Com base na concepção  de que o processo de desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita ocorre ao longo da vida, reconhece-se também que o desenvolvimento dessas habilidades serve a propósitos múltiplos e ocorre de diversas maneiras. Essa natureza plural fica evidente tanto nas práticas individuais quanto no uso comunitário, ou seja,  em práticas de natureza  burocrática, religiosa, pessoal, na língua materna ou em línguas oficiais, adquirida na escola ou fora dela.

O conceito e a prática da alfabetização encontram-se em evolução constante e dinâmica, com novas perspectivas que refletem as transformações societárias, a influência da globalização na linguagem, na cultura e nas identidades, e também a expansão das comunicações eletrônicas. Essas transformações têm implicações quanto ao papel desempenhado pela UNESCO com relação à alfabetização. Diante desses fatos novos, é imprescindível considerar a vinculação da alfabetização a um vasto espectro de práticas sociais de comunicação, devendo essa ser tratada paralelamente aos  meios de comunicação, como rádio, tv, computadores, mensagens de texto em telefones celulares, imagens visuais, etc. Além disso, o desenvolvimento maciço das comunicações eletrônicas fornece um novo contexto para a alfabetização: os gráficos assumiram um papel importante como complementação de textos; o aprendizado e a recreação computadorizados ocupam crianças e adultos, tomando o lugar da leitura de livros, etc.

Dessa forma, observando a evolução do conceito de alfabetização a partir do contexto da UNESCO, desde a sua criação, no pós-guerra, até os dias atuais, fica mais claro o conceito de analfabetismo funcional. 

 

O analfabetismo funcional no Brasil

 

A partir da década de 1990, o IBGE passa a considerar também o alfabetismo funcional. A Unesco definiu esse conceito, em 1978,   como a capacidade de o indivíduo utilizar a leitura e a escrita para fazer frente ao seu contexto social e usar essas habilidades para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida.

 

Quando começou a publicar índices de analfabetismo funcional, o IBGE tomou como referência o número de séries concluídas, com aprovação em pelo menos quatro séries, considerando que esse seria o número necessário para que o indivíduo se aproprie da leitura e da escrita e de sua importância social.  O IBGE justificou a exigência da aprovação em quatro séries , levando em conta que

no início da década de 90, nos países avançados, a alfabetização passou a ser definida de forma mais exigente. Na América Latina, a UNESCOOREALC ressalta que o processo de alfabetização somente se consolida de fato entre as pessoas que completaram a 4a série, em razão das elevadas taxas de regressão ao analfabetismo entre os não concluintes desse ciclo de ensino. (IBGE, 2001, p.79, apud. RIBEIRO, 2006).

Com base nesse critério, o índice de analfabetismo funcional no Brasil chega perto dos 27%, segundo o Censo de 2000, o que representa 38 milhões de indivíduos, considerando-se pessoas com mais de 10 anos.

Porém, nos países avançados são necessários mais de dez anos de estudos para superar a condição de analfabetismo funcional (SOARES, 2004). Alguns estudos (WAGNER, 1999, apud RIBEIRO, 2006) apontam que o número de anos de escolarização sistemática interfere na regressão de habilidades de leitura e escrita, embora a quantidade não possa ser considerada determinante no nível de analfabetismo, porque se deve levar em conta principalmente a qualidade da educação oferecida.

O analfabetismo no Brasil é um problema que possui uma longa história. Em 1886, quando o percentual da população escolarizada era de 1,8% no nosso país, na Argentina era de 6%. Esta diferença continuou e reflete-se no desenvolvimento socioeconômico desses países. Em 2000, a Argentina ocupava a 34ª posição no ranking de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e o Brasil, a 73ª.

O IDH, aplicado pelo PNUDONU desde 1990, pretende ser uma medida geral, sintética, do desenvolvimento humano. Além de computar o PIB per capita, depois de corrigi-lo pelo poder de compra da moeda de cada país, o IDH também leva em conta dois outros componentes: a longevidade e a educação.

