Artigos

16 11 2006 - CORREIO BRAZILIENSE

Aperfeiçoamento na educação básica

Antonio Ibáñez Ruiz
Membro do Conselho Nacional de Educação, foi reitor da UnB e secretário de Educação do DF

0 programa de educação do governo Lula para o período 200710 apresenta novidade absorvida pelo MEC ao encaminhar projeto de lei ao Congresso Nacional no espírito da proposta do programa. A proposta é identificada, em recente artigo de jornal, como a Capes da educação básica.

O fato de reconhecer que o aperfeiçoamento dos professores da educação básica merece tratamento específico e, ainda, com a participação da União, é esperança para os educadores. Sem diretrizes e política de aperfeiçoamento, dificilmente teremos bons resultados que melhorem o processo ensino-aprendizagem.

A idéia, no entanto, deve ser muito bem elaborada para que não haja possibilidade de percalço durante a discussão e aprovação da lei. Começaria pontuando a diferença de objetivos no aperfeiçoamento dos professores da educação superior e básica. No caso dos primeiros, o aperfeiçoamento se dá no sentido de aprofundar-lhes o conhecimento, introduzindo-os no mundo da investigação. As diretrizes e a política são dadas pela Capes.

No caso dos segundos, o aperfeiçoamento tem que ter por objetivo melhorar o processo ensino-aprendizagem para diminuir a repetência e a evasão escolar. Os objetivos não podem ser confundidos nem misturados, apesar de a política ser elaborada e difundida pelo mesmo órgão, no caso a Capes. O aperfeiçoamento tem que ter por base o projeto político pedagógico da escola, elaborado conjuntamente por professores e comunidade.

Pode variar desde cursos objetivos, passando por estágios, realização de congressos, participação em seminários, conferências, apresentação de trabalhos em eventos, criação de revistas específicas, material didático que não seja exclusivamente livro, estágios em universidades, laboratórios de pesquisa e empresas, concessão de bolsas de estudos, formação complementar pedagógica e outras ações. Há diversidade e variedade de atividades.

A elaboração dessa política nacional passa, necessariamente, pelo conhecimento da realidade das escolas. Assim, para que essa excelente iniciativa não venha a ser perdida, é necessário que os estados tenham pelo menos um centro de aperfeiçoamento de professores, em regime de colaboração com o governo federal, com a responsabilidade de conhecer de forma mais precisa a realidade de cada escola do estado e dos municípios mediante contato direto com os interessados.

Os centros, dirigidos por um diretor, teriam professores responsáveis por áreas de conhecimento, aptos a dialogar com seus colegas de escolas. Teriam boas condições de trabalho, tais como biblioteca, videoteca, devedoteca, auditório, laboratórios de informática, acesso às novas tecnologias, banco de dados de experiências inovadoras e de sucesso, divulgação de informações sobre formação continuada. Seria um espaço para que os professores possam discutir e debater idéias e conhecimento a respeito da melhoria do processo ensino-aprendizagem e a implementação das diretrizes de aperfeiçoamento estabelecidas por uma política nacional. Nada impede que os centros sejam também utilizados como pólos da Universidade Aberta, dentro do processo de colaboração União, estados e municípios.

Esse processo deveria vir acompanhado das diretrizes de uma carreira docente, associando promoção na carreira com aperfeiçoamento, o que incentivaria a participação na política de aperfeiçoamento. Se essas idéias forem implementadas e havendo garantia de que terão origem num órgão de Estado e não de governo — o que lhes conferiria permanência e estabilidade — poderemos esperar que, em alguns anos, os professores de educação básica olhem para a Capes com o mesmo respeito e admiração que os professores da educação superior olham.

 

Categoria pai: Seção - Notícias

 

 

 

 

Trabalhando regras variáveis morfossintáticas nas séries iniciais

 

Stella Maris Bortoni-Ricardo ( UnB) Publicado em Silva, Camilo Rosa; Hora, Dermeval da; e Christiano, Maria Elizabeth A. (orgs.) Lingüística e práticas pedagógicas. Santa Maria: Pallotti, 2006, p.11 a 31.

 

 

A sociolingüística já nasceu, na década de 60 do século passado, muito compromissada com questões educacionais. No seu nascedouro, nos Estados Unidos, alentava-se com a esperança de que poderia representar uma contribuição definitiva para melhorar o desempenho escolar de crianças provenientes de classes trabalhadoras ou de grupos étnicos minoritários, enfim, de crianças pouco familiarizadas com a língua e a cultura escolar ( Ver, Bortoni-Ricardo, 1997 ou 2005, especialmente os capítulos 12 e 13). Hoje em dia os sociolingüistas são muito mais realistas e sabem que grande parte do fracasso escolar que essas crianças experimentam advém de suas próprias condições de pobreza, como sua dieta empobrecida ou até mesmo a fome, suas condições precárias de moradia, a pouca convivência com os pais, que têm de trabalhar, o contato prematuro com a criminalidade urbana, a situação precária das escolas de periferia e tantas outras.  Contribui também para o seu fracasso escolar a expectativa limitada que os professores têm quando tratam com crianças afligidas por essas adversidades. Nutrem pouca expectativa em relação ao desempenho desses aluno, e isso resulta em atitudes discriminatórias  em sala de aula ( Ver Bortoni-Ricardo e  Dettoni  ( 2001) e Dettoni

 ( 1995)

Embora detenham hoje uma visão menos ingênua, sociologicamente fundamentada, da questão do fracasso escolar, ou até mesmo por isso , os sociolingüistas  continuam a  trazer suas contribuições para a questão, examinando, em particular, as diferenças entre a língua oral de determinada comunidade e a língua empregada nas práticas sociais letradas, com ênfase  nas práticas de sala de aula. É com satisfação que constatamos que William Labov e associados, na Universidade da Pennsylvania , desde maio de 1998, vêm divulgando relatório de pesquisa sobre erros de leitura de crianças pobres afro-americanas, na qual esses sociolingüistas retomam as análises contrastivas entre as duas variedades do inglês envolvidas [1].  

No Brasil, também tem havido muitas contribuições dos sociolingüistas para o ensino da leitura e escrita. Citem-se, por exemplo, os trabalhos recentes de Maria Cecília Mollica ( 2000 e 2003) e de Dermeval da Hora (2004) , os trabalhos de divulgação científica de Marcos Bagno ( 1997)  bem como os meus livros Educação em Língua Materna, dirigido a professores e Nós cheguemu na escola, e agora? voltado para os cursos de Letras e Pedagogia, ambos  publicados pela Parábola Editorial em 2004 e 2005, respectivamente.

