Qualidade é o desafio

Paloma Oliveto
Da equipe do Correio

Breno FortesCB
Crianças em sala de aula num povoado de Tocantins: depois de universalizar o acesso ao ensino fundamental, MEC agora terá que criar mecanismos para evitar que estudantes continuem abandonando os estudos
 
Depois de praticamente universalizar o acesso ao ensino fundamental, o Ministério da Educação tem outro grande desafio pela frente: investir na qualidade para evitar que estudantes continuem se afastando das salas de aula. “A escola tem de garantir o direito de aprender”, afirma Maria do Pilar, secretária de Educação Básica do MEC. Ela diz que a educação brasileira chegou ao nível que está devido “a políticas desastrosas da década de 1990, que priorizaram o ensino fundamental e não deram importância à educação infantil e ao ensino médio”.

Segundo a secretária de educação básica, o ministério, em parceria com estados e municípios, tem metas que deverão ser atingidas em médio e longo prazo. “Mas tenho crença que a partir do ano que vem já seja possível sentir melhorias no índice de desenvolvimento da educação básica (Ideb)”, diz. Uma das apostas do MEC é o plano de metas Compromisso Todos pela Educação, pelo qual as prefeituras se comprometem, voluntariamente, a adotarem 28 diretrizes que visam ao melhoramento do Ideb.

A diretora de Gestão dos Programas de Transferência de Renda do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Camile Mesquita, diz que a inclusão de adolescentes entre 16 e 17 anos no Bolsa Família, a partir de 2008, deverá contribuir para manter mais jovens nas escolas. Eles receberão R$ 30 para estudar. A expectativa do MDS é incluir, no ano que vem, aproximadamente 1,7 milhão de pessoas nessa faixa etária no programa.

Levantamento
Para chegar aos dados que ilustram a série que o Correio começa a publicar hoje, a reportagem comparou o número de habitantes das cidades pesquisadas com a quantidade de famílias assistidas pelo Bolsa Família, de acordo com a folha de pagamento de outubro do benefício, divulgada pela Caixa Econômica Federal. Para calcular o índice de pessoas que dependem do auxílio nas localidades, multiplicou-se o número de famílias beneficiadas pela média de habitantes por lar, dado fornecido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado foi comparado à população das cidades, com base na contagem populacional de 2007, também do IBGE.

Os primeiros cálculos foram feitos por estado. O Correio verificou que em 13 unidades da federação, mais de 40% da população recebe Bolsa Família. A partir daí, a reportagem levantou dados de cidades pertencentes a esses estados. O semi-árido de Minas Gerais também foi incluído no levantamento, pois apresenta índices de pobreza e de dependência semelhantes aos do Nordeste. Foram 320 municípios e povoados pesquisados por amostragem – para não fugir à realidade, o levantamento incluiu municípios de pequeno, médio e grande porte. A escolha das localidades foi aleatória.

Os dados sobre educação foram obtidos no sistema de indicadores do Ministério da Educação, que inclui o Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb) local, as notas médias obtidas pelos alunos na avaliação Prova Brasil, a distorção idadesérie e os percentuais de evasão escolar em 2001 e 2005, entre outros. Cuidou-se de excluir do levantamento as cidades que apresentavam subnotificação de dados referentes a 2001.


Palavra de especialista
Iano AndradeCB - 12907
Cristovam Buarque
 

As causas do fracasso

“O governo federal foi avisado que a transformação do Bolsa Escola em Bolsa Família ia dar nisso (aumento da evasão escolar). Três causas levaram ao fracasso educacional do Bolsa Família: primeiro, tirar a palavra ‘escola’ do nome do programa. Isso provocou um efeito devastador da família pobre em relação à educação. A segunda causa foi mudar a gerência do programa do Ministério da Educação para o Ministério do Desenvolvimento Social. Com isso, perdeu-se o foco na educação, passando-se para a assistência. A terceira causa é a mistura de um programa educacional com outros, assistenciais. Quando o Bolsa ficava no MEC, havia na cabeça das mães o sentimento que tinham de manter o menino na escola. Agora, elas não vêem mais isso como fundamental. Elas pensam ‘Eu tenho de ser pobre para ganhar o dinheiro’. O Bolsa Família fracassou porque não foi atrativo como elemento de segurar a criança na escola. A qualidade da educação não melhorou e, sem qualidade, é difícil manter a criança na escola. O Brasil está jogando fora seu maior potencial, que são os jovens. Em comparação com outros países da América Latina, estamos ficando para trás.”

