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Progressão automática nos primeiros anos do Ensino Fundamental : uma solução ou um retrocesso?
Profª Stella Maris Bortoni ( UnB)
_ "A educação do Brasil já vai mal com a reprovação, imagina se tirarem a reprovação".
Foi com essa perplexidade que a sociedade brasileira recebeu a notícia de que o Conselho Nacional de Educação – CNE- decidiu recomendar fortemente que todas as escolas públicas e privadas não reprovem mais alunos matriculados nos três primeiros anos do ensino fundamental. A Resolução do CNE terá de ser homologada pelo Ministro da Educação e entrará em vigor em 2011.
Diante da notícia veiculada na imprensa, alguns leitores ainda fizeram blague, dizendo que o MEC estava agindo como o marido traído da anedota que, para evitar o adultério da esposa, resolve tirar o sofá da sala.
Amenidades à parte, pretendo tratar o assunto aqui com toda a seriedade que ele merece, pois estamos diante de uma decisão no CNE que vai ao âmago de um dos principais problemas da educação no Brasil : a repetência, que resulta em grande desperdício de recursos e, o que é pior, que alimenta as estatísticas alarmantes de evasão.
De acordo com o censo escolar de 2008, 74 mil crianças de seis anos foram reprovadas na série de alfabetização. Nas cinco séries iniciais, registra-se 15% ao ano de repetência, sendo que os principais gargalos são ao final da primeira e da quinta séries.
A cultura da reprovação é muito antiga no Brasil e sua eficácia começa a ser questionada, não só em nosso país, mas também em nações mais industrializadas, como a França, onde a reprovação atinge principalmente os estudantes oriundos de grupos imigrantes minoritários.
Entre nós a reprovação pura e simples no século passado foi substituída pela segunda época. Aos mais jovens, esclareço que a segunda época era a oportunidade dada ao aluno que não atingia, nas avaliações, o mínimo exigido de aprendizagem, de prestar novo exame posteriormente, cabendo a ele o ônus de se preparar para tentar obter nota melhor. Em boa hora, essa prática foi substituída pela recuperação, que leva a escola a prover mais umas semanas de aula aos alunos, antes de submetê-los a novas provas.
O que se discute agora é a aprovação automática nas três primeiras séries, regime que já vigora em vários sistemas estaduais. O aluno (que agora deve iniciar o Ensino Fundamental ao seis anos, ingressa no ciclo de alfabetização, com duração de três anos. Ao longo desse ciclo, a progressão é automática, mas sem prejuízo das avaliações, que devem ser realizadas sistematicamente. Ao final, ele é integrado à quarta série.
Vejo essa medida não como um afrouxamento dos critérios de avaliação da aprendizagem, mas como uma reorganização do tempo pedagógico. Entre os seis e oito anos de idade, nossas crianças deverão trabalhar intensivamente seu processo de alfabetização, incluindo aí a alfabetização matemática e científica.
Os leitores poderão perguntar: vamos precisar de três anos para fazer o que antes era feito em um ano?
É preciso esclarecer que não se pretende usar os três anos de alfabetização simplesmente para a aprendizagem do princípio alfabético, que vai permitir que o alfabetizando saiba relacionar os segmentos sonoros da língua à notação gráfica, competência básica que lhe vai propiciar acesso à leitura e à escrita. Alfabetização é mais que isso. Basta conferirmos os descritores da Provinha Brasil, aplicada hoje em dia ao final do segundo ano de escolarização, para fornecer aos professores um retrato do desenvolvimento das habilidades e competências relativas à alfabetização de seus alunos. Nessa prova, os estudantes devem ser capazes de diferenciar letras de outros sinais gráficos; identificar as letras do alfabeto; identificar diferentes tipos de letras; identificar o número de sílabas em palavras; identificar vogais e ditongos nasais e nasalizados; relacionar convenções na grafia de ditongos nasais ao padrão acentual da palavra; particularmente no caso do ditongo /ão/; identificar fonemas consonânticos e vocálicos que têm duas ou mais representações gráficas; identificar letras que representam mais de um fonema; ler palavras; ler frases; localizar informações explícitas em textos simples; reconhecer o assunto do texto; reconhecer a finalidade do texto.
Todas essas competências dão ao alfabetizando a base de letramento que lhe permitirá prosseguir sua escolarização com êxito, e ler e escrever de modo a adquirir novos conhecimentos, como está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996.
Ao recomendar a aprovação automática das três primeiras séries, o CNE tem de recomendar, também fortemente, que todos os professores que atuam no Ensino Básico sejam capacitados como agentes letradores, e estejam preparados para mediar a aquisição das competências e habilidades de alfabetização e letramento que têm de ser adquiridas desde o início da escolarização. A alfabetização tem data para começar, mas não tem data para acabar. Durante toda a vida escolar, os estudantes têm de aperfeiçoar essas competências e habilidades que formam a base do letramento escolar, sempre lembrando que esse letramento inclui o letramento matemático e o científico.
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