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Artigo: Reinaldo Azevedo

A reforma ortográfica que se pretende é um pequeno
passo (atrás) para os países lusófonos e um grande
salto para quem vai lucrar com ela. O assunto me
enche, a um só tempo, de indignação e preguiça. O
Brasil está na vanguarda dessa militância estúpida.
Por que estamos sempre fazendo tudo pelo avesso? Não
precisamos de reforma nenhuma. Precisamos é de
restauração. Explico-me.

A moda chegou por aqui na década de 70, espalhou-se
como praga divina e contribuiu para formar gerações de
analfabetos funcionais: as escolas renunciaram à
gramática e, em seu lugar, passaram a ensinar uma
certa Comunicação e Expressão, pouco importando o
que isso significasse conceitualmente em sua grosseira
redundância. Na prática, o aluno não precisava mais
saber o que era um substantivo; bastava, dizia-se, que
soubesse empregá-lo com eficiência e, atenção para a
palavra mágica, criatividade. As aulas de sintaxe –
sim, leitor, a tal análise sintática, lembra-se? –
cederam espaço à interpretação de texto, exercício
energúmeno que consiste em submeter o que se leu a
perífrases – reescrever o mesmo, mas com excesso de
palavras, sempre mais imprecisas. O ensino crítico do
português foi assaltado pelo chamado uso criativo da
língua. Para ser didático: se ela fosse pintura, em
vez de ensinar o estudante a ver um quadro, o
professor se esforçaria para torná-lo um Rafael ou um
Picasso. Se fosse música, em vez de treinar o seu
ouvido, tentaria transformá-lo num Mozart ou num
Beethoven. Como se vê, era o anúncio de um desastre.

Os nossos Machados de Assis, Drummonds e Padres
Vieiras do povo não apareceram. Em contrapartida, o
analfabetismo funcional expandiu-se célere. Se fosse
pintura, seria garrancho. Se fosse música, seria a do
Bonde do Tigrão. É só gramática o que falta às nossas
escolas? Ora, é certo que não. O país fez uma opção –
ainda em curso e atravessando vários governos, em
várias esferas – pela massificação de ensino, num
entendimento muito particular de democratização: em
vez de se criarem as condições para que, vá lá, as
massas tivessem acesso ao conhecimento superior,
rebaixaram-se as exigências para atingir índices
robustos de escolarização. Na prova do Enem aplicada
no mês passado, havia uma miserável questão próxima da
gramática. Se Lula tivesse feito o exame, teria
chegado à conclusão de que a escola, de fato, não lhe
fez nenhuma falta. Isso não é democracia, mas
vulgaridade, populismo e má-fé.

Não é só a língua portuguesa que está submetida a esse
vexame, é claro. As demais disciplinas passaram e
passam pela mesma depredação. A escola brasileira é
uma lástima. Mas é nessa área, sem dúvida, que a
mistificação atingiu o estado de arte. Literalmente.
Aulas de português se transformam em debates, em que o
aluno é convidado (santo Deus!) a fazer, como eles
dizem, colocações e a se expressar. Que diabo! Há
gente que não tem inclinação para a pintura, para a
música e para a literatura. Na verdade, os talentos
artísticos são a exceção, não a regra. Os nossos
estudantes têm de ser bons leitores e bons usuários da
língua formal. E isso se consegue com o ensino de uma
técnica, que passa, sim, pela conceituação, pela
famigerada gramática. Precisamos dela até para
entender o Virundum. Veja só:

Ouviram do Ipiranga
as margens plácidas
De um povo heróico
o brado retumbante

Quem ouviu o quê e onde, santo Deus? É as margens
plácidas ou às margens plácidas? É perfeitamente
possível ser feliz, é certo, sem saber que foram as
margens plácidas do Rio Ipiranga que ouviram o brado
retumbante de um povo heróico. Mas a felicidade,
convenham, é um estado que pode ser atingido ignorando
muito mais do que o hino. À medida que se renuncia às
chaves e aos instrumentos que abrem as portas da
dificuldade, faz-se a opção pelo mesquinho, pelo
medíocre, pelo simplório.

As escolas brasileiras, deformadas por teorias avessas
à cobrança de resultados – e o esquerdista Paulo
Freire (1921-1997) prestou um desserviço gigantesco à
causa –, perdem-se no proselitismo e na exaltação do
chamado universo do educando. Meu micro ameaçou
travar em sinal de protesto por escrever essa
expressão máxima da empulhação pedagógica. A origem da
palavra educação é o verbo latino duco, que
significa conduzir, guiar por um caminho. Com o
acréscimo do prefixo se, que significa afastamento,
temos seduco, origem de seduzir, ou seja,
desviar do caminho. A educação, ao contrário do
que prega certa pedagogia do miolo mole, é o contrário
da sedução. Quem nos seduz é a vida, são as suas
exigências da hora, são as suas causas contingentes,
passageiras, sem importância. É a disciplina que nos
devolve ao caminho, à educação.

Professores de português e literatura vivem hoje
pressionados pela idéia de seduzir, não de educar.
Em vez de destrincharem o objeto direto dos catorze
primeiros versos que abrem Os Lusíadas, apenas o texto
mais importante da língua portuguesa, dão um pé no
traseiro de Camões (1524-1580), mandam o poeta caolho
cantar sua namoradinha chinesa em outra barcarola e
oferecem, sei lá, facilidades da MPB – como se a
própria MPB já não fosse, em nossa esplêndida
decadência, um registro também distante das massas.
Mas nunca deixem de contar com a astúcia do governo
Lula. Na citada prova do Enem, houve uma
modernização das referências: em vez de Chico
Buarque, Engenheiros do Hawaii; em vez de Caetano
Veloso, Titãs. Na próxima, é o caso de recorrer ao
funk de MC Catra: O bagulho tá sério vai rolar o
adultério paran, paran, paran paran, paran....

