicos e que pode encontrar soluções por meio de relações interpessoais. Ele precisa se interrogar, caso contrário, não há o que fazer.
Vale a pena tentar entender o que aflige e adoece o professor brasileiro, esse indivíduo difícil de ser explicado. Afinal, segundo a pesquisa realizada pela UnB, esse trabalhador, com todos os problemas que enfrenta, ainda pertence a uma categoria que apresenta índices de satisfação profissional próximos de 90%.
Apreensão de armas em escolas do DF no primeiro trimestre de 2007 supera o total de 2006. Média mensal de consumo de drogas é a maior em quatro anos
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Adriana Bernardes
Da equipe do Correio
Paulo H. CarvalhoCB
A diretora Maria José Fernandes transformou a escola numa fortaleza
A violência ameaça o ensino público no Distrito Federal. O cotidiano de brigas, roubo, uso e porte ilegal de armas no interior e nas imediações da escola deixam alunos e professores cada dia mais acuados. De janeiro até 23 de março, a apreensão de armas —14 no total — superou todos os casos ocorridos durante 2006, quando houve 13 registros (veja arte). E a média mensal de ocorrência de consumo de drogas já é a maior dos últimos quatro anos. No ano passado, as vias de fato (quando não há ferimento) lideraram o ranking de atendimentos pelo Batalhão Escolar — 38 ao todo — seguidas por lesão corporal e ameaça, com 22 registros cada.
Um levantamento da polícia junto a 560 instituições de ensino público e privado revelou que cerca de 40 escolas estão com o nível de potencialidade de risco alto. O mapeamento feito no segundo semestre de 2006 nas escolas da zona urbana servirá como diretriz para a atuação da polícia no combate e na prevenção das causas da violência. O nome e a localização das instituições são mantidos sob sigilo para evitar a estigmatização e o preconceito por parte da comunidade e, especialmente, a hostilização do aluno.
Quem se submete ao cotidiano de violência, muitas vezes é silenciado pelo medo de represálias. Na semana passada o Correio passou dois dias percorrendo oito escolas em Samambaia, Recanto das Emas e Ceilândia. Em todas elas há relatos de violência. O caso mais recente foi o do garoto de 13 anos agredido por colegas dentro do refeitório da escola no dia 6 deste mês. Socorrido por um professor e levado ao Hospital de Base, ele passou nove horas desacordado, segundo a família.
No Centro de Ensino Fundamental 25, em Ceilândia Norte, o pesadelo da estudante Paula*, 22 anos, é o grupo de adolescentes e jovens que se forma no portão principal da escola. Ela diz ter sido vítima de roubo pelo menos três vezes nos últimos dois anos. “No outro dia eles estavam aí. Como se nada tivesse acontecido. Você fica com cara de palhaço e sabe que a qualquer hora pode acontecer de novo porque a polícia não está presente todo o tempo”, indigna-se.
A presença dos jovens na porta da escola — eles não estão matriculados na instituição — é rotineira e desencadeia todo tipo de violência, afirma o vice-diretor da instituição Geraldo Elson de Souza. “Do portão para dentro, nós conseguimos controlar. Somos considerados linha-dura, por exigirmos pontualidade e permanência dentro das salas de aula”, relata. “Mas aí fora, as brigas e o uso de drogas são normais”, denuncia. O caso mais recente de violência foi o de uma aluna do noturno que há duas semanas levou um soco no olho porque uma garota achou que ela a estava encarando.
Mas a violência não ocorre apenas do portão para fora. Há 15 dias a briga entre três alunos do Centro de Ensino Fundamental 619, em Samambaia Norte, resultou na apreensão de uma faca de cozinha. Dois deles acabaram transferidos para outra instituição. A direção apurou que a briga teria sido motivada pela morte de um adolescente. “Um amigo do que levou a faca teria assassinado o colega dos outros dois alunos e, por este motivo, acabou ameaçado por eles e se armou”, conta Jaeder Maia Cardoso, que faz o apoio à direção da escola.
