A Brasília que não lê

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Foto: Acervo UH/folhapress; UN photo

Noite.

Sexta-feira.

13.

Não, não era agosto. Era dezembro, mas não dezembro dos anos dourados – era dezembro cor de chumbo.

Era 1968.

Em rede de rádio e televisão, às 22h30, o então ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva e o locutor Alberto Cury leram aos brasileiros o Ato Institucional número 5 (AI-5). A noite se fez mais noite, a noite se fez breu político sem vela. Presidia o País o general Arthur da Costa e Silva, e lá se iam quatro anos e nove meses que ele e seus pares de caserna rasgaram a Constituição e, pelo caminho do golpe de Estado, apearam do poder João Goulart, estancieiro que estreara na vida política nos tempos de Getúlio Vargas e seguia como utópico defensor de uma república sindicalista. Agora, na quinta-feira 13, meio século se passou da entrada em vigor desse que foi o mais duro dos atos institucionais do regime de exceção. Por meio dele, o poder executivo fechava o Congresso Nacional, suspendia o habeas corpus, instituía a censura à imprensa, outorgava-se o direito de confiscar bens (ai, ai, ai) de pessoas que o establishment fardado considerasse comunista, oficializava a mais doida e doída repressão. Como já dito, breu sem vela. A tortura virou política de Estado.

Quis o destino que o AI-5 fosse decretado três dias depois que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (o mais democrático protocolo do planeta, sansionado pela ONU) completou duas décadas de existência. O AI-5 é a sua negação do começo ao fim – como, na verdade, em termos mundiais, o andar da humanidade a tem negado. Esboçada em sua maior parte pelo jurista canadense John Peters Humphrey, está traduzida em 50 idiomas e propõe que as nações admitam que “a dignidade, a liberdade e os direitos fundamentais são inerentes a todos os membros da família humana” (os imigrantes que se lançam ao mar e às fronteiras que o digam…! Os mortos de fome da África, idem!). Infelizmente, raros governos a respeitam. O mundo seria o paraíso se a Declaração vigorasse. O Brasil foi o inferno quando AI-5 vigorou. Em relação a ele, há que se comemorar o seu fim, em 1978. Quanto à Declaração, que na segunda-feira 10 completou sete décadas, é preciso ainda colocá-la em prática. O que deu errado na jornada humana para que no período de apenas 20 anos, do anunciar de um tempo mundial de fraternidade se chegasse no Brasil à institucionalização de máquinas de dar choque e de corpos jogados ao mar? A própria essência perversa da alma humana, diriam os filósofos pessimistas, na linha do desencanto dialético de Heráclito. Mais realisticamente, o que deu errado é que o “patronato político” (“Os donos do poder”, Raymundo Faoro) e o “estamento burocrático político” (Max Weber) faliram porque insistiram em manter estática a pirâmide social. Os privilegiados, esses sabemos de cor quais foram e quais são.

Voltemos ao Brasil. Para que os adolescentes ou aqueles que já passaram dessa faixa etária, mas ainda são muito jovens, entendam com facilidade o significado do AI-5, vamos ao cotejamento: imaginem-se, do dia para a noite, radicalmente privados de se expressarem e se comunciarem por meio das redes sociais. Dá para curtir? Claro que não! Para que o cheiro de enxofre da bruxa do AI-5 não retorne nunca mais, torna-se importante banirmos desde já uma reinterpretação que ganha corpo sobre a sua promulgação: ele existiu por culpa do movimento estudantil e das organizações clandestinas armadas que promoviam o terror e pretendiam instaurar a ditadura comunista no Brasil. Entre tais organizações havia a Vanguarda Popular Revolucionária que cometeu o ato criminoso de lançar no dia 26 de junho de 1968 um carro-bomba contra a guarita do QG do II Exército, em São Paulo. Matou o recruta de 18 anos Mario Kozel Filho. Foi burrice e selvageria. É vital observar, porém, que tal ação pode até explicar a razão pela qual desaguamos no AI-5 mas jamais justificá-lo, uma vez que lá atrás, no dia 31 de março de 1964, está o pecado original: data em que golpearam Goulart. Uma bola de bilhar bate em outra bola que movimenta outra bola… e asssim se tece a história, ensinou-nos Machado de Assis. Nesse jogo, os grupos terroristas são decorrência do golpe militar – e, também do golpe, e não dessas organizações, decorre o AI-5. Foi um golpe dentro do golpe. Até hoje, nenhuma ONG de direitos humanos lamentou a morte de Kozel. Esse é mais um ponto da falência da Declaração: a sua ideologização pela esquerda.

Outra vã e projetiva tentativa de explicação é a que responsabiliza a recusa do Congresso em permitir que o governo processasse o deputado Márcio Moreira Alves, que da tribuna fizera dois pedidos: 1) que o povo boicotasse o desfile de Sete

de Setembro; 2) que as esposas de militares fizessem greve sexual contra eles. Como declarou o ex-ministro Delfim Neto, muito tempo depois de estar na reunião do AI-5, “(…) no fundo, era tudo teatro” (…) dos militares que “queriam o ato” (“A história do Brasil em 50 frases”, Jaime Klintowitz). Alguns efeitos do AI-5 logo foram sentidos: Juscelino Kubitschek foi preso ao sair do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda tornou-se presidiário no dia seguinte. Fez greve de fome. Seu irmão lhe disse: “você está interpretando tragédia de Shakespeare na terra de Dercy Gonçalves”. (“1968 – quando a terra tremeu”, Roberto Sander). Lacerda voltou a comer. Entra nessa história, também, uma lastimável frase. O ministro Jarbas Passarinho, na decisão do AI-5, afirmou: “senhor presidente, às favas todos os escrúpulos de consciência”. Como se vê, o DNA de Passarinho era compatível com o arbítrio, mas não compatível com a Declaração dos Direitos Humanos. O AI-5 foi taco que rasgou o feltro da mesa, meu bom Machado, no nosso bilhar republicano.

Fonte: https://istoe.com.br/dos-direitos-humanos-ao-ai-5-o-que-deu-errado/

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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