Também em um recente projeto do MEC, financiado pelo Banco Mundial, PRALER, (www.fundescola.mec.gov.br), do qual tive a oportunidade de participar, os autores dos módulos valeram-se de muitos avanços da Sociolingüística Quantitativa e Interacional na construção de material que pudesse servir de apoio à escrita e à leitura no ensino fundamental.  O que marca esse trabalho é o fato de que as noções de Sociolingüística julgadas relevantes para o trabalho pedagógico em sala de aula não foram trivializadas, como às vezes acontece, nem receberam um status residual em relação à contribuição de outras vertentes das ciências da Linguagem, inclusive a tradição normativa.

Considero que as noções sociolingüísticas são trivializadas quando aparecem em textos dirigidos a professores sem uma sólida base científica, apoiadas apenas no senso comum. Freqüentemente vemos também informações sociolingüísticas reduzidas a diferenças dialetais no léxico, como se todo o componente de variação da língua, que vai ter conseqüências relevantes no trabalho pedagógico, se limitasse a alguns itens lexicais tradicionalmente citados como variáveis em diversas regiões brasileiras, por exemplo: abóbora e jerimum; aipim, mandioca e macaxeira ; pandorga, papagaio e pipa etc.

Entre os bons trabalhos recentes de sociolingüística aplicados à Educação convém citarmos aqui uma nova geração de dissertações de mestrado, na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, a partir de 2004, que tem trazido contribuições sociolingüísticas para a leitura e escrita. Cito três delas: a  de Maria do Rosário do Nascimento Ribeiro Alves, que examina, na escrita de alunos ingressantes no Ensino Médio, problemas na língua escrita que deveriam ter sido sanados nas séries iniciais; a de Maria Alice Fernandes de Sousa, voltada para a incorporação de saberes sociolingüísticos no trabalho de uma professora de alfabetização, e  a de Maria Lúcia Resende Silva, que examina a possibilidade de inclusão de alunos de classes de aceleração em que a professora faz uso de recursos pedagogicamente sensíveis, fulcrados na pesquisa sociolingüística e etnográfica.

Mais recentemente, estou produzindo textos para um novo programa coordenado pelo MEC, em parceria com algumas universidades brasileiras, voltado à educação continuada de professores -- Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de Educação Básica -MECSEB – www.mec.gov.br. A contribuição da Universidade de Brasília para essa rede pode ser encontrada em  www.cform.unb.br. Juntamente com esse programa, que será aplicado em parceria com as secretarias de educação estaduais e municipais, está sendo produzido também pelo MECSEB um programa a ser veiculado nos estados brasileiros cujos resultados do SAEB – Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Básico - são mais precários. Trata-se do programa Pró-Letramento (www.mec.gov.br).

O presente capítulo está baseado em material produzido para esses programas, mais especificamente nos fascículos “Da fala para e escrita 1 e 2” Módulo 1, Programa de Formação Continuada em Alfabetização e Linguagem do CformUnB e no fascículo “Modos de falar e modos de escrever”, este último do Pró-Letramento. Mantive algumas características do gênero dos textos em que me baseei , principalmente o tratamento bem simplificado dos fenômenos gramaticais em discussão, que visava a uma melhor comunicação com professores que porventura tivessem poucos conhecimentos de teoria lingüística. No entanto procurei citar vários trabalhos acadêmicos que aprofundam a discussão.

No citado fascículo “Da fala para a escrita 1”, começamos a tratar do processo de integração dos saberes da linguagem oral no desenvolvimento da escrita, enfocando particularmente as regras fonológicas variáveis produtivas no português brasileiro. Vimos que, quando nossos alunos chegam à escola, já têm uma competência comunicativa[2] bem desenvolvida. são capazes de se comunicar bem, no âmbito da família, e de conversar com os amigos, colegas, professores etc. Quando começam a ter contato com a língua escrita, ao aprender a ler e escrever,  vão-se valer dos conhecimentos que têm da língua oral para se comunicarem também pela língua escrita. Neste capítulo vamos continuar a refletir sobre os recursos de que as crianças dispõem para se comunicarem oralmente, discutindo a integração entre saberes da oralidade e da escrita mas  vamos ampliar essa discussão, incluindo, além de regras próprias da pronúncia, regras que atuam na formação das sentenças, isto é, vamos trabalhar principalmente com algumas características da sintaxe na fala dos nossos alunos.

 

 

 Para iniciar nossa tarefa, apresentamos este episódio de uma conversa entre uma professora e alunos de séries iniciais. A conversa girou sobre a peça de teatro “Pluft, o fantasminha” de Maria Clara Machado, que as crianças haviam lido e espontaneamente representado algumas cenas. Maria Clara Machado foi uma das maiores escritoras brasileiras de peças infantis. Nasceu em 1921 em Belo Horizonte e morreu em 2001 no Rio de Janeiro, onde morou desde pequena. Era filha do escritor Aníbal Machado. No Rio de Janeiro criou um famoso grupo de teatro amador, O Tablado. “Pluft, o fantasminha” é uma de suas peças mais conhecidas e apreciadas pelas crianças[3].A fala de cada aluno está identificada com um “A” seguido de um número. A fala da professora está identificada com um “P”.

 

 

A1-  É pra mim começar a falar, professora?

 

P-Pode começar sim, Daniel. Nós vamos todos conversar sobre a peça que lemos, “Pluft, o fantasminha”. Do que vocês gostaram mais?

 

A2-  Eu achei engraçado porque ele tinha medo de gente. E é gente que tem medo de fantasma.

 

P-  E por que ele tinha medo, Tatiana?

 

A2-  É porque ele ainda era pequeno.

 

A3-  Eu gostei muito quando os amigos da menina começou a procurá ela. Um tava carreganu uma vela, otro tava com uma garrafa e o otro com um mapa.

 

P-  Muito bem, André! Quem se lembra dos nomes deles?

 

A2-  Era João, Julião e Sebastião. E ele olhô na garrafa pensanu que era uma luneta e ele falô: tô venu uma casa perdida na areia branca. o otro falô que eles precisavu encontrar ela. E eles começaru a cantar. Ele falô: pobre Maribel. E o otro falô:a gente precisamu salvar a neta do grande capitão Bonança.

