João Ubaldo Ribeiro, escritor
Já estou chegando, ou já cheguei, à altura da vida em que tudo de bom era no meu tempo; meu e dos outros coroas. Acho inadmissível e mesmo chocante (no sentido antigo) um coroa não ser reacionário.
Somos uma força histórica de grande valor.
Se não agíssemos com o vigor necessário - evidentemente o condizente com a nossa condição provecta -, tudo sairia fora de controle, mais do que já está.
O vestibular, é claro, jamais voltará ao que era outrora e talvez até desapareça, mas julgo necessário falar do antigo às novas gerações e lembrá-lo às minhas coevas (ao dicionário outra vez; domingo, dia de exercício).
Nada de cruzinhas, múltipla escolha ou matérias que não interessassem diretamente à carreira.
Tudo escrito tão ruybarbosianamente quanto possível, com
Os textos em latim eram As Catilinárias ou a Eneida, dos quais até hoje sei o comecinho.
Franzino, sempre de colete e olhar vulpino
Um amigo meu, que por sinal passou, chegou a enfiar, sem sentir, as unhas nas palmas das mãos, quando o mestre sentiu duas dores de barriga seguidas, na sua prova
Comigo, a coisa foi um pouco melhor, eu falava um latinzinho e ele me deu seis, nota do mais alto coturno em seu elenco.
Eu dei show de Português e Inglês. O de Português até que foi moleza, em certo sentido.
O professor José Lima, de pé e tomando um cafezinho, me dirigiu as seguintes palavras aladas:
A Bahia será sempre a Bahia!
Eu tinha fama de professor carrasco, que até hoje considero injustíssima, e ficava muito incomodado com aqueles rapazes e moças pálidos e trêmulos diante de mim.
Uma bela vez, chegou um, sem o menor sinal de nervosismo, muito elegante, paletó, gravata e abotoaduras vistosas.
A prova oral era bestíssima. Mandava-se o candidato ler umas dez linhas em voz alta (sim, porque alguns não sabiam ler) e depois se perguntava o que queria dizer uma palavra trivial ou outra, qual era o plural de outra e assim por diante.
Pronto , pensei, se ele distinguir qual é o verbo, considero-o um gênio, dou quatro, ele passa e seja o que Deus quiser.
- Nós fomos, vós fondes, eles fõem.
Mas, se perseverou, deve ter acabado passando e hoje há de estar num posto qualquer do Ministério da Administração ou na equipe econômica, ou ainda aposentado como marajá, ou as três coisas.
Vestibular, no meu tempo, era muito mais divertido do que hoje e, nos dias que correm, devidamente diplomado, ele deve estar fondo para quebrar.
Fões tu?
Com quase toda a certeza, não.
Eu tampouco fonho.
Mas ele fõe.
Vestibular de verdade era no meu tempo.
O vestibular de Direito a que me submeti, na velha Faculdade de Direito da Bahia, tinha só quatro matérias: Português, Latim, Francês ou Inglês e Sociologia, sendo que esta não constava dos currículos do curso secundário e a gente tinha que se virar por fora.
citações decoradas, preferivelmente.
Havia provas escritas e orais. A escrita já dava nervosismo, da oral muitos nunca se recuperaram inteiramente, pela vida afora. Tirava-se o ponto (sorteava-se o assunto) e partia-se para o martírio, insuperável por qualquer esporte radical desta juventude de hoje.
A oral de Latim era particularmente espetacular, porque se juntava uma multidão, para assistir à performance do saudoso mestre de Direito Romano, Evandro Baltazar de Silveira.
(dicionário, dicionário), o mestre não perdoava:
- Traduza aí quousque tandem, Catilina, patientia nostra - dizia ele ao entanguido vestibulando.
- Catilina, quanta paciência tens? - retrucava o infeliz.
Era o bastante para o mestre se levantar, pôr as mãos sobre o estômago, olhar para a platéia como quem pede solidariedade e dar uma carreirinha em direção à porta da sala.
