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POTRA INDOMÁVEL

O nome dela é Francisca, Francisca Beirão Machado. Nome sonoro, personalidade forte. Cabelos brancos amarrados com um elástico na nuca. Nenhuma maquiagem. Ela sempre é autêntica. Jornalista aposentada. No auge da atividade consumia muita cachaça e dois baseados todos os dias. Agora baseia sua experiência diariamente ao pôr-do-sol. Foi incrivelmente vistosa e atraente. Continua naturalmente provocativa. Sempre usa vestidos colantes com grandes decotes e flores em pequenas estampas. Não precisa de porta-seios e também não usa calcinhas. Preferencialmente fica descalça. Hoje ocupa seu tempo lendo, cuidando das plantas e alimentando passarinhos. Ainda produz rimas na poesia, alegria para a criançada e vibração nos machos.

Francisca mora em um apartamento. Quinto andar. Trinta e sete anos no mesmo endereço. Ganhou o imóvel do presidente da revista em que trabalhava. O doutor Cintra fez o possível e o impossível para ficar com Francisca Machado. Ela era uma potra indomável. Jamais aceitou rédeas ou regras. Era deliciosamente selvagem. Origem campestre. Ia descalça para a escola e disputava com os meninos as mangas mais altas nas árvores. Com catorze anos fugiu de casa e foi morar na cidade grande. Trabalhou em farmácia, viveiro de plantas e butique de madame, estudava e mandava dinheiro para a mãe. Determinada, cursou Comunicação em universidade federal. Considerava o apartamento como paga justa por reportagens feitas Brasil afora. Numa época em que nem haviam inventado a palavra ecologia, Francisca Machado foi premiada ao protestar no papel contra a poluição dos rios. Distribuiu machadadas contra os plantadores de árvores retas que substituíam as tortas do cerrado.

O apartamento é privilegiado: varandão para o nascente e sacada para o poente. Decoração rústica. Aliás, nem é decoração, é ocupação. Há o essencial: mesa para almoçar ou trabalhar, cadeiras para sentar ou espreguiçar, cama para dormir ou amar. São móveis alternativos. Na varanda, plantas. Muitas plantas. Todas as espécies e todas as finalidades. Boldo para ressacas. Canabis para o fim do dia. Samambaia para o teto. Girassol para as jandaias. Cactos para furar dedo de curioso. Chifre-de-veado ou platycerium bifurcatum para tirar onda e gastar o latim. Arruda para afastar mau-olhado e orégano também para a pizza. Sempre há um abacate cortado para a sabiá e seus três filhotes.

As janelas não têm cortinas. Se tem sol há luz, se é noite dorme-se. Se chove, molha. As portas não têm chave. Tudo aberto, todos são bem-vindos. Quem é amigo pode entrar. Quem não é, um dia há de ser.

Francisca Machado sempre tem companhia. Com um grisalho rega plantas e troca poesia. Com um universitário discute política e ensina história. Com mocinha de tranças tece tapete e assobia como bem-te-vi. Com menina de sardas viaja em contos de fadas e come jabuticaba. Com o síndico reivindica energia solar para o edifício. Com a mulher do síndico planta mais um pé de amora. Com o vizinho fuma e geme na cama.

Para mim, era mulher de mistério.

Um dia fui visitá-la. Não toquei a campainha, a porta estava aberta. Ela e o grisalho perseguiam um colibri que escapaara da varanda e foi para a sala. O bichinho verde não encontrava a saída. Contra a luz, o corpo daquela mulher se mostrava como uma índia inocente. Suas mãos se oferecendo para o pouso do beija-flor. A tentativa de salvar o bichinho indefeso durou meia hora quando, extenuado, pousou no sofá. Francisca Beirão Machado, delicadamente, colocou o passarinho nas mãos em concha. Com o indicador fez um carinho na cabeça e levou-o à varanda. Da altura do quinto andar impulsionou-o para alçar voo.
O beija-flor foi direto ao térreo, manchando o piso numa pequena poça vermelha.

Acabou o mistério.

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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