 

P-  Eles eram amigos do avô de Maribel, o capitão Bonança.

 

A3-  Eu achei o pirata Perna de Pau muito besta, ele era mau. Ele queria robá ela e deixou ela presa na casa do Pluft e disse que ninguém ia achar ela nunca mais e falô: se você faze barulho e saí daí vô te levar pro mar para navegar, navegar, navegar. E saiu e foi buscar uma lanterna, ele tamém tava com medo de fantasmas.

 

A1-  A menina Maribel tava amarrada na cadera, quando ela viu o Pluft ela desmaiou.

P.Ele também teve medo dela, mas depois ficaram amigos.

 

A2- Quando Pluft viu a Maribel chorano disse pra mãe dele que ela tava derramano o mar todo pelos olhos.

 

 P- Ele nunca tinha visto ninguém chorar porque fantasma não chora, senão derrete.

 

A3-  Eu gostei muito quando o tio Gerúndio do Pluft chamô os fantasma do mar pra ajudar a salvar a Maribel. Eles deru uma surra no Perna de Pau.

 

P- Eles eram os marinheiros fantasmas. E vocês gostaram também quando o capitão Perna de Pau encontrou o tesouro?

 

 A2-  Ele pensô que tinha um tesouro de verdade.

 

                  

 A1-  Ele pensô que o capitão Bonança era rico

 

P-E como era o tesouro do capitão Bonança?

 

A3-  Tinha uma foto da Maribel, uma receita de pexe assado e um rosário.

 

P. E o dinhero, onde estava o dinhero?

   

A2- Ele pensô que o dinhero tava tudo no cofrinho, mas o tio Gerúndio disse que o dinhero tava no fundo do mar. O Perna de Pau ficou com medo e foi embora.

A1-  E todo mundo comeu os pastel de vento da mãe do fantasminha e fizeru uma festa. E Pluft gritô: viva  gente! E cantaru e dançaru.

 

 

 

  Vamos refletir agora sobre a conversa entre os três alunos e a professora. Como pudemos ver, os alunos foram capazes de comentar a peça que eles leram e representaram, recuperando os pontos principais. Fica bem demonstrada sua habilidade de compreender o texto com o qual trabalharam e a sua competência comunicativa para conversar sobre esse texto. Observe que souberam identificar o tema da peça, que é o momento em que uma criançafantasma ou gente - enfrenta o dilema de crescer e de lidar com seus medos. Veja por exemplo a primeira fala de A2: “Eu achei engraçado porque ele tinha medo de gente. E é gente que tem medo de fantasma.” Foram também capazes de reconhecer os protagonistas e o antagonista, que era o perigoso marinheiro Perna de Pau. Observem ainda que os alunos souberam estabelecer relações lógicas, como a relação de causa e efeito, como se na resposta que A2 deu à Professora:                                                                                                   

P-  “E por que ele tinha medo, Tatiana?”

 A2- “ É porque ele ainda era pequeno.”

     No curso da conversa, as crianças demonstraram habilidades para usar várias estratégias interacionais. Usam discurso direto quando dizem: “se você fazê barulho e saí daí, vô te levar pro mar para navegar, navegar, navegar”.Também usam competentemente o discurso indireto: “Quando Pluft viu a Maribel chorano disse pra mãe dele que ela tava derramano o mar todo pelos olhos”.Esses são recursos narrativos que demonstram bem a competência comunicativa que os alunos desenvolveram. Eles também fizeram referência a detalhes da narrativa. Por exemplo: “Tinha uma foto da Maribel, uma receita de pexe assado e um rosário.” Todas essas são evidências dos recursos comunicativos[4] que fazem parte da competência das crianças quando elas começam o processo de aprender a ler e a escrever.

   Como acabamos de ver, nossos alunos de séries iniciais são capazes de manter uma conversa, fornecendo contribuições relevantes ao tema em questão e fazendo avançar o processo interativo. Ao produzir suas contribuições para a conversa, expressam-se espontaneamente, construindo suas frases com os recursos que têm. Se atentarmos para a forma de seus enunciados, verificamos queali muitos usos próprios da linguagem não-monitorada, empregada no dia a dia em ambientes informais, nas conversas entre amigos ou entre pessoas que se conhecem bem. As crianças incorporaram esses usos ao seu repertório porque convivem em ambientes onde tais usos lingüísticos são freqüentes. No entanto, como sabemos, é função da escola ampliar a competência comunicativa dos alunos, ajudando-os a dominar mais recursos comunicativos. A forma como as crianças do nosso diálogo conversam é adequada às interações informais, que não exigem uma fala monitorada. Mas, à medida que forem crescendo e avançando na sua escolaridade, terão necessariamente de participar em outros eventos, mais formais. Para se ajustarem de forma adequada às expectativas dos participantes nesses eventos mais formais, vão precisar monitorar também a sua fala. Por exemplo, na conversa informal com a professora, Daniel disse: “É para mim começar a falar, professora?”. Esse enunciado não está adequado a um evento de interação mais formal. Numa circunstância formal, Daniel precisará dizer: “É para eu começar a falar, professora?”. Esses dois enunciados são variantes da mesma regra variável[5].

    Vejamos agora  algumas características da fala dos alunos, discutindo em cada caso a variante que eles usaram e a outra variante possível, a que é reservada aos estilos mais monitorados. Quando discutimos regras variáveis com professores, uma pergunta freqüente que surge é:  Por que temos na língua variantes que são bem recebidas em estilos formais e outras que não o são? Boa pergunta! Vamos a ela.

   A língua de uma comunidade é uma atividade social e como qualquer atividade social está sujeita a normas e convenções de uso[6].

   Em qualquer língua podemos escolher entre usos mais formais ou menos formais. Mas essa escolha não é totalmente livre. Ela é condicionada pelas normas que definem quando e onde é adequado usar linguagem informal (não-monitorada) e quando e onde se espera que os participantes da interação usem linguagem formal (monitorada).

     Toda vez que duas ou mais pessoas se envolvem numa interação verbal, cada uma delas cria expectativas sobre a forma como ela própria e seus interlocutores vão-se comportar.