- Ai, minha barriga! - exclamava ele. - Deus, oh Deus, que fiz eu para ouvir tamanha asnice? Que pecados cometi, que ofensas Vos dirigi? Salvai essa alma de alimária. Senhor meu Pai!
Pode-se imaginar o resto do exame.
oral.
O maior público das provas orais era o que já tinha ouvido falar alguma coisa do candidato e vinha vê-lo dar um show.
- Dou-lhe dez, se o senhor me disser qual é o sujeito da primeira oração do Hino Nacional!
- As margens plácidas - respondi instantaneamente e o mestre quase deixa cair a xícara.
- Por que não é indeterminado, ouviram, etc.?
- Porque o as de as margens plácidas não é
craseado. Quem ouviu foram as margens plácidas. É uma anástrofe, entre as muitas que existem no hino. Nem teme quem te adora a própria morte: sujeito: quem te adora. Se pusermos na ordem direta...
- Chega! - berrou ele. - Dez! Vá para a glória!
Quis o irônico destino, uns anos mais tarde, que eu fosse professor da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia e me designassem para a banca de Português, com prova oral e tudo.
Esse mal sabia ler, mas não perdia a pose. Não acertou a responder nada.
Então, eu, carrasco fictício, peguei no texto uma frase em que a palavra for tanto podia ser do verbo ser quanto do verbo ir.
- Esse for aí, que verbo é esse?
Ele considerou a frase longamente, como se eu estivesse pedindo que resolvesse a quadratura do círculo, depois ajeitou as abotoaduras e me encarou sorridente.
- Verbo for.
- Verbo o quê?
- Verbo for.
- Conjugue aí o presente do indicativo desse verbo
- Eu fonho, tu fões, ele fõe - recitou ele, impávido.
Não, dessa vez ele não passou.
O custo da reprovação
Perder um ano é um prejuízo incalculável para o estudante, mas a repetência e o abandono escolar têm o seu preço: R$ 700 milhões a cada 12 meses. No DF, um em cada cinco alunos não passa para a série seguinte
Correio Braziliense
A repetência e o abandono escolar na rede pública de ensino custam cerca de R$ 700 milhões por ano. O valor é o dobro do que o Governo do Distrito Federal têm no Orçamento para investir em melhorias nas escolas, compra de material ou construir colégios. Os dados mais recentes do Ministério da Educação (MEC) mostram que 109 mil estudantes dos ensinos fundamental e médio, dos quase 500 mil da rede do DF, foram reprovados ou pior, desistiram da sala de aula antes do fim do ano. É como se a cada cinco estudantes, um não passasse para o próximo ano letivo. Esses números assustam, especialmente quando se sabe que o investimento por aluno na capital e nas suas regiões administrativas é o maior do país: cada estudante custa R$ 6.400 ao ano, de acordo com a própria secretária de Educação, Maria Helena Guimarães.
Mas engana-se quem pensa que a culpa é dos alunos. O DF sofre com um problema mais grave associado à queda na qualidade do ensino, como mostraram as últimas pesquisas de desempenho divulgadas pelo MEC no mês passado. Pela primeira vez desde a primeira edição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), há nove anos, o DF não apareceu entre as cinco melhores médias estaduais. Ficou em sétimo. A queda de rendimento também ocorreu no Sistema de Avaliação da Educação (Saeb) que investiga o aprendizado dos alunos de 4ª e 8ª séries em matemática e português.
Os custos para o cofre do GDF da má qualidade da educação foram calculados a partir do percentual de reprovação e abandono por série da educação básica. Os dados mais recentes divulgados pelo MEC, no ano passado, dizem respeito aos índices de 2004 (veja quadro ao lado), já que existe um prazo para que as secretarias de Educação enviem os números ao governo federal. Esses percentuais mostram a repetência média de 16,3% e 20,4% dos alunos, respectivamente, dos ensinos fundamental e médio. O abandono é mais baixo, mas não menos preocupante: 3,1% e 10,2%, respectivamente.
O custo por aluno anual da rede pública do DF foi calculado pela Secretaria de Educação a partir de uma conta simples. O Orçamento da área em 2007 é de R$ 3,2 bilhões para atender a uma rede de 500 mil alunos. Como 90% de todos os recursos da pasta vão exclusivamente para o pagamento da folha de salários, sobram apenas R$ 320 milhões para compra de material e investimentos. “Dá para dividirmos o orçamento total pelo número de matriculados porque o dinheiro só dá mesmo para custearmos a educação dos que estão na rede”, explica Maria Helena. A divisão resulta nos R$ 6,4 mil e serve como média de gastos. Vale lembrar que o valor inclui, além dos estudantes dos ensinos fundamental e médio, matrículas em educação especial, ensino infantil e de jovens e adultos.
“Temos o mais alto custo-aluno do país e os índices de desempenho não correspondem. Isso precisa ser atacado imediatamente”, argumenta a secretária. “Para se ter uma idéia, a cidade de São Paulo tem orçamento de R$ 4 bilhões e mais do que o dobro de alunos matriculados”, completa Maria Helena.
Mais velhos
Seria possível multiplicar os anos de repetência e o abandono escolar das três garotas e do jovem pela média de repasses de recursos do GDF. Não vale a pena. Para os quatro, o prejuízo é incalculável. “Aqui na escola, os coordenadores dão aula quando não há professores. Também trabalhamos para dar um reforço extra no conteúdo, mas muitos alunos trabalham ou não tiveram base adequada”, argumenta a diretora do colégio, Maria José Fernandes.
Josiane cursa a 7ª série pela segunda vez. Antes, reprovou a 2ª e a 5ª. É o primeiro ano dela na Centro Educacional 7, já que antes passou por escolas de Taguatinga e outras de Ceilândia. “Os professores pegam muito no meu pé. Vivo tentando agradar, participar da aula, mas cedo ou tarde viro exemplo de ovelha negra. Isso me irrita e eu fico sem vontade de voltar para a escola”, afirma. Para Paulo César o problema é que as aulas nem sempre são interessantes. Essa é a terceira vez dele na 7ª série. “Matava aula para jogar videogame, porque era mais divertido. Agora tomei jeito e resolvi levar a sério”, promete.
Análise das principais carências
Aos 17 anos, Gabriel Inácio sabe que deveria estar terminando o ensino médio, porque vários de seus amigos com a mesma idade tiveram “essa sorte”. Ele tem consciência também da sua responsabilidade no fato de ter reprovado a 6ª série por duas vezes e a 7ª uma vez. “Eu trabalhava em um carrinho de cachorro-quente de madrugada para comprar minhas coisas. Deixei a escola de lado”, comenta. O que ele não sabe é que um dos vários motivos de seu baixo desempenho escolar não tem relação direta com ele. A educação no país sofre geralmente com baixo investimento, capacitação insuficiente de professores e infra-estrutura inadequada das escolas.
Uma das estratégias para se corrigir os problemas está nas avaliações de desempenho, feitas há mais de 10 anos, mas que pela primeira vez servirão para a Secretaria de Educação do DF e para o Ministério da Educação (MEC) como fontes de pressão para a melhoria do ensino. A secretária Maria Helena se queixa do fato de que durante anos o DF recebeu dados de rendimento e eficiência escolar sem que esses resultados se revertessem em melhorias do ensino. A idéia é analisar um por um para ver quais as principais carências.
No âmbito federal, a partir deste mês, as escolas brasileiras deverão buscar um padrão de qualidade estabelecido a partir dos dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb). As metas serão fixadas levando-se em conta as realidades de cada região, e servirão como base da distribuição de recursos do Plano de Desenvolvimento da Educação, previsto para ser lançado em abril.
Chamado informalmente de PAC da educação — em alusão ao Plano de Aceleração do Crescimento —, o plano reúne 20 medidas e prevê investimentos de R$ 8 bilhões nos próximos quatro anos. O valor eqüivale a aproximadamente 0,4% do PIB. De acordo com o ministro da Educação, Fernando Haddad, será criado um sistema de acompanhamento e monitoramento de metas para a qualidade da educação, cujos indicadores servirão de base para a avaliação de parcerias e transferências de verbas para os estados e municípios.
Os colegas Herlan Pureza dos Santos, Jéssica Souza, Josiane Thaís e Paulo César Gonçalves têm todos 15 anos e se conheceram na turma de alunos mais velhos da 7ª série do Centro Educacional 7, de Ceilândia. Com essa idade, todos deveriam estar no 1º ano do ensino médio. Os amigos de cada um deles, em diferentes escolas ou turmas, passaram de ano. Eles não.
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Stella,
O Globo Repórter de 180806, intitulado Infância roubada, mostra sete diferentes e tristes realidades do país. A reportagem completa está em http:globoreporter.globo.comGloboreporter0,19125,VGC0-2703-14851-5-238263,00.html .
Vale a pena ler ou assistir aos vídeos:
No asfalto, ela aprendeu, desde muito menina, o que é sobreviver. Sabe se proteger e se defender daqueles que ela chama de abusadores de menina. Mas outro desafio, muito mais simples, ela não conseguiu vencer: aos 31 anos é analfabeta.
Regina faz parte de uma estatística que ninguém consegue desmentir: não ter o tempo de brincar, de soltar a imaginação, de se deixar levar pelas fantasias próprias da infância pode significar marcas profundas e insolúveis. A dificuldade para aprender é uma das mais graves.
Pego ônibus pela cor e pelos números. Faço compra sozinha, mas levo minha irmã para me explicar as embalagens dos produtos que eu não conheço. Levo meus filhos para a rua, me divirto sozinha. Só preciso marcar as conduções que eu tenho que pegar. Se eu pegar um ônibus azul ou amarelo, eu marco a cor e o número. Na próxima vez, eu pego o mesmo. Só isso, explica Regina.
Já na esquina onde viu a infância e a adolescência passarem entre carros e trocados, ela pede para falar mais sobre ler e escrever.
Eu junto as letrinhas e formo um impresso de palavras. Mas quando vou esticar, não sei mais o que eu li. Eu leio casa e mais algumas palavras. Daqui a dois minutos você me pergunta e eu só lembro casa. Sai tudo da memória, conta Regina.
Beijos,
Ana Dilma
Na queda que temos pelo apóstrofo revelamos nossa rendição ao charme americano
Toda vez que se fala em antiamericanismo, no Brasil, dá vontade de contra-atacar com o apóstrofo. Muita gente não gostou da presença de George W. Bush no país, mas esse sentimento é largamente superado pelo amor que temos pelo apóstrofo. O apóstrofo em questão, para os leitores que ainda não se deram conta, é aquele sinalzinho () que na língua inglesa se põe antes do s (s). Quanto charme num pequenino sinal gráfico! Bush se sentiria vingado das manifestações de protesto se lhe fosse permitido caminhar por uma rua comercial brasileira e verificar quantos nomes de estabelecimentos são, em primeiro lugar, em língua inglesa e, em segundo, ostentam como rabicho o s. Somos apaixonados pelo s. O que é uma forma de expressar nosso amor e respeito pelos Estados Unidos.
Se o Brasil é antiamericano ou, ao contrário, americanófilo – e até o mais americanófilo dos países – é questão aberta. Da boca para fora, somos antiamericanos. As pesquisas de opinião vão revelar sempre uma maioria crítica aos EUA. Na era Bush, então, nem se fala. Lá no fundo, no entanto, é só contemplar um s e um coração brasileiro baterá mais forte. Poucos países, fora os de língua inglesa, terão tantas lojas, produtos, serviços ou eventos batizados em inglês. Isso vale tanto para o mundo dos ricos – o do serviço bancário chamado prime e o do evento chamado Fashion Week – quanto para o dos pobres, que encontram a seu dispor a lanchonete X Point. Quando enfeitados pelo s, os nomes adquirem superior requinte. Comprar na Baccos, em São Paulo, ou bebericar no Leos Pub, no Rio, não teria o mesmo efeito se o nome desses estabelecimentos não ostentasse aquele penduricalho, delicado como jóia, civilizado como o frio.
