A escola de samba Beija-Flor de Nilópolis  levou ontem, domingo de carnaval, à Marquês de Sapucaí uma grandiosa homenagem ao banho, o nosso bom  banho de todo dia, recuperando  suas raízes ilustres, como os famosos banhos embelezadores  de Cleópatra e os sabonetes da Mesopotâmia, lá onde hoje se encontra o destruído Iraque.  Gostei do tema. Sinto um orgulho secreto, principalmente quando estou na Europa, de nosso hábito de tomar banho, às vezes vários por dia, quando o calor aperta. É um costume que perpassa todos os segmentos sociais e que costuma ser atribuído aos hábitos saudáveis dos indígenas brasileiros, que receberam Cabral e sua turma em Porto Seguro.

Darcy Ribeiro em seu último livro, “O Povo Brasileiro”, faz uma descrição empolgada dos nativos _ bonitos, saudáveis, limpos e nus _  espantados com  os portugueses recém-chegados nas caravelas apertadas e sem arejamento, cheios de escorbuto e piolhos. O antropólogo nessa passagem está certamente homenageando o bom selvagem  de Rousseau, que haveria de impregnar as páginas de José de Alencar e outros indigenistas no nosso Romantismo. Mas há um fundo de verdade na descrição. Diferentemente dos europeus que aqui aportavam, os brasileiros nativos, para usar um termo politicamente correto e tomado emprestado ao inglês norte-americano (“Native Americans”) estavam sempre dentro d’água, arpoando seus peixes com flechas ou apenas se refrescando da canícula tropical.

No verão de 2008 tive oportunidade de visitar as ruínas de Herculaneum, aos pés do Vesúvio, próximo a Pompeia. Em Herculaneum estão sendo realizadas profundas escavações, que revelam uma cidade romana de turismo, quase intacta, preservada após a morte coletiva de seus moradores, pela intoxicação de gases da erupção vulcânica no século I da era cristã.

Fiquei impressionada especialmente pelas instalações dos banhos públicos, saunas aquecidas a lenha, revestidas de azulejos, com requintes de conforto como pequenas ranhuras no teto para o vapor escorrer. E há antessalas onde os frequentadores  guardavam seus pertences. Um luxo, e bem revelador do gosto pelo banho que  os gregos  e os romanos exibiam na Antiguidade.

Por informação de oitiva, aprendi que o hábito do banho foi abandonado na Europa durante as trevas da Idade Média _ uma fase terrível da humanidade, que além de ignorante tornou-se suja. Vêm dessa época os costumes de as noivas se casarem no mês de maio, em plena  primavera, quando o clima lhes permitia tomar um banho anual, e de carregarem um buquê de flor de laranjeira, que espantava maus odores.

Se a ojeriza ao banho teve início na Idade Média possivelmente persistiu um bom tempo já no Renascimento. Quem visita palácios reais imponentes, que abrigavam cortes européias  nos primeiros séculos da Idade Moderna, como  o Hampton Court Palace, nas cercanias de Londres,  Versailles, próximo a Paris, ou Queluz e Sintra em Portugal,  em vão procura por quartos de banhos. Na corte dos Tudors, onde Henrique VIII, como um Barba-Azul, foi colecionando esposas, entre as quais algumas perderam literalmente a cabeça, há muitas câmaras que antecedem os dormitórios reais,  usadas pelos monarcas para despacho com seus ministros. Havia  certamente espaço para Elizabeth I guardar seus três mil vestidos, que por certo nunca eram lavados, mas não se vê qualquer cômodo que lembre uma casa de banhos.  O mesmo padrão se repete nas cortes de Portugal e França. Nem sinal de banheiro, nem mesmo junto aos quartos dos delfins e herdeiros dos tronos.  Fica explicada, pois, a vocação francesa  para a criação dos perfumes tão famosos até os nossos dias.

 Na Inglaterra estive em muitas casas com vários quartos e somente um banheiro, às vezes localizado do lado de fora da cozinha. Uma vez me mostraram as plantas  de arquitetura de um conjunto de casas pré-moldadas que tinham intenção de construir também no Brasil.  Fui logo observando.  Se quiserem vender esse projeto no Brasil, vocês têm que incluir pelo menos uns três banheiros em cada casa.

Pois no Brasil gostamos de tomar banho. Frequentemente encontro em Brasília operários saídos de um dia de trabalho pesado na construção civil ou empregados domésticos  retornando a suas casas, com os cabelos ainda molhados e o corpo recendendo a sabonete. Dá gosto de ver. Em boa hora a escola de Nilópolis escolheu o banho como tema de seu carnaval de 2009.

Salvador, BA, 23 de fevereiro de 2009

 

 

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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