Para amenizar o problema das invasões, a direção do Centro Educacional 7, em Ceilândia Norte, transformou a escola em uma grande fortaleza. Grades, portões de lata com até três tipos de tranca e reforçados com barras de ferro, dividem o pátio das quadras de esporte. “Antes disso, era comum a presença de estranhos misturados às crianças na hora do intervalo e até dentro das salas de aula. Sem falar do roubo, da depredação do patrimônio público e das brigas”, relata a diretora Maria José Fernandes.
O acesso é facilitado por, pelo menos, três grandes buracos no muro. No ano passado, as aulas de educação física chegaram a ser suspensas porque a diretora avaliou que alunos e professores estavam em perigo. Na última semana o Correio assistiu a uma aula dessas. Durante todo o tempo cerca de 15 jovens — que não eram alunos da instituição ou estudavam em outro horário — disputaram a quadra e a bola com os alunos da 5ª série. A professora pediu para ter o nome preservado, pois teme represália. Mas relatou que a dificuldade é diária e que nem mesmo a presença da polícia inibe as invasões. “Eu não posso bater de frente com eles porque não sei o que pode acontecer comigo fora do colégio. A gente vai pedindo com jeito e trabalhando como dá”, lamenta.
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Ao apresentar o plano de desenvolvimento da educação para especialistas, o presidente Lula disse que o programa pode ajudar três milhões de jovens que estão fora do mercado de trabalho.
”Na medida em que a gente universalizou a educação – e nós universalizamos – , junto com a universalização não houve um acompanhamento da melhoria da qualidade da educação. Então, nós estamos nos piores do mundo”, afirmou Lula. “O dado concreto é que nós entramos no século XXI, estamos tentando fazer muita coisa, mas ainda temos praticamente tudo a resolver no que diz respeito à educação”.
Para o ministro da Educação, Fernando Haddad, o sucesso de estudantes no Ensino Médio e Superior depende, principalmente, da educação básica. Por essa razão, a prioridade do plano é investir na qualidade do ensino para os mais jovens. “Nós temos que garantir que as crianças no máximo até os oito anos estejam todas alfabetizadas e que, a partir dos 10 anos, tenham adquirido competências e habilidades próprias da idade”, definiu Haddad.
Algumas medidas do plano já foram divulgadas: * O governo vai propor um piso salarial para professores de todo o país de, no mínimo, R$ 800.
* Novos Centros Federais de Educação Técnica e Científica serão criados em várias cidades do interior do país.
Meta de 100 mil estudantes do Ensino Médio recebendo educação a distância pela Internet.
* Um índice vai medir a qualidade do ensino.
*Os estados e municípios que conseguirem melhor desempenho, vão receber mais dinheiro do governo federal.
* Alunos entre seis e oito anos de idade vão ser avaliados para confirmar se estão sendo alfabetizados.
O governo vai oferecer isenção de impostos e financiamento para que os municípios comprem ônibus para o transporte escolar.
Embora detalhes do plano tenham sido anunciados nesta quinta-feira, o governo só deve apresentar em abril todos os projetos de lei, decretos e portarias que viabilizam as propostas. O governo diz que distribuirá pelo menos R$ 1 bilhão a mais, ainda neste ano, para que estados e municípios invistam em educação. Os recursos viriam do recém-criado Fundo da Educação Básica.
Critérios da reforma ministerial
O presidente Lula explicou nesta quinta-feira o porquê da manutenção de Fernando Haddad, um professor universitário, no ministério da Educação, e da escolha de José Temporão, um médico, para a saúde.
“Eu acho que tem duas coisas que são fundamentais no Brasil: educação e saúde. Com isso a gente não brinca, a gente não partidariza, a gente monta o governo com as pessoas que têm competência, com as pessoas que têm capacidade de montar um bom governo. Porque, na saúde, se você brincar, é morte. Na educação, se você brincar, é um analfabeto”, disse o presidente.