Categoria pai: Seção - Notícias

Excelentíssimo Senhor
Presidente LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Presidência da República Federativa do Brasil
 
 
Senhor Presidente,
Receba, Senhor Presidente, as mais sinceras congratulações por sua reeleição.
É também motivo de celebração o espírito democrático com que as instituições de Estado conduziram o processo eleitoral.
Temos certeza que este novo mandato lhe permitirá perseguir com renovado vigor as metas de justiça social, educação e cultura tão caras à nossa sociedade. 
A SBPC, solidária com essas metas, está empenhada em contribuir para que a educação e a justiça social encontrem lugar permanente na história de nosso povo.  Um lugar que, apesar dos avanços obtidos, ainda está por ser conquistado.
O conhecimento, a ciência e a tecnologia são o cimento da educação. O profundo respeito aos direitos humanos, aos valores da nossa cultura e à rica diversidade social nos permitirá construir um País mais justo e igualitário.
Passos importantes foram dados nos últimos anos tanto na política de educação básica e na popularização da ciência, como na superior, contudo, é imperativo consolidá-los.
As instituições de fomento à ciência e tecnologia e à inovação são recentes em nosso Estado. Têm pouco mais de cinqüenta anos, idade semelhante à da SBPC. São novas, precisam de cuidados, continuidade em seus programas e estabilidade em seu financiamento, para que possam oferecer aos Governos e à sociedade a contribuição que delas se espera.
Cabe, no entanto, reconhecer que a política de C&T vem recebendo crescente atenção dos sucessivos governos desde os anos setenta. Ações em ciência e tecnologia atualmente estão presentes nos mais diversos ministérios, fato do qual a agenda do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, presidido por V.Exa., é fiel testemunha.
A principal missão da ciência e tecnologia, além de produzir conhecimentos e instrumentos de ação, é formar jovens, cidadãos capazes de dar soluções consistentes e justas para os desafios da construção de uma vida solidária para nosso povo.
 

.2.

Sabemos, por exemplo, que os desafios da Amazônia e do Mar clamam por soluções e, estas, por mentes dedicadas, educadas nos seus extensos laboratórios naturais e sociais.
Os instrumentos que a C&T oferece, não apenas determinam os modernos modos de produzir e inovar, como também constituem ferramentas essenciais no planejamento das políticas públicas e serviços do Estado. Instrumentos estes que, por sua natureza, técnica e humana, devem ser construídos ao longo de décadas com paciência e determinação.
            Para seu pleno êxito, é imperativo que as ações em C&T sejam elevadas ao nível de ações de Estado,  como as da Justiça, da Defesa  e da Política Exterior.
Há ainda mais uma razão de caráter conjuntural que sustenta essa sugestão. O desenvolvimento científico e tecnológico tornou-se hoje elemento determinante das relações de poder no cenário internacional.
Observamos com preocupação a inclusão, nos tratados internacionais de comércio de mercadorias e serviços, de restrições à livre circulação dos conhecimentos e informações técnico-científicas que tradicionalmente pertenciam ao domínio público.
A própria cooperação internacional em ciência que marcou nossa época é perigosamente questionada nos foros internacionais.  Uma ação de Estado em C&T tanto se faz necessária para fomentar a nossa capacidade de produzir conhecimentos, como para preservar a possibilidade de utilizá-los, soberanamente, para o bem da Nação.
Trata-se de nova e histórica batalha que mobiliza a SBPC e a comunidade científica nacional e internacional, e para a qual também pedimos a atenção do Governo.
Com renovados votos de pleno êxito no desempenho da missão que novamente o povo lhe confiou,  subscrevemo-nos,
 
Atenciosamente,
      
ENNIO CANDOTTI
Presidente.

Categoria pai: Seção - Notícias

São Paulo, Parábola Editorial 2005, Páginas 19 a 29

DESIGUALDADES SOCIAIS, VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA E O PROCESSO EDUCACIONAL

 

Uma primeira versão deste capítulo foi publicada em 1981 com o títuloDiversidade lingüística: uma nova abordagem do processo educacional” na Revista Brasileira de Tecnologia, Brasília, CNPq, 12(14):33-8. O capítulo volta-se, principalmente para a discussão das características da sociedade brasileira como uma comunidade de fala. Levantam-se algumas questões que vão ter seqüência nos próximos capítulos III e IV.

 

No Brasil, ainda não se conferiu a devida atenção à influência da diversidade lingüística no processo educacional. A Ciência Lingüística vem, timidamente, apontando estratégias que visam a aumentar a produtividade da educação e a preservar os direitos do educando. Essa contribuição será tanto mais efetiva se fundamentada na convicção de que a situação sociolingüística brasileira apresenta peculiaridades que a distinguem da de outros países. As atividades científicas na área não se podem restringir, portanto, a uma simples importação. É indispensável o desenvolvimento de um aparato teórico-metodológico adequado à realidade nacional.

Não existe no Brasil uma longa tradição de estudos lingüísticos. Os trabalhos pioneiros, no segundo quartel do século XX, pautavam-se, principalmente, por modelos portugueses e franceses. (Ver Naro sd). A partir da década de 60, a lingüística nacional cresceu e passou a receber maior influência norte-americana, com a divulgação da teoria gerativo-transformacional. São características dessa escola a busca de universais lingüísticos e a ênfase na competência dos falantes. Suas bases epistêmicas e seu arcabouço metodológico favoreciam uma fácil adaptação para a língua portuguesa de análises elaboradas originalmente para o inglês.

Paralelamente ao desenvolvimento da teoria gerativa, crescia nos Estados Unidos e Europa a Escola Sociolingüística, que se ocupa principalmente das diversidades nos repertórios lingüísticos das diferentes comunidades, conferindo às funções sociais que a linguagem desempenha a mesma relevância que até então se atribuía tão-somente aos aspectos formais da língua. (Ver capítulos XI e XIII nesta coletânea)

A introdução de componentes de natureza social e funcional no objeto de estudos da Lingüística tornou muito temerária a simples importação de modelos teóricos, pois já não se trata apenas da transposição da análise de uma língua para outra. As diferenças na estrutura social, nas normas e valores culturais, que condicionam o comportamento lingüístico, têm de ser devidamente consideradas.

Neste capítulo, apontam-se algumas características peculiares da realidade sociolingüística brasileira que a diferenciam da realidade de outros países. Esse pequeno inventário sugere a necessidade no Brasil do estudo e revisão criteriosos das teorias sociolingüísticas correntes e do desenvolvimento de metodologias adequadas.

