Na semana passada, em meio aos noticiários do Estado de Minas que meu esposo estava lendo, fui chamada por meu filho de 4 anos que dizia: “Olha mamãe é o Cruzeiro, o time que o vovô torce”. Para motivá-lo em sua construção do letramento reafirmei que aquele realmente era o símbolo referente ao Cruzeiro e o felicitei por tê-lo reconhecido. Após o elogio, meu filho todo feliz disse: “Sabe mamãe, eu também torço para o Cruzeiro, quer ver?!”. Logo em seguida colocou a mãozinha na boca e emitiu o som da tosse. Em meio a risos fiquei admirada por sua construção de significados e comecei a refletir sobre  como mediar aquela situação.

Pedi a ele que recortasse o símbolo do jornal e que buscasse seu material de estudos, folhas, cola, pincel, etc. Após o recorte feito, escrevi para ele em uma folha branca a palavra TORCE e pedi para que ele identificasse as letras. Logo em seguida, em outra folha, escrevi a palavra TOSSE e pedi que fizesse o mesmo. Perguntei a diferença e ele me disse que uma tinha a letra S que correspondia a seu nome, Sávio, e a outra tinha a letra R de rato, de rosa e Rosária, o nome de sua avó. Perguntei então qual delas era a palavra TORCE e ele, após repeti-la, colocou o dedo na palavra correta. Disse a ele então que torcer significa vibrar pelo time e que então ele poderia colar o símbolo recortado naquela folha, e ele o fez. Ao ler a outra palavra, expliquei que quando tossimos é porque estamos resfriados ou doentes e que um gesto muito importante deveria ser feito nesta hora, o de colocar a mão na boca. Perguntei que desenho poderia fazer para ilustrar a palavra e ele me disse que seria o de uma boca, e assim  fez.

Após a identificação de cada uma das palavras ele me surpreendeu novamente dizendo: “Mamãe, TOSSE é surda e TORCE é sonora, não é mesmo?!”. Eu havia trabalhado com ele o som da letra S por ser a primeira letra do seu nome e porque ele apresenta uma pequena dificuldade em emitir tal som, deixando a língua solta entre os dentes. Naquele dia, como de costume, expliquei a ele que algumas letras são sonoras, ou seja, que vibram na garganta, e que outras são surdas, que não vibram, mas meu intuito era apenas  informá-lo, pois ele sempre foi uma criança muito curiosa e que nunca se continha com respostas curtas. Naquela fase dos porquês infinitos das crianças só conseguíamos esgotar suas perguntas quando nos valíamos de respostas complexas, que para a maioria das pessoas eram respostas para adulto. Não imaginava que ele realmente internalizasse o conceito, apenas brincamos com os sons e os diferenciamos entre surdos e sonoros, pois tais palavras também aumentariam seus recursos comunicativos.

Ao comentar o episódio com a professora Stella Maris  , ela pediu que o relatasse, pois na ocasião estávamos discutindo como construímos andaimes com nossos alunos ou mesmo filhos. A déia da construção de andaimes surgiu através dos estudos de um psicólogo vigotskyano chamado Jerome Bruner. Para ele,  quando um indivíduo presta assistência a um aprendiz, o primeiro media o conhecimento, o que consequentemente amplia as competências  do aprendiz. Ao realizar essas atividades com o Sávio, pude dar a ele a chance de reconceptualizar sua idéia, fazendo com que ele identificasse que existem dois verbos diferentes para aquilo que ele imaginava ser a mesma coisa.

Ao chegar em casa, antes de começar a escrever sobre o assunto, perguntei a ele qual a diferença entre TORCER E TOSSIR e ele me disse: “Você já sabe que para tossir tem que colocar a mão na boca e que agente torce pro Cruzeiiiiiiiirooooooo, mas o que você não sabe é que, quando a gente faz assim ó (pegou um pedaço da camiseta e começou a torcer) a gente tá torcendo também, eu esqueci de te ensinar!”. E foi assim que, mais uma vez, meu ser mãe foi surpreendido por subestimar a capacidade das crianças. Um pequeno andaime construído já é agora sustentação para inúmeras outras informações recebidas e percebidas por ele. Que tenhamos sempre a sensibilidade de dar pistas e fazer com que a mediação esteja fundamentalmente em nossa prática cotidiana.

 

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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