Precisamos de restauração, não de mais mudanças. Veja
acima, no par de palavras educaçãosedução, quanto o
aluno perde ao ser privado da etimologia, um
conhecimento fascinante. As reformas ortográficas,
acreditem, empobrecem a língua. Não democratizam, só
obscurecem o sentido. Uma coisa boba como cassar o p
de exce(p)ção cria ao leitor comum dificuldades para
que perceba que ali está a raiz de excepcional;
quantos são os brasileiros que relacionam caráter a
característica – por que deveriam os portugueses
abrir mão do seu carácter? O que um usuário da nossa
língua perderia se, em vez de ciência, escrevesse
sciência, o que lhe permitiria reconhecer na palavra
consciência aquela mesma raiz?

Veja o caso do francês, uma língua que prima não por
letras, mas por sílabas inúteis, não pronunciadas.
E, no entanto, os sempre revolucionários franceses
fizeram a opção pela conservação. Uma proposta recente
de reforma foi unanimemente rejeitada, à direita e à
esquerda. Foi mais fácil cortar cabeças no país do que
letras. A ortografia de Voltaire (1694-1778) está mais
próxima do francês contemporâneo do que está Machado
de Assis do português vigente no Brasil. O ditador
soviético Stálin (1879-1953) era metido a lingüista.
Num rasgo de consciência sobre o mal que os comunistas
fizeram, é dono de uma frase interessante: Fizemos a
revolução, mas preservamos a bela língua russa. Ora,
dirão: este senhor é um mau exemplo. Também acho. O
diabo é que ele se tornou referência de política, não
de conservação da língua...

Já que uma restauração eficaz é, eu sei, inviável,
optemos ao menos pela educação, não por uma nova e
inútil reforma. O pretexto, ademais, é energúmeno.
Como escreveu magnificamente o poeta português
Fernando Pessoa (1888-1935), houve o tempo em que a
terra surgiu, redonda, do azul profundo, unida pelo
mar das grandes navegações. Um mar portuguez (ele
grafou com z). Hoje, os países lusófonos estão
separados pela mesma língua, que foi se fazendo
história. A unidade só tem passado. E nenhum futuro.

Categoria pai: Seção - Notícias

Riqueza da língua

Ferramenta fundamental na carreira e no crescimento
pessoal, o português pode ser transformado por um
acordo ortográfico. Mas essa não é a única revolução
por que a língua está passando


Jerônimo Teixeira

 

Lailson Santos

MEIA-SOLA ORTOGRÁFICA

Sou contra o acordo. Sei que isso é um tiro no próprio pé, pois, se o acordo passar, vou ser chamado para fazer muitas palestras. Mas não quero esse dinheiro, não. Com outro espírito, outra proposta, uma unificação talvez fosse possível. Mas esta é uma reforma meia-sola, que não unifica a escrita de fato e mexe mal em pontos como o acento diferencial. Vamos enterrar dinheiro em uma mudança que não trará efeitos positivos.
Pasquale Cipro Neto,
professor de português

Engavetado desde sua assinatura, em 1990, voltou a assombrar o acordo ortográfico que visa a unificar a escrita do português nos países que o adotam como língua oficial. O Ministério da Educação chegou a anunciar a entrada em vigor da reforma no Brasil já em 2008. Felizmente, essa data foi postergada. Por mais modorrenta que seja, essa discussão não deve se extinguir. Ela tem implicações profundas de ordem técnica e comercial, além de provocar ainda mais ansiedade nos milhões de brasileiros mergulhados em dúvidas no seu empenho diário para falar e escrever bem. Dominar a norma culta de um idioma é plataforma mínima de sucesso para profissionais de todas as áreas. Engenheiros, médicos, economistas, contabilistas e administradores que falam e escrevem certo, com lógica e riqueza vocabular, têm mais chance de chegar ao topo do que profissionais tão qualificados quanto eles mas sem o mesmo domínio da palavra. Por essa razão, as mudanças ortográficas interessam e trazem dúvidas a todos. O acordo diz como se devem usar o hífen e o acento agudo e outros desses minúsculos sinais gráficos que já fizeram estatelar muitas reputações. A diferença entre um sucesso e um vexame pode ser determinada por uma simples crase mal utilizada. Portanto, não há como ignorar quando os sábios se reúnem para determinar o que é certo e errado no uso do português.

Nas grandes corporações, os testes de admissão concedem à competência lingüística dos candidatos, muitas vezes, o mesmo peso dado à aptidão para trabalhar em grupo ou ao conhecimento de matemática. Diversas pesquisas estabelecem correlações entre tamanho de vocabulário e habilidade de comunicação, de um lado, e ascensão profissional e ganhos salariais, de outro. Salte-se agora do micro para o macro. Uma decisão aparentemente arcana sobre o uso correto do trema, por exemplo, pode ganhar contornos bem mais amplos em um momento em que os idiomas nacionais sofrem todo tipo de pressão desestabilizadora. Como diz o lingüista britânico David Crystal (veja entrevista), a globalização e a revolução tecnológica da internet estão dando origem a um novo mundo lingüístico. Entre os fenômenos desse novo mundo estão as subversões da ortografia presentes nos blogs e nas trocas de e-mails e o aumento no ritmo da extinção de idiomas. Estima-se que um deles desapareça a cada duas semanas. Cresce a consciência de que as línguas bem faladas, protegidas por normas cultas, são ferramentas da cultura e também armas da política, além de ser riquezas econômicas.

A reforma do português ora em curso vai se defrontar com um desafio inédito. Outras mudanças foram feitas em situações em que era bem menos intenso o ritmo de entrada de palavras e conceitos na corrente da vida cotidiana. Em tempos de internet, as línguas, por natureza refratárias a arranjos de gabinete e legislações impostas de cima para baixo, podem se comportar como potros indomáveis. Quem vai ligar para as novas regras de uso do hífen quando mantém longas e satisfatórias conversações na internet usando apenas interjeições e símbolos gráficos como os consagrados emoticons para alegre :-) ou triste :-(?