 A maioria dos estudos sociolingüísticos modernos volta-se para três tipos de situações: sociedades multilíngües ou multidialetais; comunidades falantes de línguas crioulas ou pós-crioulas; dialetos ou variedades urbanas eou étnicas em países industrializados onde a alfabetização é universal. Nenhuma dessas correntes parece perfeitamente adequada à descrição dos fenômenos sociolingüísticos no Brasil.

Com relação à primeira, temos que considerar o fato de ser o Brasil um dos poucos países monolíngües de grande extensão territorial e vasta população. Somente pequenos contingentes dessa população – comunidades indígenas e descendentes de imigrantes europeus e asiáticos – não têm o português como língua materna e exibem variados graus de bilingüismo. O estudo da situação lingüística dessas comunidades não pode ser negligenciado. Mas o fenômeno, devido às suas dimensões, não compromete a característica de monolingüismo no país. Há que se entender, porém, que monolingüismo não significa homogeneidade lingüística. Essa questão será amplamente discutida ao longo deste livro.

Tratar o problema da dialetação no Brasil com o aparato teórico-metodológico usado na descrição de um continuum pós-crioulo parece não ser também uma proposta apropriada.

Mesmo considerando-se fértil a hipótese de existência de um português pidginizado[1] nos dois primeiros séculos de colonização, como resultado do contato entre línguas aborígines brasileiras, línguas crioulas de base portuguesa, importadas com o braço escravo, e dialetos lusitanos, há que se limitar sua influência às variedades rurais, que se conservaram isoladas durante muito tempo. O português citadino no Brasil manteve-se sempre muito próximo do modelo de além-mar e as diferenças que se registram, principalmente na fonologia e no léxico, explicam-se pela grande distância que separa o Brasil de Portugal (Silva Neto, 1977; Bortoni-Ricardo, 1985).

Resta, então, a terceira opção: a aplicação da teoria e dos métodos desenvolvidos para a análise da dialetologia urbana em nações industrializadas. No decorrer deste capítulo pretende-se demonstrar que essas teorias, assim como as referidas anteriormente, precisam ser criteriosamente revistas para que se possam adequar à realidade sociolingüística nacional. Em vez de uma simples importação de métodos analíticos, recomenda-se o estudo rigoroso da teoria sociolingüística, o que permitirá o surgimento de metodologias ajustadas ao objeto específico de estudo.

Os problemas de adequação teórico-metodológica já iniciam na própria caracterização da sociedade brasileira como uma comunidade de fala. Os estudiosos propõem uma distinção básica entre sociedades tradicionais, rigidamente estratificadas, e sociedades modernas, relativamente abertas (Fishman, 1972a). Nas primeiras, há uma gama de papéis sociais bem definidos e não permeáveis. A essa estratificação social rígida corresponde uma estratificação lingüística igualmente rígida, que implica um repertório verbal amplo e diferenciado. As variedades que o compõem conservam-se discretas e tanto a mobilidade nos estratos sociais como o acesso às variedades de prestígio são severamente restritos.

Em oposição, a sociedade moderna é caracterizada por maior permeabilidade de papéis sociais e, conseqüentemente, menor heterogeneidade no repertório verbal. A mudança constante de papéis sociais permite maior fluidez entre variedades lingüísticas de natureza social e estilística. Como requisito para a mobilidade social, garante-se um amplo acesso à norma supra-regional, de maior prestígio.

Como se situa o Brasil diante dessas duas tipologias? Muito já se discutiu sobre a existência de contrastes profundos neste país, onde convivem contemporaneamente estágios diversos de desenvolvimento histórico, tecnológico e cultural; essa situação reflete-se na caracterização da sociedade brasileira enquanto comunidade de fala.

Das sociedades ditas tradicionais conserva o Brasil pelo menos duas características: a grande variação no repertório verbal e o acesso limitado à norma padrão. Apresenta, todavia, a característica da fluidez e permeabilidade típica das sociedades modernas, que resulta numa situação de um gradiente de variedades lingüísticas, muito diferente da dialetação discreta e compartimentada das sociedades de castas.

Entre os muitos mitos que se criaram e se corporificaram no Brasil está o da homogeneidade lingüística. À análise leiga e generalizada, as diferenças lingüísticas diatópicas, distribuídas no espaço geográfico, e diastráticas, distribuídas no espaço social, parecem ser de pequena relevância já que não impedem a inteligibilidade. A realidade, entretanto, é bem outra. As diferenças de natureza fonológica e morfossintática que distinguem, por um lado, a linguagem rural da urbana e, por outro, os diversos dialetos sociais, também referidos como socioletos, são profundas. Todo o sistema flexional nos verbos, nos pronomes e nos nomes apresenta múltiplas possibilidades de variação, principalmente quando a categoria lingüística é redundantemente marcada. Os exemplos são muito numerosos, mas à guisa de ilustração, vejamos a regra de concordância nominal, que é uma regra obrigatória na variedade padrão da língua. Os determinantes, isto é, artigos e pronomes, têm de concordar com o substantivo que determinam, em gênero e número no sintagma nominal.

Exemplo: Todos aqueles meninos.

A marca de plural aparece três vezes no sintagma.

Nas variedades populares o plural pode ocorrer apenas uma vez:

Exemplo: “Aqueis menino tudo.

Quanto à crença da perfeita inteligibilidade entre as variedades do Português no Brasil, os lingüistas têm mostrado que se trata de um mito (ver Bagno, 1999). Em artigo publicado na Revista Tempo Brasileiro, em 1984, relatei diversos episódios de dificuldades de compreensão mútua entre falantes de antecedentes rurais e professores e alunos universitários. Como ilustração, transcrevo um diálogo entre a entrevistadora (E) e uma senhora (S) de origem rural, de 71 anos, que residia na cidade de Brazlândia, no Distrito Federal, desde a idade de 63. A entrevista, que faz parte de um projeto de sociolingüística (Bortoni-Ricardo, 1985:236-7) foi realizada na casa desta última. Há também interferência da filha da dona da casa (FS)[2].

 

1.                 E.   A senhora esteve presente nas duas últimas reuniões da novena?

2.                 S.   Se eu tive???

3.                 E.   É.

4.                 S.   Não.

5.                 E.   A senhora não foi?

6.                 FS.   E a senhora não foi naquela última novena, não?

7.                 S.   Tive na novena, mas não tive presente.

(Bortoni-Ricardo, 1985)

 

Essas diferenças tendem a conservar-se devido ao acesso limitado à ampla e efetiva escolarização. A escola é uma força corretiva e unificadora da língua. Nos países onde a alfabetização é universal, há muitas décadas, as variedades populares não desapareceram, pois existem fatores psicossociais que favorecem sua conservação. As diferenças entre essas variedades e a língua padrão tendem a ser, porém, de menor amplitude, restringindo-se ao âmbito da fonologia – da pronúncia – e a alguns traços morfossintáticos.