O professor Antonio Pedro Tota, que entende do assunto (é autor de O Imperialismo Sedutor: a Americanização do Brasil na Época da II Guerra), explica, em artigo numa recém-lançada publicação do Wilson Center dedicada às relações Brasil-EUA, que a definitiva prova de que os americanos tinham nos ganhado, naqueles anos de combate contra o nazifascismo e o Japão, foi a adoção, pelos brasileiros, do gesto do polegar para cima, o sinal do positivo. Tota recorre a Luís da Câmara Cascudo, estudioso dos gestos dos brasileiros, para explicar a origem do polegar para cima. Na base aérea que, por concessão do governo brasileiro, os americanos montaram no Rio Grande do Norte, para de lá atacar o norte da África, os pilotos e mecânicos, uns dentro e outros fora dos aviões, e ainda por cima ensurdecidos pelo ruído dos motores, comunicavam-se erguendo o polegar, thumbs up, para dizer uns aos outros quando tudo estava em ordem.
O gesto encantou os brasileiros que serviam de pessoal de apoio. Ainda mais que era muito útil para a comunicação com os estrangeiros. Isso de levantar ou abaixar o polegar tem origem remota e era usado em Roma para indicar se um gladiador devia ser poupado ou morto. Mas no Brasil, segundo Câmara Cascudo, chegou com os pilotos americanos, e da base aérea se espalhou pelo Nordeste e logo por todo o Brasil. Era tão moderno, tão viril, tão americano! O mesmo autor diz que o polegar para cima causou a desgraça do da pontinha da orelha. Para indicar uma coisa boa, antes, os brasileiros seguravam a ponta da orelha, gesto aprendido dos portugueses. Perto do polegar para cima, soava tão antigo, tão da vovó, tão efeminado!
As pequenas coisas dizem muito mais do que os altissonantes falatórios. A vitória do gesto de positivo sobre o da pontinha da orelha significou, naquele momento decisivo da II Guerra, o abandono do que restasse da herança lusitana, tão singela, tão curta de horizontes, tão caseira, em favor da perseguição do modelo americano, tão valente, tão desprendido, tão sintonizado no futuro. Da mesma forma, o apego a essa outra coisa miúda que é o apóstrofo representa nossa rendição aos poderes de sedução americanos. Bares modestos, Brasil afora, anunciam que servem drinks. Não venha o leitor observar que está errado, que esse s nada tem a ver com o caso possessivo da língua inglesa. O inglês de nossas ruas não é o de Shakespeare. É o inglês recriado no Brasil, como em motoboy. O s de drinks está lá talvez para indicar plural, mas com certeza para conferir beleza e vigor americanos ao ato, de outra forma banal, de avisar os clientes de que ali se servem bebidas.
O emprego do s Brasil afora é muito peculiar, e quem sair à cata das várias formas em que é encontrado terminará com uma rica coleção. O colunista que vos fala tem especial queda por dois exemplares, entre os muitos com que, como todos nós, já deparou. Um é o nome, sem dúvida sugestivo – e, mais que sugestivo, inspirador – de um motel nos arredores de Florianópolis: Erectus. Outro é o de um salão de beleza de uma cidade vizinha a São Paulo: Skovas. São nomes que, enquanto explodem de brasileira inventividade, prestam homenagem aos EUA.