David Crystal cunhou o termo netspeak para designar as formas inéditas de expressão escrita que a internet gerou. A inclusão de símbolos audiovisuais, os links que permitem saltos de um texto para o outro – nada disso existia nas formas anteriores de comunicação. A comunicação por escrito se tornou mais ágil e veloz, aproximando-se, nesse sentido, da fala. A necessidade de diminuir o tempo de escrita e se aproximar do tempo da fala levou os usuários a ser cada vez mais objetivos e compactos, diz o lingüista Antonio Carlos dos Santos Xavier, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Essa tendência é mais notória nas conversas que os adolescentes mantêm através de programas como o MSN, com abreviações como blz (beleza) e frases de sonoridade tribal como bora nu cinema – pod c as 8? (vamos ao cinema – pode ser às 8?). Mas o netspeak não é só para os imberbes. Até no âmbito profissional a objetividade eletrônica está imperando. A carta comercial que iniciava com a fórmula vimos por meio desta é peça de museu. Gêneros como a carta circular ou o requerimento estão em extinção. O e-mail absorveu essas funções, observa a lingüista Cilda Palma, que, em sua dissertação de mestrado na UFPE, estudou a comunicação interna de uma empresa pública – um posto regional dos Correios – e de uma empresa então recentemente privatizada, a Petroflex. Ela constatou que a correspondência eletrônica tornou a comunicação mais informal – e que essa tendência foi mais longe na empresa privada. Observa a pesquisadora: Os Correios ainda mantêm uma infra-estrutura anacrônica, que exige fotocópias e carimbos nos comunicados internos.

Embora a língua sofra ataques deformadores diários nos blogs e chats, a palavra escrita nunca foi usada tão intensamente antes. Os mais otimistas apostam que os bate-papos da garotada travados com símbolos e interjeições hoje podem ser a semente de uma comunicação escrita mais complexa, assim como o balbuciar dos bebês denota a prontidão para a fala lógica que se seguirá. Pode ser. Seria ótimo que fosse assim. Por enquanto, uma maneira de se destacar na carreira e na vida é mostrar nas comunicações formais perfeito domínio da tradicional norma culta do português. Vários estudos demonstram a correlação positiva entre um bom domínio do vocabulário e o nível de renda, mesmo que não se possa traçar uma correlação direta e linear entre uma coisa e outra. Além de conhecer as palavras, é preciso que se tenha alguma coisa a dizer de forma lógica e racional. O vocabulário, por si só, não garante precisão ou beleza na escrita. Machado de Assis compôs toda a sua obra com aproximadamente 12.000 vocábulos, enquanto Coelho Neto, autor ilegível, teria empregado mais de 35.000 palavras diferentes na sua longa e obscura carreira, lembra o professor de português Cláudio Moreno. Mesmo que pareça meio quadrado na mesa do bar, quem mais se distanciar do linguajar trivial dos chats nas comunicações formais mais será notado pela competência.

É empobrecedor, porém, ignorar a revolução cultural da internet. Como toda inovação tecnológica abrangente, a civilização digital ampliou o léxico de muitos idiomas, entre eles o português. E o fez, basicamente, pela incorporação de palavras em inglês (site, download, hardware). Essas adições causam horror aos puristas da linguagem. Bobagem. A maior fonte de enriquecimento dos idiomas em todos os tempos é a incorporação de vocábulos oriundos de línguas estrangeiras e de revoluções tecnológicas. O português cresceu muito enquanto seus navegadores exploravam os mares nunca dantes navegados cantados por Luís de Camões. Calcula-se que o português medieval tinha perto de 15 000 vocábulos. Em meados do século XVI, com a expansão marítima, o total chegaria a 30.000, 40.000, observa o filólogo Mauro Villar, do Dicionário Houaiss. Nesse processo, é preciso levar em conta também a popularização do vocabulário especializado, que em geral não entra nos dicionários. Por mais abrangente que seja um dicionário, ele recolhe apenas algumas centenas de milhares de palavras. O Houaiss tem perto de 230.000 verbetes. O Oxford English Dictionary, o famoso OED, registra 615.000. Ambos são recortes muito limitados de um universo em permanente expansão. Só as palavras necessárias à prática da medicina estariam na casa de 600.000. Eventualmente, uma grande virada em um desses campos científicos puxa o vocabulário especializado mais para perto do chão dos dicionários. DNA é um exemplo eloqüente: o acrônimo em inglês de ácido desoxirribonucléico (componente fundamental do código genético) saiu dos laboratórios e se incorporou ao dia-a-dia.

A internet é, além de tudo, um campo essencial na disputa pelo mercado dos idiomas. O estudo da economia da língua é um campo promissor. A Fundação Telefónica, da Espanha, está promovendo um projeto de pesquisa que deve durar quatro anos e pretende aferir o peso econômico do idioma espanhol no mundo. O valor de uma língua se relaciona com sua capacidade de incentivar os intercâmbios econômicos, explica o economista José Luis García Delgado, coordenador do projeto. Embora não seja possível atribuir uma cifra monetária a uma língua, faz pleno sentido falar no valor relativo que ela tem na comparação com outras línguas. O número total de falantes nativos é um fator essencial. O espanhol tem cerca de 450 milhões, patamar semelhante ao do inglês (o português fica em torno de 250 milhões). O inglês, porém, domina a internet: de acordo com o Internet World Stats, site que concentra números mundiais sobre a rede, 30% dos usuários da rede são falantes nativos do idioma de Shakespeare, contra 9% de usuários da língua de Cervantes. Mais importante, o inglês é forte como segunda língua. O British Council estima que pelo menos 1 bilhão de pessoas estão estudando inglês hoje no mundo.

O inglês está destinado a ser uma língua mundial em sentido mais amplo do que o latim foi na era passada e o francês é na presente, dizia o presidente americano John Adams no século XVIII. A profecia se cumpriu: o inglês é hoje a língua franca da globalização. No extremo oposto da economia lingüística mundial, estão as línguas de pequenas comunidades declinantes. Calcula-se que hoje se falem de 6.000 a 7.000 línguas no mundo todo. Quase metade delas deve desaparecer nos próximos 100 anos. A última edição do Ethnologue – o mais abrangente estudo sobre as línguas mundiais –, de 2005, listava 516 línguas em risco de extinção.