Pode-se representar a força padronizadora da língua padrão por um vetor que se denominará vetor de assimilação. Nos países desenvolvidos, são fatores principais da assimilação o prestígio da língua culta e a ação das agências que a implementam, dentre as quais se destaca a escola. Opõe-se a essa força outro vetor, o da manutenção das variedades não-padrão, que se apóia principalmente em fatores de natureza psicossocial, pois essas variedades tendem a ser associadas à dimensão de solidariedade nas relações intragrupo e passam a funcionar como símbolo de coesão e identidade. O fenômeno adquire maior relevância no caso das minorias étnicas nas comunidades urbanas. As variedades sociais e étnicas são marcadas por alguns traços que atuam como uma peça de resistência à assimilação. Os falantes usam esses recursos de variação da língua para enfatizar sua identidade, alternando-os com traços equivalente da norma padrão quando as circunstâncias o exigem (Esta questão será retomada com detalhe no capítulo VIII desta coletânea).

Na situação brasileira encontra-se a mesma força padronizadora representada pelo vetor de assimilação. Entretanto o principal fator que se lhe contrapõe parece ser o acesso restrito à língua padrão. Os fatores de lealdade lingüística, que têm grande influência nas sociedades industrializadas, têm possivelmente menor influência no fenômeno Brasil, no estágio atual de expansão do português culto no país, embora não possa ser desconsiderado nos grupos sociais em que a questão étnica assume grande relevância, como no caso das nações indígenas.

Com relação a essa peculiaridade da situação sociolingüística brasileira convém desenvolver mais algumas considerações. Pesquisas de dialetologia urbana realizadas nos Estados Unidos e na Europa indicaram que os diversos estratos sociais de uma comunidade de fala, embora apresentem diferenças quanto à freqüência no emprego de alguns traços lingüísticos estigmatizados, tendem a demonstrar uma avaliação uniforme desses traços. Isto é, classes mais baixas da sociedade exibem em sua linguagem uma incidência maior de variáveis lingüísticas não-padrão mas, quando submetidas a testes que avaliam atitudes, reconhecem o caráter estigmatizado dessas variáveis, julgando-as com severidade. Esse isomorfismo nas reações valorativas decorre da pressão prescritiva da escola e do prestígio da língua culta. Para se atingir tal homogeneidade de interpretação referencial é indispensável que toda a população seja escolarizada.(Ver Bortoni-Ricardo, Gomes e Malvar 2002)

No Brasil, tem-se um grande contingente da população cuja economia lingüística é predominantemente oral e que, portanto, não tem acesso à força padronizadora da língua escrita. O extensivo analfabetismo e a precariedade da instrução escolar, que afetam essa população, impedem tanto o acesso à língua padrão real, efetivamente usada pelas classes favorecidas, como à língua padrão ideal, ou seja, o conjunto de critérios referenciais que determinam os padrões de correção e aceitabilidade da língua (Rodrigues, 1968; Castilho,1978; ver também a coletânea de artigos Norma Lingüística, organizada por Bagno, 2001).

Todas essas circunstâncias contribuem para caracterizar o repertório verbal da comunidade brasileira como muito amplo e diferenciado.

Já se observou que as variedades lingüísticas no Brasil não são compartimentadas. Caracterizam-se por uma relativa permeabilidade e fluidez que se pode representar com um continuum horizontal, em que as variedades se distribuem sem fronteiras definidas. A variação ao longo desse continuum vai depender de fatores diversos, tais como a mobilidade geográfica, o grau de instrução, a exposição aos meios de comunicação de massa bem como a outras agências implementadoras da norma culta e urbana, ao gênero, grupo etário, mercado de trabalho do falante, etc.

A esse continuum, que representa a variação diatópica (rural x urbana) e social, deve-se, por razões didáticas, acrescentar outro, que represente variações funcionais, estilísticas, que se interseccionam com aquelas. A escolha de um determinado grau de formalidade na fala depende basicamente do papel social que o falante desempenha a cada ato de interação verbal. se verificou que as sociedades variam quanto à amplitude e fluidez da gama de papéis sociais à disposição do indivíduo. Em qualquer circunstância, porém, há pelo menos três fatores determinantes dessa seleção: os participantes da interação, o tópico da conversa e o local onde ela se processa. O falante ajusta sua linguagem, variando de um estilo informal a um estilo cerimonioso a fim de se acomodar aos tipos específicos de situações. Observe-se, entretanto, que os registros ou estilos a que uma pessoa tem acesso são uma função de sua posição na hierarquia social. (Halliday, 1978). Assim sendo, os indivíduos que não têm bastante competência na língua padrão, também se vêem severamente limitados na sua participação em eventos de fala públicos e formais[3]. É dentro dessas restrições que se deve interpretar a característica de fluidez e permeabilidade no repertório verbal que é encontrada na sociedade brasileira.

O fenômeno da estandardização da língua no Brasil é outro relevante aspecto da teoria sociolingüística que precisa ser interpretado nas suas características singulares. O processo de padronização de uma variedade da língua – geralmente aquela falada pelas classes de maior prestígio e poder político – acompanhou, na maioria dos países, a formação e consolidação do estado como nação soberana. Na Europa, os diversos países foram instituindo e legitimando a norma padrão de sua língua a partir do século XV, quando começaram a intensificar-se a urbanização e o nacionalismo político, com a substituição do regime feudal pelo capitalismo. As colônias européias na América já receberam as línguas que herdaram com uma norma culta em vias de consolidação (ver Biderman, 1973)

A análise do processo de padronização de uma língua implica dois conjuntos de critérios: propriedades lingüísticas relacionadas às características intrínsecas da língua padrão, por exemplo, a sua codificação, e propriedades de natureza psicossocial, referentes à ideologia vigente, às atitudes dos falantes em relação à língua e ao prestígio que atribuem às diversas variedades.

É um ponto consensual em lingüística que a norma padrão de qualquer língua possui preeminência sobre as demais variedades em decorrência de fatores históricos e culturais que determinam a sua imposição e legitimação. Não se reconhece nela qualquer valor inerente ou intrínseco, mas, sim, atributos que se desenvolveram ao longo de um processo sócio-histórico de natureza institucional.