Cristovam Buarque, senador (PDT-DF),
ex-ministro da Educação e idealizador do
Bolsa Escola

Ricardo LabastierDivulgagação - 3907
Célio da Cunha
 

Definição de estratégias

“No processo de mudança, de inovação na educação, é preciso definir estratégias. Não se introduz uma mudança na educação simplesmente criando um mecanismo como o Bolsa Família. Tem de haver um conhecimento mais amplo da população que está sendo objeto de ação de desenvolvimento social para que possa participar desse processo. É preciso destacar a importância da família, da comunidade, para criar o clima favorável à mudança. Qualquer um de nós, quando fazemos um curso e vemos que não está valendo a pena, podemos desistir. Com a escola não é diferente. É preciso criar o clima da alegria do aprendizado. O processo de aprendizagem reforça a busca por mais aprendizagem. O aprender tem um grande poder motivador. Mas o Brasil está longe de atingir essa meta. Não conseguimos estruturar a escola à altura dos desafios contemporâneos da educação – necessidades cognitivas e afetivas, porque há um grande problema de auto-estima entre os alunos. Não se trata de impor, mas de desenvolver a vontade de estudar. A escola precisa, cada vez mais, ter condições de enfrentar esses desafios. É melhor gastar mais preventivamente do que deixar uma criança na 4ª série, analfabeta.”


Célio da Cunha, professor, assessor especial da Unesco

Breno FortesCB - 9206
Marcelo Aguiar
 

Não basta ter boa vontade

“Participei do processo de transição do Bolsa Escola para o Bolsa Família. Apesar de ter uma proposta diferente, defendia que o programa deveria ficar no Ministério da Educação. No México, há uma preocupação em controlar a freqüência dos meninos, quando o garoto falta à escola é cortado do programa. Há um processo de acompanhamento das famílias. Um conjunto de mães elege uma promotora, que vai fazer esse acompanhamento. Assim, garante-se a participação da família em todo o processo. O Brasil poderia aproveitar boas experiências como essa. Reconheço que há uma boa vontade do governo, mas ainda falta muito. Não vejo movimentação para apoiar iniciativas que promovam maior investimento na educação. O Brasil investe na educação fundamental 13 vezes menos do que na educação superior. Outro ponto importante é a valorização do professor. É preciso resgatar a profissão. Por que não pode haver um piso único? Seria necessário uma política de valorização, começando com aumento salarial. Além disso, é necessário uma política de formação do professor. O levantamento do Correio mostra uma situação trágica. Nossas crianças estão perdendo a capacidade de sonhar.”

Marcelo Aguiar, secretário nacional do programa Bolsa Escola em 2003 e autor do livro Bolsa Escola, educação para enfrentar a pobreza

Diones SoaresDivulgação - 16407
Marcelo Cara
 

Carência de investimentos

“O Bolsa Família é um programa positivo, necessário. Mas só ele não adianta. A escola tem de ter função de desenvolvimento social. O jovem precisa ter uma visão de que vai ter um caminho, uma oportunidade. Para fazer a condicionalidade de manter o estudante na escola, é preciso garantir que a escola seja minimamente atrativa. Mas o baixo investimento federal na infra-estrutura do ensino coloca em xeque tanto o Bolsa Família quanto o futuro das novas gerações. O mais grave é que o jovem não tem outra perspectiva. Só freqüentar a escola não adianta. Não dá para garantir o desenvolvimento sem educação de qualidade. Para que o jovem tenha direito à cidadania plena, é preciso investir em políticas integradas, criar estratégias para recuperar pessoas que não conseguiram ter acesso a um sistema de qualidade. O resultado do Bolsa Família está muito aquém de sua potencialidade. Outro problema é que a única política que deu certo no mundo, em relação à educação, foi a de valorização de salário dos profissionais. É preciso investir em remuneração para formar novos professores, estimular parcerias com universidades, criar um programa nacional de formação de profissionais.”


Marcelo Cara, sociólogo, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação


 
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Subeditor: Olimpio Cruz
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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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