Só 3,2% dos analfabetos do país estudam
ANTÔNIO GOIS
da Folha de S.Paulo, no Rio
LUCIANA CONSTANTINO
da Folha de S.Paulo, em Brasília
Nos últimos 25 anos, o Brasil fez a transição da ditadura militar para a democracia e teve seis presidentes. Todos, com maior ou menor ênfase, tentaram atacar o problema do analfabetismo adulto. Todos fracassaram no mesmo ponto: não conseguiram atrair os analfabetos para a sala de aula.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE tabulados pela Folha mostram que o percentual de analfabetos que freqüentam escola ou curso de alfabetização variou de um percentual de apenas 1,0% em 1981 a uma proporção igualmente ínfima de 3,2% em 2005. O Brasil tem, segundo os dados do IBGE, 14,6 milhões de pessoas com mais de 15 anos que não sabem ler nem escrever, o que dá 11% da população adulta.
Um dos motivos que explicam a dificuldade de trazer essa população para a sala de aula é o fato de mais de um terço dela (38% do total) ter mais de 60 anos. Esse grupo, segundo o MEC, é o que menos procura os cursos de alfabetização.
No caso dos que têm menos de 60 anos, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) elaborou um estudo, apresentado aos governadores do Nordeste no mês passado, que traça o perfil desses analfabetos.
Desse contingente de analfabetos entre 15 e 60 anos (9,6 milhões no total), 40% moram na zona rural, onde o acesso à escola é mais difícil, 38% têm mais de 30 anos e 48% já freqüentaram a escola. A maioria (69%) é economicamente ativa (trabalha ou procura emprego). Porém, dos empregados com carteira assinada, apenas 2,8% são analfabetos, significando que programas de alfabetização em fábricas ou empresas são pouco eficazes.
Descompasso
A promessa de campanha no primeiro mandato de Lula era erradicar o analfabetismo em quatro anos, atendendo 20 milhões de analfabetos. Os resultados, no entanto, não apareceram e o ritmo de redução da taxa de analfabetismo, em vez de acelerar, diminuiu. De 2002 a 2005, o número de analfabetos caiu em apenas 213 mil.
O descompasso entre os resultados obtidos e os investidos no programa levaram o MEC a anunciar mudanças no mês passado. Só em 2006 foram investidos R$ 200 milhões para atender 1,5 milhão de alunos.
Além de continuar não atraindo a população analfabeta para sala de aula, uma pesquisa do próprio MEC divulgada no mês passado apontou que um terço dos matriculados falta de duas a três vezes por semana às aulas, comprometendo o aprendizado, já que o curso dura até oito meses.
Nos últimos 40 anos, a efetividade dos programas de alfabetização, incluindo a primeira etapa do Brasil Alfabetizado, foi baixa, mesmo quando os atendidos foram somente os analfabetos, avalia o ministro Fernando Haddad (Educação).
Após três anos de funcionamento, o Brasil Alfabetizado terá a partir deste ano a alfabetização de jovens e adultos feita por professores das redes estaduais e municipais. Até 2006, as aulas eram ministradas apenas por alfabetizadores leigos-pessoas que faziam cursos de capacitação para alfabetizar jovens e adultos. Esses leigos continuarão em turmas oferecidas por ONGs.
Porém, o MEC pretende incentivar os governos estaduais e municipais a apresentarem planos de trabalho para reduzir o analfabetismo até 2010, com a inclusão de professores da rede pública no programa.
Os governos ficarão responsáveis pela identificação e abordagem dos analfabetos, além da seleção e capacitação de professores alfabetizadores da rede pública. Essa atribuição de capacitação poderá ser repassada a ONGs ou universidades.
O ministério pagará bolsa mensal entre R$ 120 e R$ 260 diretamente ao professor que aceitar participar do programa em turno diferente do que ele ministra aula na rede pública. Para fazer o pagamento, será necessário um projeto de lei ou medida provisória, já que esse tipo de repasse extra não é previsto na legislação atual.
O MEC pretende oferecer transporte escolar e recursos para óculos aos alunos com problemas de visão. Estuda-se também o fornecimento de merenda aos estudantes.