Essa postura teórica tem sérias implicações pedagógicas, já que a lingüística recomenda que a norma culta seja ensinada nas escolas, mas que, paralelamente, se preservem os saberes sociolingüísticos e os valores culturais que o aluno já tenha aprendido antes, no seu ambiente social. Resguarda-se, assim, o direito que o educando possui à preservação de sua identidade cultural específica, seja ela rural ou urbana, popular ou elitista. A aprendizagem da norma culta deve significar uma ampliação da competência lingüística e comunicativa do aluno, que deverá aprender a empregar uma variedade ou outra de acordo com as circunstâncias da situação de fala.

Para que essa política pedagógica obtenha êxito é indispensável, entretanto, que parta de uma análise prévia de certas características de repertório verbal da comunidade de fala.

Giles e Powesland, (1975) propõem uma taxionomia que parece especialmente útil para se corrigirem algumas distorções que já se disseminaram no Brasil.

Eles distinguem dois tipos de língua padrão: língua padrão relacionada a contexto (context-related) e língua padrão relacionada a classe social ou status (class-related). A primeira é uma variedade considerada apropriada em certas situações socialmente definidas, geralmente as mais formais e públicas. Não é associada a um determinado grupo social e todos os membros da comunidade têm certo acesso a ela. Para o estabelecimento de tal situação é necessário que as variedades que coexistam na língua sejam funcionalmente distintas, isto é, sirvam a usos e empregos diversos, configurando o que foi denominado diglossia por Ferguson (1959). Nessas circunstâncias, a norma culta ensinada nas escolas não se destina a interações ordinárias e coloquiais, mas a eventos especiais de fala.

Nos países em que a língua padrão é contextualmente condicionada, os falantes têm acesso a, pelo menos, duas variedades – um vernáculo, que é usado sem restrições nos ambientes onde prevalece maior intimidade, e uma variedade padrão, reservada para interação de maior formalidade. Ambos gozam de prestígio, resguardada sua distinção funcional.

Esse é o caso, por exemplo, da Noruega, onde os falantes dispõem de variedades regionais que são usadas sem constrangimento nas interações com pessoas da comunidade e de uma variedade pan-nacional, reservada para determinados eventos de fala e para interações com pessoas estranhas à comunidade (ver Blom & Gumperz, 1972).

A língua padrão relacionada a classe ou a status é definida como a variedade de fala que tem maior prestígio, independentemente do contexto e que caracteriza um grupo social, geralmente o de status socioeconômico e cultural mais alto.

Nessas circunstâncias, as variedades coexistentes não são bem definidas e a mudança de código não é facilmente delineada. Ademais, como observa Haugen (1972) com referência aos Estados Unidos, onde se verifica tal situação, qualquer variedade não-padrão é simplesmente considerada inglês ruim”. O mesmo aplica-se ao caso brasileiro. Qualquer variedade cuja morfossintaxe e o léxico desviam-se do português padrão efetivamente usado é considerada ruim e indesejável, independentemente do contexto em que ocorra.

As distinções entre língua padrão relacionada a classe e língua padrão relacionada a contexto têm sérias implicações na política pedagógica a que se aludiu acima, e não vêm sendo devidamente levadas em conta pelos especialistas no Brasil. Quando a língua padrão é relacionada a status ou classe, a operacionalização da pedagogia que propõe a aquisição de norma culta como um acréscimo de mais uma variedade no repertório verbal do aluno sem prejuízo de outras é muito mais complexa do que no outro caso, por razões de natureza lingüística e de natureza social. Analisemos cada conjunto de fatores separadamente.

Já se verificou como as diferenças lingüísticas socioletais interseccionam-se com diferenças lingüísticas funcionais. O domínio da língua padrão é requisito obrigatório para o desempenho em eventos de fala formais e públicos. Em contrapartida, certos traços que caracterizam socioletos populares são empregados por falantes da língua padrão em situações informais de fala. Dessa forma, funcionam como indicadores de estratificação social da língua e também como marcadores de registro no repertório verbal do indivíduo, o que torna operacionalmente difícil distinguir-se, para efeitos didáticos, estilos coloquiais da língua padrão de algumas variedades não-padrão[4]. Ao aplicar as recomendações dos lingüistas, o professor de português seria levado a tomar decisões arbitrárias no levantamento dos traços não-padrão presentes na linguagem dos seus alunos.

Do ponto de vista social, há que se considerar o estigma associado a traços da linguagem popular que funcionam em detrimento da ascensão social do indivíduo. Diante de tal fato, há duas alternativas: ou a sociedade aprende a aceitar a linguagem popular sem restrições, ou os falantes dessas variedades promovem o ajuste de sua fala aos padrões de prestígio. A primeira é naturalmente a mais desejável. Contudo, quando a língua padrão é relacionada a classe e não a contexto, tal alternativa torna-se uma possibilidade remota.

Devido a essas pressões sociais, a preservação da variedade popular no repertório lingüístico do aluno é uma questão que está ainda a merecer muito estudo e reflexão. A seguinte vinheta, citada por Farias (1999) ilustra bem as dificuldades associadas ao ensino de estilos monitorados da língua na escola a crianças provenientes de redes sociais com economia lingüística predominantemente oral (ver capítulos XII e XVIII nesta coletânea). A professora de Língua Portuguesa estava ministrando sua aula a uma oitava série, em uma cidade do Distrito Federal, quando foi interpelada por uma aluna que fez esta pungente observação:

“professora, num dianta ocê ensiná essas coisa pra nóis: nóis num aprende mermu porque lá em casa a gente falemu diferente e se nóis chegá lá falanu assim todo mundo vai mangá de nóis, vai dizê que nóis fiquemu doido.”

 

A implementação da política pedagógica recomendada pelos lingüistas requer, portanto, o estudo cuidadoso das variações correntes na língua portuguesa. A análise deverá distinguir traços graduais de traços descontínuos. Os primeiro determinam uma estratificação gradual ao longo do continuum socioletal e funcionam também como marcadores de registro. Os traços descontínuos são privativos de variedades que estão sujeitas a forte estigmatização na sociedade como um todo. (Mais explicações sobre os traços graduais e descontínuos se encontram no capítulo IV desta coletânea).