Existe relação estreita entre renda e alfabetização e isso torna-se extremamente grave quando se leva em conta que o Brasil tem uma das piores taxas de distribuição de renda no mundo, perdendo apenas para Serra Leoa, na África. Em 2003, 1% dos brasileiros mais ricos detinham uma renda equivalente aos ganhos dos 50% mais pobres.  (Disponível em: <www.ipea.gov.br , acesso em 26 de junho de 2006).

Políticas públicas de distribuição de renda nos últimos anos têm tentado corrigir essa distorção, mas os resultados obtidos ainda não são perceptíveis.

É importante observar que, ao longo dos 500 anos de história brasileira, o analfabetismo como problema é relativamente recente, pois não saber ler e escrever não causava incômodo para as lideranças, até 1882 (FERRRARO, 2004, p. 197).

O Censo de 1890 apresentou uma taxa de 82,63% da população brasileira como analfabeta. Durante longas décadas, as pessoas que não sabiam ler e escrever foram vistas como portadoras de  um mal que precisava ser erradicado,  atribuído à  incapacidade do povo ou mesmo à preguiça (FREIRE, 2001, p. 15).

O analfabetismo brasileiro, em uma outra acepção, foi associado à criminalidade. Segundo Levi Carneiro (1964, apud FERRARO, 2004), “a incapacidade do analfabeto não é somente política; ele tende a ser um marginal na sociedade contemporânea e gera novos analfabetos”. Percebe-se aqui o analfabetismo sendo visto como mal contagioso e um perverso preconceito inter-geracional.

Ler e escrever, ainda que um enunciado simples, é um diferencial para o indivíduo, pois ser analfabeto, desde épocas bem anteriores a nossa, era condição que conduzia à segregação social. 

 Até o final da Segunda Guerra Mundial, a população brasileira era predominantemente rural e com grande contingente de pessoas que não sabiam ler. O simples fato de assinar o nome já permitia ao cidadão tirar o título de eleitor, o que o colocava em condições superiores aos demais, por dar-lhe o direito de votar, já que, até a Constituição de 1988, o analfabeto não usufruía desse privilégio .

Em termos percentuais, a taxa de analfabetismo no Brasil, na população de 15 anos ou mais sofreu queda, a partir do século XIX. Em 1920, ela superava 23 da população, ou seja, 65%. Em 1950 essa taxa passa para cerca de 50%, e 30 anos mais tarde é reduzida para próximo de 25%. Em 2000,  baixa para 13,6%, o que equivale a 11.180.815 pessoas entre 15 e 64 anos (FERRARO, 2004, p. 199).

Percebe-se que a queda na taxa é lenta e gradual e que não reflete grandes mudanças se pensarmos em números absolutos. Pelo contrário, até 1980 há aumento no número absoluto de analfabetos no País, como pode ser percebido na tabela retirada do Mapa do Analfabetismo no Brasil, que oferece um diagnóstico atualizado, reunindo dados demográficos, considerados nas suas diferentes dimensões. Este mapa é uma iniciativa do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), que processou resultados do Censo Escolar do MEC, do IBGE e do PNUD (Programa de desenvolvimento das Nações Unidas – United Nations Development Program – UNDP). As informações foram agrupadas para todos os municípios do País, considerada a divisão político-administrativa do ano de 2000, e permitem, portanto, consulta individualizada.

 

Tabela 1 – Analfabetismo na faixa de 15 anos ou mais - Brasil 19002000

Ano

População de 15 anos ou mais

 

Total

Analfabeta

Taxa de analfabetismo

1900

9.728

6.348

65,3%

65.0%

56,1%

50,6%

39,7%

33,7%

25,9%

19,7%

13,6%

1920

17.564

11.409

1940

23.648

13.269

1950

30.188

15.272

1960

40.233

15.964

1970

53.633

18.100

1981

70.600

19.356

1991

94.891

18.682

2000

119.533

16.295

Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2000.

 

Categoria pai: Seção - Notícias

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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