O português está entre os vencedores da globalização. É uma língua que vem crescendo na internet: nos últimos sete anos, o número de falantes da língua portuguesa que navegam na rede aumentou em 525% (embora ainda represente apenas 4% dos usuários). O acordo ortográfico tem a intenção manifesta de incrementar o valor de mercado do português. Desde o início criticada dos dois lados do Atlântico, a unificação da língua portuguesa foi uma causa cara ao filólogo brasileiro Antônio Houaiss, morto em 1999. O acordo foi firmado em 1990 pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), então com sete membros – Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Mais tarde, o Timor Leste também faria sua adesão. Os prazos de implantação das novas regras estipulados em 1990 nunca foram cumpridos, e a ratificação do acordo foi adiada sucessivamente. Um novo acerto firmado em uma conferência de chefes de estado da CPLP em 2004 determinou que bastaria a ratificação de três membros para que o acordo entrasse em vigor, o que aconteceu no fim do ano passado. O problema é que só os três países que ratificaram – Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe – deram mostras de querer levar a reforma adiante. Naturalmente, nenhuma unificação ortográfica merece ser chamada assim se a matriz da língua, Portugal, não a seguir. Autoridades portuguesas têm falado em esticar os prazos de adaptação às novas regras em até dez anos.

VEJA ouviu quatro profissionais da língua portuguesa. O único que considera a unificação importante do ponto de vista da política da língua é o gramático Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras. Mas ele faz restrições ao conteúdo da reforma, que teria perdido a oportunidade de racionalizar algumas regras. Os outros três especialistas são mais radicais na crítica. É um acordo meia-sola, avalia Pasquale Cipro Neto. Ele cita algumas palavras que continuam sendo grafadas de duas formas, conforme a pronúncia ou as idiossincrasias de cada país – caso de cómodo (Portugal) e cômodo (Brasil), ou de berinjelaberingela. Essa idéia messiânica, utópica de que a unificação vai transformar o português em uma língua de relações internacionais é uma tolice, diz o professor Cláudio Moreno. Sérgio Nogueira considera que só uma categoria vai ganhar vantagens com o acordo: os professores que dão aulas e palestras sobre língua portuguesa. Se a reforma sair, vou ficar rico de tanta palestra que vou dar, ironiza. As editoras em geral estariam no lado perdedor do acordo, já que teriam de adequar seus catálogos à nova grafia. O custo médio para a revisão e a preparação de um único livro ficaria em torno de 5.000 reais. A revisão de enciclopédias e dicionários seria ainda mais custosa. Só a atualização do nosso banco de dados ficaria entre 200.000 e 400.000 reais, calcula Breno Lerner, diretor-geral da Melhoramentos, que publica os dicionários Michaelis.

As diferenças culturais não se resolvem assim apenas com um golpe de pena. Mesmo com a ortografia unificada, dificilmente uma dona-de-casa portuguesa vai comprar um livro de culinária brasileiro que fala em açougue (talho em Portugal), e o carpinteiro brasileiro com um manual português nas mãos talvez fique embasbacado com a palavra berbequim (furadeira). De outro lado, a grafia cheia de letras mudas – tecto, facto, acto – não impediu o português José Saramago de ser best-seller no Brasil. Como a natureza, a arte e a inteligência sempre encontram uma maneira de se manifestar. Com a ajuda de uma norma culta e amplamente aceita, esse trabalho fica mais fácil.

 

Lailson Santos

 

MINHA PÁTRIA, MINHA LÍNGUA

Creio que a unificação do português tem um sentido político positivo. Aumenta o conceito da língua como nação. A adaptação talvez seja difícil. Mas a língua é um organismo vivo e vai seguir em frente. No meu trabalho de compositor, a ortografia repercute pouco. Nas letras de rock, a gente trabalha com a informalidade, com a fala da rua.
Tony Bellotto, músico da banda Titãs, autor de Bellini e a Esfinge e apresentador do programa Afinando a Língua

 

PREGUIÇA CÉTICA

Encaro com grande ceticismo esse acordo ortográfico. É uma reforma tímida, que não traz grandes inovações. Mas não gostei. Queria que meus tremas ficassem onde estão. Os escritores mais velhos e mais preguiçosos têm de confiar no pessoal da editoração para fazer as mudanças necessárias no texto.
João Ubaldo Ribeiro, escritor, autor de Sargento Getúlio e Viva o Povo Brasileiro

Oscar Cabral

 

Ernani dAlmeida

 

MUDANÇA TÍMIDA

Do ponto de vista político, a unificação ortográfica é importante. Implica numa maior difusão da língua portuguesa nos seus textos escritos. Mas a reforma poderia ter avançado mais e de forma mais inteligente na racionalização dos acentos e do hífen. As regras ainda são pouco acessíveis para o homem comum.
Evanildo Bechara, gramático, membro da Academia Brasileira de Letras

 

 

Mirian Fichtner

SIMPLES E CIVILIZADA

A unificação já devia ter ocorrido antes. É uma medida civilizada. A diferença na escrita dos países que falam português atrapalha o intercâmbio econômico e editorial. Como toda reforma, essa proposta tem suas falhas. Mas acho ótimo, por exemplo, o fim do trema. Sou a favor de tudo que vai no sentido da simplificação.
Lya Luft, escritora, autora de Perdas & Ganhos e colunista de VEJA

 

 

Categoria pai: Seção - Notícias

Folha de S.Paulo

A batalha de professores e pais contra o videogame e a internet ganhou uma trégua: colégios particulares de São Paulo começam a adotar ferramentas como blogs e jogos de última geração para melhorar a aprendizagem dos alunos.

O colégio Santa Maria, que fica na zona sul da cidade, por exemplo, agora tem um laboratório para que os estudantes criem os seus próprios games.

A idéia é simples. Já que os jovens gostam tanto de videogame, nada melhor do que escolherem eles mesmos a história, os personagens e os desafios do jogo. O que não é simples é fazer o game funcionar.

Para isso, eles precisam usar história, geografia, física, biologia, geometria e educação artística. Sem perceber, aplicam na prática o que aprenderam na aula, diz o coordenador do grupo de pesquisa e desenvolvimento de jogos eletrônicos da escola, Muriel Vieira Rubens.

 

Luis Henrique Hansen, 11, no laboratório de videogame do colégio Santa Maria
Aluno do nono ano do fundamental, Yuri Rodrigues, 14, pensou que seu trabalho seria bem mais fácil.

Com dois colegas, está desenvolvendo um game sobre a questão nuclear do Irã. O objetivo dos jogadores será impedir a Terceira Guerra Mundial no mundo virtual.

Para começar, o trio teve de ler sobre a atual situação iraniana, desvendar os significados da energia nuclear, desenhar os personagens com conceitos de geometria e aplicar fórmulas de física, como a da velocidade, para que os personagens corram. Tem hora que é complicado, mas estou gostando. Não vejo a hora de ficar pronto, diz o garoto.

O projeto começou neste ano e, por enquanto, só os alunos que tiram boas notas podem participar da atividade.

Notas e pesquisas

Já no colégio Franciscano Nossa Senhora Aparecida, na zona sul, os alunos dependem de uma ferramenta interativa para ter boas notas. Por meio de um sistema chamado webquest, os alunos fazem pesquisas em vídeos e materiais gráficos. E utilizam o programa para apresentar seus trabalhos.

Os alunos da oitava série, por exemplo, foram divididos em grupos de cinco, e cada conjunto tem a missão de apresentar a melhor fonte de energia (elétrica, eólica, nuclear, entre outras) para uma cidade fictícia.

No final, precisarão apresentar relatórios com fundamentos econômicos, ambientais e tecnológicos para a opção, além de um jornal, que informaria a população sobre o tema.

A atividade começou neste mês e vale metade da nota do trimestre dos alunos, em ciências. Buscamos um ambiente confortável para eles. A idéia é acompanhar essa geração de blog, do YouTube, diz o coordenador de tecnologia educacional, Fabiano Gonçalves.

Pela ferramenta, os professores conseguem monitorar quanto tempo cada aluno pesquisou e o que fez no grupo.

No colégio Ítaca, na zona oeste, a intenção é utilizar a internet para melhorar a integração entre os alunos. Por meio de blogs, alunos do sexto ao nono ano trocam informações sobre as pesquisas feitas. Cada grupo deverá apresentar um trabalho sobre o Brasil entre guerras.

A idéia da atividade começou no ano passado, mas vimos que a comunicação entre alunos de diferentes anos não foi tão boa. Por isso, neste ano, adotamos os blogs, relata o coordenador-pedagógico da escola, Flávio Cidade.

No Santo Américo, zona sul, os alunos têm o conteúdo dado pelos professores na intranet do colégio. Há também um tira-dúvidas online, exercícios de reforço pela internet que valem nota e por todo o colégio há rede wi-fi para que laptops e celulares com internet sejam usados de qualquer lugar.

Já no Pio XII, na zona oeste, o conteúdo passado nas lousas digitais pode ser revisto pelos alunos via internet. O sistema foi adotado neste ano na escola.

 

 

Categoria pai: Seção - Notícias

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
COMARCA DE NITERÓI - NONA VARA CÍVEL
Processo n° 2005.002.003424-4
S E N T E N Ç A
Cuida-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por ANTONIO
MARREIROS DA SILVA MELO NETO contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO LUÍZA VILLAGE e
JEANETTE GRANATO, alegando o autor fatos precedentes ocorridos no interior
do prédio que o levaram a pedir que fosse tratado formalmente de senhor.
Disse o requerente que sofreu danos, e que esperava a procedência do pedido
inicial para dar a ele autor e suas visitas o tratamento de Doutor,
senhor Doutora, senhora, sob pena de multa diária a ser fixada
judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em dano moral não
inferior a 100 salários mínimos.
(...)
DECIDO.

O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme
se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito
que se gostaria de ter. (Noberto Bobbio, in A Era dos Direitos, Editora
Campus, pg. 15).

Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste sentenciante
e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando tamanha
publicidade que tomou este processo. Agiu o requerente como jurisdicionado,
na crença de seu direito. Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu
ao Estado a solução do conflito. Não deseja o ilustre Juiz tola bajulice,
nem esta ação pode ter conotação de incompreensível futilidade. O cerne do
inconformismo é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o
próprio autor, sente tal dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto
incomoda o probo Requerente.

Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade,
ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é homem de notada
grandeza e virtude. Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica
na pretensão deduzida.

Doutor não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas
quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um
doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau, e mesmo
assim no meio universitário. Constitui-se mera tradição referir-se a outras
pessoas de doutor, sem o ser, e fora do meio acadêmico. Daí a expressão
doutor honoris causa - para a honra -, que se trata de título conferido por
uma universidade à guisa de homenagem a determinada pessoa, sem submetê-la a
exame. Por outro lado, vale lembrar que professor e mestre são títulos
exclusivos dos que se dedicam ao magistério, após concluído o curso de
mestrado.

Embora a expressão senhor confira a desejada formalidade às comunicações -
não é pronome -, e possa até o autor aspirar distanciamento em relação a
qualquer pessoa, afastando intimidades, não existe regra legal que imponha
obrigação ao empregado do condomínio a ele assim se referir.

O empregado que se refere ao autor por você, pode estar sendo cortês,
posto que você não é pronome depreciativo. Isso é formalidade, decorrente
do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou incidência de insubordinação.
Fala-se segundo sua classe social.

O brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial a
classe semi-culta, que sequer se importa com isso.

Na verdade você é variante - contração da alocução - do tratamento
respeitoso Vossa Mercê.
A professora de linguística Eliana Pitombo Teixeira ensina que os textos
literários que apresentam altas freqüências do pronome você, devem ser
classificados como formais. Em qualquer lugar desse país, é usual as pessoas
serem chamadas de seu ou dona, e isso é tratamento formal.

Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do nome da
pessoa substitui o senhora senhora e você quando usados como prenome, isso
porque soa como pejorativo tratamento diferente.

Na edição promovida por Jorge Amado Crônica de Viver Baiano Seiscentista,
nos poemas de Gregório de Matos, destacou o escritor que Miércio Táti
anotara que você é tratamento cerimonioso.
Rio de JaneiroSão Paulo, Record, 1999).

Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da
diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, como já se disse. A
própria Presidência da República fez publicar Manual de Redação instituindo
o protocolo interno entre os demais Poderes.

Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso que
se diz que a alternância de você e senhor traduz-se numa questão
sociolingüística, de difícil equação num país como o Brasil de várias
influências regionais.

Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta,
cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o empregado do
condomínio e o condômino, posto que isso é tema interna corpore daquela
própria comunidade.

Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser agasalhado,
mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo ilustre autor,
julgo improcedente o pedido inicial, condenando o postulante no pagamento de
custas e honorários de 10% sobre o valor da causa. P.R.I.
Niterói, 2 de maio de 2005.
ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO
Juiz de Direito

Categoria pai: Seção - Notícias

Jogo sujo na alfabetização

Maior programa educacional do governo é alvo fácil para ONGs desonestas: elas recebem verba da União, não formam turmas nem ensinam a ler e escrever. Fiscalização do ministério é falha e permite irregularidades


Alana Rizzo e Alessandra Mello
Do Estado de Minas

Marcos MichelinEM - 24807

 

 

Maior programa de educação do governo federal, o Brasil Alfabetizado, criado em 2003 para erradicar o analfabetismo no país, se transformou em alvo fácil para organizações não-governamentais (ONGs). Fraudes e irregularidades fazem parte do currículo do programa, que somente no ano passado recebeu R$ 170 milhões da União, sendo que desse total R$ 51 milhões foram parar nas mãos de ONGs. A reportagem percorreu turmas de diversas ONGs cadastradas no Ministério da Educação (MEC) em três estados e no Distrito Federal. O resultado foi o mesmo: endereços falsos e inexistentes, turmas-fantasmas e alfabetizadores que desconhecem o programa ou têm formação precária.

Grande parte dos recursos do programa de alfabetização é comandada pela Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS), ONG criada em 1999 pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), presidida até 2005 pelo atual ministro da Previdência Social, Luiz Marinho. Este ano, ela recebeu R$ 8,2 milhões, mas muitas de suas turmas não funcionam, pelo menos em Recife. No local onde deveria haver uma das turmas da ADS funciona um restaurante self-service. Antes, o imóvel abrigava uma distribuidora de água mineral.

Em Minas Gerais, uma pequena cidade no sul do estado deveria ter reduzido significativamente os índices de analfabetismo com o programa, se ele tivesse sendo cumprido. De acordo com o MEC, o município de Paraisópolis tem 536 alfabetizandos em 42 turmas. Os responsáveis pelo programa na cidade confirmam o funcionamento de apenas nove turmas, mantidas pela Alfabetização Através da Literatura (Alfalit), com sede no Rio de Janeiro, e pela Associação dos Estudantes Secundaristas de Paraisopólis (Asesup). Algumas turmas cadastradas na cidade têm endereço fictício. Uma delas está numa praça pública e outra em um imóvel à venda.

Fantasmas
Com pouco mais de 20 mil habitantes, Paraisópolis deveria ter mais de um terço de seus analfabetos estudando em turmas do Brasil Alfabetizado. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município tem 1.470 analfabetos e o MEC registra que 536 pessoas estariam acompanhando aulas em alguma das 42 turmas do programa. Tarefa difícil é encontrar esses estudantes. A reportagem percorreu endereços das duas ONGs, a Alfalit e a Asesup e encontrou casas fechadas, turmas-fantasmas, endereços errados ou até registrados em nome de outras pessoas.

Em Belo Horizonte, o endereço de uma creche foi usada pela ONG Alfabetização Solidária (Alfasol), fundada pela ex-primeira-dama Ruth Cardoso, em 1997, como sendo de uma das turmas, mas no local, não há curso. Os dirigentes da creche desconhecem a Alfasol e garantem que ela nunca atuou lá. No ano passado, houve aulas de alfabetização organizadas pela própria comunidade, sem recursos federais e nem de ONGs.

Três organizações atuam na cidade, mas apenas uma tem sede na capital. O Instituto Técnico para Educação e Cultura Vanja Orico tem oito turmas cadastradas. Já o Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Betim, região metropolitana, tem cinco e a Associação Alfabetização Solidária (Alfasol), 20. Em um dos endereços registrados pela ONG, na Avenida Gabriela Varela, 580, no bairro Floramar, funciona a entidade Obras Educativas Padre Jiussane. O coordenador de Captação de Recursos, Renato Braga Fernandes, informou nunca ter ouvido falar na ONG Alfasol. “Não temos nenhum curso de alfabetização em andamento. No ano passado fizemos, mas por iniciativa própria”, diz.

Cadastros
De acordo com os dados do MEC, no local deveria funcionar a turma 496.285, que teria aulas de 23 de abril a 21 de dezembro. As aulas seriam de segunda a quinta-feira, das 19h às 21h30. A professora seria Milana Carvalho Ferreira e teria 25 alunos. Nos cadastros da entidade, também constam turmas com endereços errados e em outras cidades da Região Metropolitana de BH. A ONG, com sede em São Paulo, recebeu esse ano R$ 4,3 milhões. A Alfasol iniciou seus trabalhos em 1997 com objetivo de reduzir os altos índices de analfabetismo no país. É uma das entidades que mais têm alunos cadastrados no site do MEC. São mais de 45 mil e 2.560 professores.

Em nota, a assessoria de imprensa da Alfasol informou que mantém na região de Belo Horizonte 20 salas de aula. Todas são periodicamente supervisionadas. No caso citado pela reportagem, a turma se encontra “suspensa, devido à baixa mobilização de alunos, conforme a última atualização realizada junto aos parceiros”.

Na sede da Associação dos Moradores do Conjunto Habitacional Casa Verde, em Betim, Região Metropolitana de Belo Horizonte, deveriam funcionar turmas de alfabetização de jovens e adultos, mantidas com recursos do governo federal. No entanto, a reportagem esteve no local duas vezes, nos horários estipulados de aula, e nenhum aluno foi encontrado. Apenas crianças brincando na quadra e no parquinho da sede. De acordo com cadastro do Ministério da Educação, de segunda a quinta-feira, das 14h30 às 16h30, e das 18h30 às 20h30, 40 analfabetos, divididos em duas classes, deveriam estar aprendendo a ler e escrever, no salão da associação. Mas no local não há o menor sinal da presença de alunos.

No Rio, em Belford Roxo, Baixada Fluminense, a situação se repete, com turmas-fantasmas, endereços inexistentes e alfabetizadores cadastrados em mais de uma ONG. As principais entidades que atuam na cidade são a Alfalit, comanda pelo pastor Marcos Túlio Lobato Ferreira, e a Confederação Brasileira de Mulheres (CBM). Criada 1988 e ligada ao MR-8, ex-organização guerrilheira, a confederação é hoje uma entidade de esquerda, ligada à Secretaria de Mulheres do PT, PDT, PSB e PCdoB, partidos da base do governo. Depois de serem procuradas, algumas entidades alteraram o cadastro e retiraram do site do MEC turmas com problemas. Os dirigentes das associações têm senhas para entrar no site e manter atualizadas as informações.


Cadê a escola que estava aqui?

Sem fiscalização, ONGs recebem dinheiro e gastam como querem. Dados do MEC são defasados

Marcos MichelinEM - 22807

Local que deveria ser uma “escola” de alfabetização em Paraisópolis é uma praça de esportes


Marcos MichelinEM - 24807

Fachada: ONG presta serviços precários, quando presta

 


De acordo com o Ministério da Educação (MEC), o programa Brasil Alfabetizado tem mais de 1,6 milhão de alunos, 85.394 alfabetizandos e 673 entidades parceiras, entre prefeituras e ONGs. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam para mais de 16 milhões de analfabetos no país. Alfabetizar toda essa gente não é tarefa simples e essa é uma das justificativas do governo federal para repassar o trabalho para as ONGs.

A forma como o programa funciona também agrada as entidades. Elas recebem o dinheiro do governo federal direto em uma conta corrente e, a partir daí, o controle acaba. Cada alfabetizador contratado deveria receber R$ 120 por turma, com o mínimo de 10 alunos, e R$ 7 por estudante extra. Alguns professores reclamam que há ONGs que repassam menos. A verba para essas entidades varia de acordo com o número de alunos e alfabetizadores cadastrados. Quanto mais, melhor.

Apesar de o governo disponibilizar no site www.mec.gov.br informações sobre as turmas, faltam dados. Endereços errados ou incompletos, nomes repetidos, desatualizados e incompletos são algumas das falhas mais comuns no cadastro. Em Paraisópolis, por exemplo, consta uma turma na Praça São Benedito, sem número. No local, há uma praça de esportes e moradores afirmam que não há aulas na região. Sem acompanhamento, os dirigentes ficam livres para investir da forma que quiserem.

As ONGs são responsáveis por capacitar os professores, que geralmente são de comunidades carentes e não precisam comprovar nível de escolaridade, mas apenas participar dos cursos. Muitos têm escolaridade precária e nunca passaram por cursos de técnicas de alfabetização.

Também fica por conta das entidades a seleção dos alunos e organização de todo o processo, desde o funcionamento das aulas aos gastos dos recursos. Trinta e dois por cento das turmas funcionam nas próprias casas dos professores. As ONGs são dispensadas até mesmo de encontrar um local para as aulas. A responsabilidade é transferida para os alfabetizadores contratados, que também precisam correr atrás de alunos para formar as turmas.

No último ano, o MEC reformulou o programa com o objetivo de aproveitar melhor os recursos públicos. Além de ampliar o período de alfabetização de seis para oito meses, estabeleceu piso para bolsa oferecida aos alfabetizadores e aumentou o valor dos recursos destinados a estados e municípios. Denúncias de irregularidades no programa levaram a uma auditoria no mês passado. Técnicos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) percorreram 13 estados e 41 municípios.

Foram encontrados indícios de fraudes graves em nove ONGs, que estão com a verba bloqueada. O valor desses convênios é de R$ 4,4 milhões, dos quais a metade já foi gasto. Nenhuma das entidades citadas pela reportagem consta na lista. As demais ONGs foram divididas em grupos: 13 foram liberadas, entre elas, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Betim e a Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS). Mas, segundo o MEC, elas ainda precisam comprovar os resultados do programa. As demais entidades vão passar por uma auditoria mais completa nos próximos meses. (AR e AM)


UM QUADRO NEGRO

16 milhões de pessoas ainda são consideradas analfabetas no país

85.394 estão tentando se alfabetizar

673 entidades são parceiras do programa do governo


Em Pernambuco, endereços fictícios

Muitas turmas sequer funcionam e outras estão registradas em localidades onde os moradores nunca ouviram falar de cursos de alfabetização

Andrea Pinheiro
Diário de Pernambuco

Juliana LeitãoDP

Casa onde deveria ser o local de alfabetização no Recife: ninguém nunca ouviu falar no curso

 


Recife — As histórias de irregularidades do Brasil Alfabetizado se repetem também em Pernambuco, que tem 46 entidades cadastradas no programa e que deveriam alfabetizar mais de 109 mil jovens e adultos, segundo dados do Ministério da Educação (MEC). Desse total, nove atuam em Recife e são responsáveis por 14 mil alunos. Na prática, muitas turmas sequer funcionaram e outras foram interrompidas antes da data prevista, apesar de constarem como efetivas ou em atividade no MEC. E mais grave: vários dos endereços registrados pelo ministério como locais de realização dos cursos de alfabetização são falsos.

É o caso do número 191 da Rua Vinte e Quatro de Maio no centro da capital pernambucana, cadastrado pela Agência de Desenvolvimento Solidário, ONG com sede em São Paulo, criada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1999. Há 20 dias, funciona um restaurante self-service no prédio, que antes abrigava um depósito de água mineral. O lugar, de acordo com o MEC, seria a residência da alfabetizadora Vera Lúcia de Melo Lira, que deveria dar aulas em um dos ambientes da casa. Na vizinhança, ninguém a conhece e também nunca ouviu falar sobre o programa ou sobre aulas para jovens e adultos. A reportagem percorreu outros endereços da lista do MEC e constatou o mesmo problema.

A Prefeitura do Recife é a instituição com o maior número de alfabetizadores cadastrados pelo MEC na cidade — são 363, que atendem a cerca de 10 mil alunos. A Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS) é a terceira maior, com 36 alfabetizadores responsáveis por 42 salas de aulas no Recife. Antes dela, aparece a Confederação das Mulheres do Brasil (CMB), com 53 alfabetizadores em 60 turmas. Nenhuma delas iniciou as atividades.

A estudante de pedagogia Rozália Florêncio Chico é uma das monitoras vinculadas à CMB. De acordo com o cadastro do MEC, as aulas ministradas por ela deveriam acontecer entre janeiro e setembro deste ano. No entanto, não há previsão para começarem e nem local estabelecido para receber os alunos. “Estamos à espera da definição das datas”, conta. Ela também diz que o curso deverá ocorrer numa creche ou no clube de mães do Bairro da Imbiribeira, Zona Sul do Recife. O MEC informa, porém, que ela daria as aulas em sua residência. Registrada no programa como alfabetizadora da ONG Congresso Afrobrasileiro, sediada em São Paulo, Rosenilda nunca ouviu falar da entidade, que só este ano recebeu dos cofres do governo federal R$ 266 mil.


Carências registradas no Rio

Ricardo Miranda
Da equipe do Correio

Rio — Uma das áreas com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e maior concentração populacional do Rio de Janeiro, Belford Roxo, na Baixada Fluminense, é um dos alvos preferidos de ONGs assistencialistas com viés político, como a Confederação das Mulheres do Brasil (CMB). Criada em 1988 e ligada ao MR-8, ex-organização guerrilheira e hoje um incipiente agrupamento de esquerda da qual ainda fazem parte algumas de suas integrantes, a CMB tornou-se no governo Lula uma das porta-estandartes do programa federal de alfabetização de adultos, o Brasil Alfabetizado. No ano passado, o governo repassou recursos para a abertura de 198 turmas no estado, em cidades da Baixada, como Nova Iguaçu, Belford Roxo e Japeri, além de São Gonçalo.

Este ano, está prevista a abertura de 130 turmas, mas segundo Conceição Cassano, coordenadora da ONG no Rio, elas ainda estão “em fase de implantação” — ou seja, muitas ainda não funcionam. Os professores são escolhidos nas próprias comunidades. É o caso de Samanta Lemos Reis, de 21 anos, uma das educadoras voluntárias. Como muitas colegas recrutadas pela CMB, ela só tem o certificado de um recém-concluído curso de magistério do Instituto de Educação de Belford Roxo. Samanta já foi informada de que a sala de aula improvisada terá que mudar de endereço. A creche onde à noite ocorriam as aulas — sempre de 19h às 21h30, de segunda a quinta — requisitou o espaço. Agora, as turmas serão alfabetizadas numa igreja.

Cartilha
Mesmo transtorno vivido pela educadora Kátia Cilene Gerard Pereira Rodrigues, que dá aulas no salão paroquial da Igreja Nossa Senhora de Fátima, no Bairro Santa Luzia. Kátia, que está cursando pedagogia na Universidade Castelo Branco, guarda o escasso material didático — uma cartilha e livros que conseguiu por meio de doações — num armário em sua casa muito simples, onde vive com a mãe e dois filhos.

No tempo livre, ela dá aulas de reforço. Voluntária da Confederação das Mulheres do Brasil, ela diz que já trabalhou para outra ONG, a Alfalit, mas que se desvinculou por exigência da primeira. “Não permitem trabalhar em mais de uma ONG ao mesmo tempo”, diz ela.

No entanto, ela aparece no cadastro do MEC como alfabetizadora da Alfalit, só que o endereço da turma número 476.987 em que ela daria aulas é Avenida Anhanguera, 65 , no salão de uma igreja. Teoricamente, essa turma deveria ter começado as aulas em maio e concluído em dezembro. Já a turma de Kátia Cilene pela CMB era registrada com o número 493.535. Depois de procurada pela reportagem, as informações sobre suas turmas desapareceram do site do MEC.


Há falhas também no DF

Turmas do programa Brasil Alfabetizado que aparecem no site do Ministério da Educação como em funcionamento no Distrito Federal não existem. De acordo com registros do ministério, atualizados até a semana passada, a Associação Comunitária de Saúde, com sede em Sobradinho, tem, de acordo com cadastro do MEC, 1.050 alfabetizandos distribuídos em 21 cursos, que deveriam estar acontecendo.

Em 2004, essa organização não-governamental recebeu R$ 46.728 para a implantação do programa. No ano seguinte, o repasse foi de R$ 98.208 também para a formação de jovens e adultos, além de R$ 972 mil em 2006 para o programa Segundo Tempo do Ministério dos Esportes. Só que nenhuma das turmas de alfabetização está funcionando.

“Não dei aulas”
De acordo com o cadastro do MEC, Jaqueline de Lima Araújo, de 19 anos, dá aulas em duas turmas de 25 alunos cada uma, no Vale do Amanhecer, em cursos que teriam se iniciado em 17 de abril e terminariam em 30 de novembro. Na verdade, ela ministrou aulas no ano passado. Uma de suas turmas tinha 15 alunos, dos quais Jaqueline calcula que somente dois foram efetivamente alfabetizados. “Era um pessoal carente, que entrava e saía com freqüência da aula por causa de trabalho”, conta a ex-professora, que foi alfabetizadora enquanto concluía o terceiro ano do ensino médio.

A Raquel Gomes Targino, de 22 anos, é atribuída uma turma que teria se iniciado em 10 de fevereiro e sido concluída em 10 deste mês. O local de funcionamento seria o Bairro Araponga, em Planaltina. “Não dei aulas este ano”, conta Raquel. No ano passado, ela teve uma turma que começou com 25 alunos — o mesmo número atribuído para a suposta turma deste ano — e terminou com 15, dos quais cerca de 10 conseguiram aprender a ler e escrever. Cada professora recebia R$ 260 mensais por turma de alfabetização.

Documentação
A coordenadora-pedagógica responsável pelos cursos da Associação Comunitária de Saúde, Mara Rúbia de Abreu Lobo, confirma que as turmas da ONG não funcionaram este ano. Segundo ela, no fim de dezembro de 2006, o MEC pediu uma documentação para a associação, e não houve tempo para providenciá-la.

Assim, a ONG ficou fora do programa. “Isso deixou a gente muito chateada”, diz Mara Rúbia. Ela afirma que os cursos dados em 2006 foram feitos com recursos do convênio firmado em 2005. A coordenadora-pedagógica coordena cursos de uma outra entidade, a Associação Positiva de Brasília, os quais, afirma, estão ocorrendo com normalidade. A ONG, que funciona na Quadra 10 de Sobradinho, tem placas anunciando a realização de cursos profissionalizantes.

 

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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