Tal distinção deve basear-se em pesquisas lingüísticas da ocorrência real dos traços em questão nos diversos estratos sociais, considerando-se ainda a variação condicionada pelo contexto situacional. Alem disso a aferição acurada do significado social das variáveis deve ser feita por meio de estudos psicossociais que se encarreguem de determinar o grau de avaliação negativa que os traços recebem nos diversos estratos da sociedade. Poderá ser levantado, assim, o perfil sociolingüístico do educando, o que servirá de subsídio para a formulação de uma política educacional que atenda às seguintes condições: (i) respeitem-se as peculiaridades culturais do aluno, poupando-o do perverso processo de conflito de valores e de insegurança lingüística; (ii) garanta-se-lhe acesso à língua padrão, permitindo-lhe mobilidade social; (iii) seja facilmente operacionalizável.

Em resumo, foram levantados neste capítulo os seguintes pontos:

1 - estudo da situação sociolingüística no Brasil não pode depender da simples importação de metodologias desenvolvidas alhures. Há fenômenos peculiares nessa situação que vão implicar a revisão criteriosa dos modelos teóricos e a conseqüente adaptação da metodologia, o que não pode prescindir de criatividade;

2 - a comunidade de fala brasileira apresenta características de sociedades tradicionais associadas a características de sociedades modernas;

3 - o repertório verbal em nossa comunidade é relativamente amplo e diferenciado e as variedades populares tendem a conservar-se em virtude do acesso restrito de parte da população tanto à língua padrão real como à língua padrão referencial;

4 - no Brasil, a língua padrão é associada ao grupo social que goza de melhor status. Quaisquer desvios do padrão real tendem a receber avaliação negativa, que varia de grau dependendo de os traços determinarem uma estratificação gradual ou descontínua;

5 - muitos traços fonológicos e morfossintáticos característicos de variedades populares fazem também parte dos estilos informais no repertório verbal dos falantes de língua padrão. Este fato, aliado ao fato expresso no item anterior, torna especialmente difícil a operacionalização de uma política educacional que vise tanto à divulgação da língua culta como à preservação das variedades populares;

6 - a efetiva operacionalização de uma política educacional igualitária e democrática requer estudo criterioso dos fenômenos sociolingüísticos, analisados em suas peculiaridades, por meio de métodos adequados.

 



[1] Pidgin é um termo usado na Sociolingüística para conceiturar uma língua com estrutura gramatical, léxico e amplitude estilística marcadamente reduzidos, se comparada a outras línguas e que não é língua materna de nenhuma comunidade. Os pidgins são formados por duas comunidades de fala engajadas no esforço de se comunicarem, cada uma dela aproximando-se aos traços mais salientes da língua da outra. Os pidgins se crioulizam quando se tornam a língua materna de uma geração nascida no ambiente pidginizado. Para mais informações ver Crystal, 1985 e Trudgill, 1984 e capítulo III desta coletânea.

[2] Mais exemplos de dificuldades na comunicação entre falantes de antecedentes rurais e urbanos são apresentados nos capítulos VII e XIX

[3] O capítulo IV retoma esta proposta dos contínuos, descrevendo-a detalhadamente e apresentando exemplos recolhidos em interações autênticas em muitos pontos do Brasil.

EDUCAÇÃO: IMPORTANTE OU PRIORITÁRIA? 

Deixem a criança correr, brincar, comer terra ou chocolate; é prioritário à sua infância é determinante às suas fantasias.
Que nos passos estreitos e no sorriso maroto fique estampada a alegria de ver o mundo por seu prisma, independente de ser ele a Terra do Nunca ou o País das Maravilhas.
As fadas madrinhas sejam ainda as mais belas e a bruxa de nariz enorme e verruga na ponta morra no final dos contos, como de praxe, surpreendente só a eles.
Em seus ouvidos soem belas canções, cercadas de virtude, sem pensamentos dissonantes. Seja extirpada a intenção de apagar infâncias através de melodias torpes e versos sujos.
No crescimento do homenzinho ou no da princesinha estabeleça-se à identidade com sua Pátria Mãe Gentil, o preceito ético de respeito ao mais velho e a supervalorização da amizade, mais que o ouro ou qualquer jóia.
Por Deus, não os deixem longe da escola, nem que se afastem dela, que não se apague a chama que vacila em acender. Que saibam honrar seus mestres, sejam amantes da pura arte e não desanimem por nada.
Vimos mestres enfadados, talvez perderam o prazer pela educação, o sonho de ver o mundo melhor, de codificá-la como a base para um cidadão, o divisor de águas para a formação de um sábio.
De certo que não surgirão outros Sócrates ou Sigmund Freud, estes, singulares. Virão melhores, piores, o futuro está nas mãos deles, os do passado mudaram histórias, os do presente traçarão o futuro.
A imaginação sempre vai longe, às vezes perde o rumo, precisa de bússola, anseia a educação. Sem ela os pensamentos lançar-se-iam ao vento, como de loucos.
Educação. Para que os que nela achar significado tornem-se bons e os sucessores ainda melhores, formando um ciclo de excelência, elo com um mundo ideal.
Não há nada mais igual no mundo que o potencial de intelecto, o desejo sobre humano de harmonia com a natureza e a esperança de termos chefes de Estado atentos ao povo, de verdade, sem hipocrisia.
A luz no fim do túnel está cada vez mais forte, ao nosso alcance, na antologia de milhares de pequeninos sentados em carteiras, inteiras ou quebradiças, virão dali as melhorias.
Sejam todos movidos pela importância da educação, do Sul ao Norte, da América à Oceania, do branco ao negro.
Que a gota de serenidade num mar de incertezas venha dela, e que seja edificante num mundo angustiado com o terror e tirano com o meio ambiente.


--
Sócrates Simões Ramos, 21, Graduando em Administração.

Categoria pai: Seção - Notícias

Pesquisar

PDF Banco de dados doutorado

Em 30 de junho de 2025, chegamos a 2.053 downloads deste livro. 

:: Baixar PDF

A Odisseia Homero

Em 30 de junho de 2025, chegamos a  8.773 downloads deste livro. 

:: Baixar PDF

:: Baixar o e-book para ler em seu Macintosh ou iPad

Uma palavra depois da outra


Crônicas para divulgação científica

Em 30 de junho de 2025, chegamos a 16.170 downloads deste livro.

:: Baixar PDF

:: Baixar o e-book para ler em seu Macintosh ou iPad

Novos Livros

 





Perfil

Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

Leia Mais

Publicações

Do Campo para a cidade

Acesse: