Em defesa do Acordo Ortográfico

Uma mudança necessária

 

(Texto publicado, a pedido, no jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, no último dia 210. O jornal tem uma coluna semanal em que põe lado a lado dois artigos – um com análise favorável e o outro com análise desfavorável – sobre um determinado tema. Nesta semana, o tema foi a reforma orotgráfica.)

 

Carlos Alberto Faraco*

 

 

Como princípio geral, podemos afirmar que, por razões econômicas, sociais e educacionais, a ortografia de uma língua deve ser o mais estável possível. Mudanças ortográficas devem ser raras. Se eventualmente necessárias, devem ser pontuais, alcançando apenas aspectos marginais ou excessivamente incongruentes.

Se só raramente devemos mexer na ortografia, o que justifica, então, as mudanças que, definidas por Acordo assinado em 1990 pelos países de língua oficial portuguesa, estão agora em vias de ser implantadas?

Há duas boas e fortes razões: vamos eliminar excessos e incongruências que ainda persistem na nossa ortografia e, ao fazer isso, vamos alcançar aquele que é o objetivo maior da reforma – resolver de vez a esdrúxula situação de uma língua com duas ortografias concorrentes: a lusitana e a brasileira.

O nosso sistema ortográfico tem, reconhecidamente, um excesso de regras de acentuação e uma área a que falta um mínimo de racionalidade: o uso do hífen. O Acordo altera positivamente este quadro.

De um lado, elimina nada menos que sete regras de acentuação (todas inúteis). Permanecem apenas as regras de amplo alcance. O sistema de acentuação perde em número e ganha em generalidade, o que facilita  seu uso e seu ensino.

Quanto ao hífen, alcança-se também um razoável grau de generalidade no seu uso em palavras formadas por prefixos. Hoje há, neste caso, uma lista de nove regras que apenas listam particularidades. O Acordo define duas regras bem gerais, mantendo apenas quatro  particulares. Não é pouca coisa, como bem sabem todos os que escrevem.

Mas o melhor resultado do Acordo é o fim da duplicidade de ortografias. Esta duplicidade não seria, em princípio, um problema, já que as diferenças não são de tal monta que interfiram na compreensão dos textos.

No entanto – e este é um ponto que raramente aparece nos debates –, Portugal transformou a duplicidade de ortografias em um instrumento político para embaraçar a presença brasileira seja nas relações com os demais países lusófonos, seja na promoção internacional da língua.

No fundo (embora isso nunca seja claramente dito), Portugal teme a “brasilianização” da língua (afinal, 85% dos falantes estão aqui) e tenta  nos neutralizar, praticando uma política da língua que busca sempre nos deixar em plano secundário.

Há, por exemplo, sob o pretexto da diferença ortográfica, impedimentos à livre circulação de livros com a ortografia brasileira nos demais países lusófonos. Isso aumenta os custos editoriais: o mesmo livro, para circular em todos os territórios da lusofonia, precisa ter duas impressões diferentes.

Caso emblemático é o do Dicionário Houaiss. Este que é o maior dicionário da língua, para poder circular também em Portugal e nos outros países lusófonos, teve de ser editado em duas versões ortográficas. Podemos facilmente imaginar quanto custou essa “brincadeira”. E este é apenas um de incontáveis casos. O Brasil tem, portanto, claros prejuízos culturais e econômicos com a duplicidade de ortografias.

Pelo mesmo pretexto, nunca conseguimos uma ação conjunta na certificação de proficiência em português como língua estrangeira e na promoção internacional da língua. De que adianta o português ser a  terceira língua européia em número de falantes (só perde para o inglês e o espanhol), se esta vantagem quantitativa não tem se transformado numa vantagem política?

Num mundo em que várias línguas estão em extinção por terem poucos falantes e em que as “grandes” línguas lutam para garantir um equilíbrio frente à expansão do inglês, o português se vê apequenado porque quem deveria ser nosso parceiro age como nosso antagonista, tendo a diferença de ortografias como pretexto.

Superar essa situação é condição necessária para orientarmos novas maneiras de gerir politicamente a nossa língua e garantir sua projeção, seja no interior dos próprios países que a tem como oficial (nestes, com exceção de Brasil e Portugal, ela não é ainda sequer hegemônica), seja no plano internacional.

 

*Professor Titular (aposentado) de Língua Portuguesa da UFPR

Os críticos brasileiros do Acordo Ortográfico geralmente apóiam seus argumentos na condenação a   modos de falar, que se vêm consolidando na língua. São argumentos puristas, como os que podemos ler no artigo abaixo. Entretanto, o Acordo Ortográfico nada tem a ver com as mudanças que estão ocorrendo ,  principalmente na modalidade oral da língua portuguesa no Brasil, tais como novas expressões, novas palavras; novas regências de verbos, etc. É natural que ocorram tais mudanças.  O Acordo é uma medida de política lingüística que visa a facilitar a circulação de textos impressos entre os países lusófonos, favorecendo, dessa forma, o letramento nesses países.  Leiam também o artigo do Prof. Carlos Alberto Faraco nesta página. (Stella Bortoni) 

Deixem a língua em paz!

Fábio Rabello *

A reforma ortográfica da língua portuguesa, desta vez, não é apenas mais uma manutenção pela qual o idioma precisa passar, feito automóvel velho numa retífica de motores. O idioma, diferentemente daquilo que nos foi mostrado pela mídia, está funcionando bem e não precisa de intervenções sem nexo, como as que se pretende. O problema todo está em querer tratar os desajustes dele pelo avesso. Explico. Se não temos domínio mínimo do idioma, então, reforme-o! Não seria mais inteligente reformar os falantes dele?

Os anunciantes, por exemplo, deixaram de vender bancos de couro. Agora, só existem “bancos em couro”, “panelas em aço”, e por aí afora. O modismo tomou conta do País. Abandonamos, por conta própria, a preposição “de” e a substituímos pela “em”, muito mais elegante aos ouvidos daqueles que aprenderam, a partir de 1970, Comunicação e Expressão no lugar da Gramática. Um período de pouco menos de 40 anos foi suficiente para formar uma geração de analfabetos funcionais, que, agora, se vêem amparados por uma reforma que possa atender às suas absurdas necessidades. Logicamente, não é só a gramática que faltou à geração passada. O País fez uma opção. Em vez de se criarem condições para que a massa tivesse acesso aos quesitos mínimos da formação escolar, rebaixaram-se as exigências para atingi-los.

Daí surgiram modismos perturbadores, como a expressão “colocar”. Ninguém mais opina, nem afirma, muito menos fala. Todo bom brasileiro, agora, só “coloca”. “Posso fazer uma colocação?”, “como ele colocou, ele vai colocar o país em ordem”. E o que dizer dos gerúndios impróprios, tão irritantes mas que deixam o falante deles cheio de orgulho? “No que posso estar te ajudando?”, diz a mocinha da loja.

Uma restauração eficaz da língua é, obviamente, inviável. Façamos, então, opção pela educação sólida, não por uma inútil reforma. A língua é a identidade de uma nação. Preservá-la é sinal de patriotismo, condição essencial para que um país prospere. O ditador soviético Stalin pode ser usado como exemplo-síntese da estreita relação entre pátria e língua. Passada a atribulada fase na URSS, ele disse: “Fizemos a revolução, mas preservamos a bela língua russa!”

Aqui está acontecendo o contrário. De Cabral aos nossos dias, não fizemos nenhuma grande revolução. Que tal, então, descontarmos toda a letargia da história brasileira na bela língua portuguesa?

* PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA E REDATOR

Fonte: JB online

 


 

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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