A flanelinha

 

_ É cuma eu tava dizendo pra senhora.  Esta filha minha parece que não tem sorte.

Converso com a mulher que olha os carros estacionados no Comércio Local. Sempre que vou àquela entrequadra, ela corre pra me arrumar uma vaga e depois fica olhando o carro para mim. Na saída, se ela não estiver muito ocupada, correndo de um lado para outro , abanando a flanelinha batemos um papo. É uma mulher de no máximo quarenta anos. De longe parece ter uns sessenta. É baixinha e está  muito gorda, mas seu rosto e sua agilidade fazem jus à sua   pouca idade. Pergunto-lhe pelo marido. É gari do serviço de limpeza urbana e não faz muito tempo sofreu um acidente. Uma caçamba de lixo caiu sobre sua perna. Ele teve de amputá-la na altura do joelho. Agora está encostado no INSS. Não vai poder trabalhar mais.

O marido ia bem, quer dizer, estava se recuperando, ela me disse.  A filha é que estava com o nenezinho no hospital.

_ Essa menina, nada dá certo pra ela.  Eu escolhi pra ela o nome de Luzia, que é uma santa poderosa, mas num adiantou.  Acho que a santa anda  muito ocupada com tanta gente precisano, e num dá conta de olhá por todos _ ela fala e ri.

_ Mas o que aconteceu com a Luzia? Ela tá nesse hospital? _ perguntei dirigindo meu olhar para o prédio alto do hospital na rua perpendicular à entrequadra.

_ Tá cum filhinho lá, de treis meis. Ele tá com pneumonia.

_ É a secura. Com este tempo seco, as criança adoece muito. Mas ele vai ficar bem.  Logo ele vai ter  alta.

_ Que Deus ajude. A minha menina chora sem pará.

Olhou em volta, nenhum carro pra sair nem pra entrar. Descansou o braço na janela do carro, preparando-se pra prosear um pouco.

_ Mas é cuma eu disse pra senhora. A vida dela tem sido custosa. Ela tava trabalhano num supermercado, carteira assinada e tudo. Era caixa. Tinha até plano de saúde. Aí conheceu um menino que foi trabalhá lá, mas num era fichado não. Fazia bico. Levava as compra do pessoal pros carro. Menino novo, mais novo que ela quais dois ano. Pegaro a namorá.  Eu falei pra ela. “Esse menino é novo, num tem emprego, num dá futuro. Mais ó, que que adiantô. Moça quando  qué descabeceá, ninguém segura.

_ É, ninguém segura.

_ Eis começô a namorá e logo ela veio pra mim: “Mãe, eu mais o Geninho vamu morá junto. A gente se gosta muito.” Mas ela já tava era de barriga, mais num me falô nada. Falei pra ela: “Espera pelo menos seu pai melhorá da perna.” Mais eis num esperô não. Alugaro um barraco lá perto de nóis. Eu tava veno que o Geninho andava arisco, quase num parava em casa, com desculpa  de ir estudá, de visitá a mãe dele na Samambaia.  E ela lá, suzinha. No dia que foi pr’ela ganhá nenê, ela tava suzinha. Quando as dor apertô, ela mandô a menininha da vizinha me chamá. Eu pedi ajuda pro homi da venda. Ele vende gás, tem uma camionete, o Seu Antônio. Pedi pra ele levá ela pro hospital. Foi esse hospital mesmo, esse aqui, o HRAN. Eu vim cum ela e ela sofreu muito. Num tinha dilatação. Chegô era umas deiz da manhã, só foro operá ela lá pelas oito da noite. E ela chorava e perguntava: “E o Geninho, mãe, será que dero recado pra ele? Se ele ficá sabenu, ele vem me vê, claro que vem”.

Na hora que o nenê nasceu, liguei pra minha vizinha, do orelhão. Mais ninguém tinha visto o Geninho. Ninguém sabia dele. Passô dois dia e ela voltô pra casa, mas eu num quis dexá ela lá no barraquinho dela suzinha. Levei ela e o nenezinho para ficá lá mais nóis. Lá é pequeno, mas a senhora sabe cumé.  A gente num pode faltá numa hora dessa com um filho da gente, a gente tem de ajudá.

_ É, você tá certa. A gente tem de ajudá os filho.

_ Pois deusde esse dia que ela tá lá cum nóis. Ela e o menino, e nada do Geninho. Todo dia ela tem esperança dele voltá. Já viro ele lá na rua,

Parece que já tá com outra mulher.  A minha filha ficô de licença, mas quando terminô a licença, o supermercado demitiu ela. Por enquanto ela ainda tem o dinheirinho da indenização. E ela tá danu de mamá pro menino. Num pode arrumá outro emprego porque eu fico aqui na rua e num tem quem tome conta da criança. Agora ele pegô pneumonia e deusde sexta-feira que ela tá aí cum ele. Coitada, chora o tempo todo. O nenê tá tomano soro com agulha na cabecinha.  Ele nasceu cabeludo, mas rasparo a cabecinha dele  em dois lugá, pra pegá a veinha dele. Pegou a veia dele na cabecinha.

_ Diga pra Luzia que o nenê dela vai ficar bom. Ele deve estar tomando antibiótico junto com o soro. Logo ele tá bom.

_ Deus ajude.

_ E como é o nome do menino?

_ Ainda num foi registrado, não senhora. Mas era pra chamá Ogenu,  que nem o pai. Agora eu num sei se vai mudá o nome.

Procurei uns trocados na bolsa.

_ Tá na minha hora, Maria. Ainda tenho de dar aula hoje à noite. Fique com Deus, Vou rezar pra Luzia e o bebê.

_ A senhora pode sair de ré, num vem carro não. Ela rodeou o carro e me fez sinal para mover o carro de ré.

Fiquei bem umas três semanas sem passar pela entrequadra onde Maria trabalha.  Ontem passei por lá.  Ela veio célere na minha direção. Parecia mais alegre.

_ E aí, Maria? Como vai o netinho?

_ O Cauã? Ele tá bonzinho e já foi até registrado. O nome dele é Cauã.

 

_ Bonito nome, Maria. 

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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