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Banho de rio, boi bravo, fruta do mato...

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Na roça quando se matava um porco, era costume se repartir com a vizinhança um pedaço de carne fresca.

Havia um recurso para que as crianças não beirassem as tachas com banha fritando, carne cozinhando. A minha vó Geralda costumava separar os embornais de cada comadre e nos mandava às fazendas e sítios vizinhos, fazer as entregas. Sair de turma era bom demais da conta!

Antes de pegar a estrada, ouvíamos um punhado de recomendações:
— Ocêis num sai da estrada.
— Oia no chão mode cobra.
— Num come fruta do mato, qui é veneno.
— Cuidado pá num caí da pinguela, 
— Num passa dend'água cum corpo quente, sinão constipa.
— Num vai no mei do pasto, sinão panha carrapatinho.
— Cuidado cum as vacas de bezerro novo e os boi brabo.
— Põe sintido no Zé Carlo e no Valadir, qui ês indé piqueno.
— Num roba melancia nas roça dos vizinho...

Estas e mais uma imensidão de conselhos que nem ouvíamos, pois já corríamos estrada afora. Éramos mais ou menos, uns sete meninos e meninas. Eu e a Irene do Jairim Preto — minha grande amiga de infância — cada uma carregava um irmão pequeno na costas.

Éramos um bando de crianças barulhentas na estrada. Mal saíamos das vistas dos adultos, entrávamos no pasto por debaixo do arame farpado. Às vezes rasgando a roupa, riscando pernas no capim, espinhando pés descalços, cortando mato, seguindo trilhas até chegar à primeira casa.

Era uma gritaria, pois o cachorrão bravo nos recebia na porteira; nos perseguindo e nos fazendo subir nas tábuas do curral. O tio João vinha, espantava o bicho e estava entregue a primeira encomenda.

A turma seguia caminho para casa do tio Roque. Havia ali uma descida íngreme no capim rasteiro; sentávamos de dois a dois em cascas de palmeira deslizando morro abaixo, era o nosso tobogã. Certa vez, perdi o equilíbrio e desci aos trambolhões, indo parar lá embaixo no brejo. Credo!

Em algumas casas nos davam grandes argolas de biscoito de polvilho que colocávamos nos braços, feito pulseiras comestíveis.

Contrariando os conselhos, comíamos tudo quanto era fruta do mato: gabiroba, bacupari, araçá. Era bom demais passar perto do coqueiro macaúba que dava aqueles coquinhos de casca dura, mas por dentro eram amarelos e doces, fazíamos sacolas com as saias e os meninos com as camisas. Havia também o Jatobá, um fruto do cerrado, que a gente quebrava a casca para roer a polpa farinhenta-adocicada que ficava grudada nos dentes.

Uma vez, arriscamos passar perto de bois bravos para ir até uma árvore carregada. Entramos todos no pasto e logo ouvi uma gritaria... Era o Sereno! Boi trochado, com chifres enormes, vindo em nossa direção. O animal estava tão bravo que furava o chão com os cascos. Alguns se empoleiraram rápido nas árvores. Irene e eu não conseguimos subir com os pequenos no colo, então corremos feito loucas, num desespero só...

Duas meninas em disparada na frente do boi com os irmãos enganchados na cintura. Fiquei com as pernas bambas quase sem conseguir levantar do chão. Foi a única vez que a vi Irene branca que nem cera. Até hoje não sei como conseguimos passar no vão daquela cerca de cinco fios de arame farpado carregando as crianças sem ninguém se machucar. Acho que o anjo da Guarda estava atento.

Para abrandar o susto, entramos numa capoeirinha de árvores altas onde os cipós floridos se emaranhavam uns nos outros formando arcos. Seguindo o caminho estreito coberto de folhas, uma curva aqui, outra ali e logo se avistava o riacho de água transparente que deixava ver o fundo coberto de pedrinhas e areia.

Ninguém podia pisar na água, antes de refrescar o corpo. Todo mundo deitava na margem e enfiava o rosto dentro d’água para beber e ver os lambaris correndo entre as pedrinhas. Lamentávamos a falta de uma peneira.

Depois de matar a sede, molhar os pulsos e a nuca, o banho estava liberado. Era de roupa mesmo, verdadeira festa de jogação de água uns nos outros. Uma vez, a Irene se distraiu e seu irmãozinho Valadir rodou córrego abaixo. Ainda bem que o salvamos a tempo. Achamos o molequinho chorando e todo embaraçado nos embiris. Se via apenas os dentes branquinhos e seu cabelinho crespo brilhando ao sol. Foi um susto, coitadinho!

O sol já estava a caminho da serra quando alguém lembrava que ainda tinha casa do Seu Diolino para entregar carne. Molhadas, as roupas grudavam nas pernas, estorvando os passos. Quando não secavam no caminho, havia que se inventar uma boa desculpa: uma chuvinha passageira, uma queda da pinguela, porque já na chegada uma mãe reparava:
— Qui rôpa moiada é essa, minina?

Todo mundo era cúmplice, até os pequenos se calavam...

Levar uns puxões de orelha nem doía muito. Sarava rápido.

O que entristecia era a ameaça de que na outra arrumação de porco não iam nos deixar entregar as encomendas.

Texto e fotografia de Maria Mineira - São Roque de Minas

 

 

 

Na roça quando se matava um porco, era costume se repartir com a vizinhança um pedaço de carne fresca.

 

Havia um recurso para que as crianças não beirassem as tachas com banha fritando, carne cozinhando. A minha vó Geralda costumava separar os embornais de cada comadre e nos mandava às fazendas e sítios vizinhos, fazer as entregas. Sair de turma era bom demais da conta!

 

Antes de pegar a estrada, ouvíamos um punhado de recomendações:

— Ocêis num sai da estrada.

— Oia no chão mode cobra.

— Num come fruta do mato, qui é veneno.

— Cuidado pá num caí da pinguela, 

— Num passa dend'água cum corpo quente, sinão constipa.

— Num vai no mei do pasto, sinão panha carrapatinho.

— Cuidado cum as vacas de bezerro novo e os boi brabo.

— Põe sintido no Zé Carlo e no Valadir, qui ês indé piqueno.

— Num roba melancia nas roça dos vizinho...

 

Estas e mais uma imensidão de conselhos que nem ouvíamos, pois já corríamos estrada afora. Éramos mais ou menos, uns sete meninos e meninas. Eu e a Irene do Jairim Preto — minha grande amiga de infância — cada uma carregava um irmão pequeno na costas.

 

Éramos um bando de crianças barulhentas na estrada. Mal saíamos das vistas dos adultos, entrávamos no pasto por debaixo do arame farpado. Às vezes rasgando a roupa, riscando pernas no capim, espinhando pés descalços, cortando mato, seguindo trilhas até chegar à primeira casa.

 

Era uma gritaria, pois o cachorrão bravo nos recebia na porteira; nos perseguindo e nos fazendo subir nas tábuas do curral. O tio João vinha, espantava o bicho e estava entregue a primeira encomenda.

 

A turma seguia caminho para casa do tio Roque. Havia ali uma descida íngreme no capim rasteiro; sentávamos de dois a dois em cascas de palmeira deslizando morro abaixo, era o nosso tobogã. Certa vez, perdi o equilíbrio e desci aos trambolhões, indo parar lá embaixo no brejo. Credo!

 

Em algumas casas nos davam grandes argolas de biscoito de polvilho que colocávamos nos braços, feito pulseiras comestíveis.

 

Contrariando os conselhos, comíamos tudo quanto era fruta do mato: gabiroba, bacupari, araçá. Era bom demais passar perto do coqueiro macaúba que dava aqueles coquinhos de casca dura, mas por dentro eram amarelos e doces, fazíamos sacolas com as saias e os meninos com as camisas. Havia também o Jatobá, um fruto do cerrado, que a gente quebrava a casca para roer a polpa farinhenta-adocicada que ficava grudada nos dentes.

 

Uma vez, arriscamos passar perto de bois bravos para ir até uma árvore carregada. Entramos todos no pasto e logo ouvi uma gritaria... Era o Sereno! Boi trochado, com chifres enormes, vindo em nossa direção. O animal estava tão bravo que furava o chão com os cascos. Alguns se empoleiraram rápido nas árvores. Irene e eu não conseguimos subir com os pequenos no colo, então corremos feito loucas, num desespero só...

 

Duas meninas em disparada na frente do boi com os irmãos enganchados na cintura. Fiquei com as pernas bambas quase sem conseguir levantar do chão. Foi a única vez que a vi Irene branca que nem cera. Até hoje não sei como conseguimos passar no vão daquela cerca de cinco fios de arame farpado carregando as crianças sem ninguém se machucar. Acho que o anjo da Guarda estava atento.

 

Para abrandar o susto, entramos numa capoeirinha de árvores altas onde os cipós floridos se emaranhavam uns nos outros formando arcos. Seguindo o caminho estreito coberto de folhas, uma curva aqui, outra ali e logo se avistava o riacho de água transparente que deixava ver o fundo coberto de pedrinhas e areia.

 

Ninguém podia pisar na água, antes de refrescar o corpo. Todo mundo deitava na margem e enfiava o rosto dentro d’água para beber e ver os lambaris correndo entre as pedrinhas. Lamentávamos a falta de uma peneira.

 

Depois de matar a sede, molhar os pulsos e a nuca, o banho estava liberado. Era de roupa mesmo, verdadeira festa de jogação de água uns nos outros. Uma vez, a Irene se distraiu e seu irmãozinho Valadir rodou córrego abaixo. Ainda bem que o salvamos a tempo. Achamos o molequinho chorando e todo embaraçado nos embiris. Se via apenas os dentes branquinhos e seu cabelinho crespo brilhando ao sol. Foi um susto, coitadinho!

 

O sol já estava a caminho da serra quando alguém lembrava que ainda tinha casa do Seu Diolino para entregar carne. Molhadas, as roupas grudavam nas pernas, estorvando os passos. Quando não secavam no caminho, havia que se inventar uma boa desculpa: uma chuvinha passageira, uma queda da pinguela, porque já na chegada uma mãe reparava:

— Qui rôpa moiada é essa, minina?

 

Todo mundo era cúmplice, até os pequenos se calavam...

 

Levar uns puxões de orelha nem doía muito. Sarava rápido.

 

O que entristecia era a ameaça de que na outra arrumação de porco não iam nos deixar entregar as encomendas.

Texto e fotografia de Maria Mineira - São Roque de Minas

 

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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