Não estamos a caminho de nada
Especialista critica o plano de metas para a educação
Ana AranhaÉpoca
Reprodução
Para João Batista Araújo e Oliveira, um dos maiores desafios do Brasil é atrair professores qualificados: Nos países onde a educação tem os melhores desempenhos, os professores saem do grupo dos 20% melhores alunos do Ensino Médio. No Brasil, eles são os 10% piores.

Para João Batista Araújo e Oliveira, doutor em Educação pela Florida State University, é cedo para comemorar o crescimento do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O índice pulou de 3,8 em 2005 para 4,2 em 2007. Ex-secretário executivo do Ministério da Educação durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, ele credita esse aumento a manipulações dos municípios e a flutuações estatísticas. Se os gestores da educação não se mexerem, lançando políticas mais ousadas, ele diz que o país nunca vai alcançar a meta projetada para 2022 – 6 pontos no Ideb.

ÉPOCA – O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) foi de 3,8 em 2005 para 4,2, em 2007, antecipando a meta para 2009. Estamos no caminho certo?
João Batista Araújo e Oliveira – Não estamos a caminho de nada, quanto menos o certo. Não se pode dizer que houve melhora da educação, mas sim que houve alguma mudança. O Ideb mistura dois índices: a nota em português e matemática e a aprovação. Assim, você pode ter uma melhora no índice sem melhorar o ensino, apenas aprovando mais alunos. Muitos municípios fizeram isso através da progressão automática (sistema no qual os alunos não repetem).

ÉPOCA – Mas diminuir a reprovação e o abandono não são avanços para a educação?
Oliveira – São avanços, mas não de qualidade. Claro que manter os alunos na escola é importante, mas o Ideb fala de qualidade e isso significa fazer o aluno aprender. O problema não é o índice em si, mas a maneira como ele foi divulgado. O governo fez propaganda do resultado final sem esclarecer qual foi o peso do desempenho e da aprovação. Assim, enviou a falsa mensagem de que a política educacional está sendo corrigida, de que estamos no caminho certo.

ÉPOCA – Municípios estão aprovando mais alunos para aumentar seu Ideb?
Oliveira – Isso foi usado nesse primeiro momento, mas essa mamata é só agora. Depois, quando o índice de aprovação estiver no 90%, não vai ter como continuar fazendo. O problema é que, no momento em que se fez isso, veio a propaganda do governo dizendo que estamos melhorando, passando mensagens equivocadas para as redes de ensino. Teve um estado em que os professores ficaram oito meses em greve e mesmo assim melhorou o Ideb. Eles comemoraram com cartazes na rua, propaganda. Isso é oportunismo político, a divulgação colocou esse tipo de interpretação fantasiosa na mão dos gestores públicos.

ÉPOCA – Há outros modos de se manipular o Ideb?
Oliveira – Depois que a aprovação estiver alta, vai ser vantajoso repetir os piores alunos para que não caiam no ano da prova. Como a Prova Brasil só é aplicada a cada dois anos nas 4ª e 8ª séries, basta repetir os alunos ruins um ano antes da prova, aí eles não serão avaliados. Você perde no índice de aprovação, mas ganha na nota, vale a pena. Toda medida que você associa a uma conseqüência está sujeita a sacanagem. No futuro pode ainda haver mudança de critério, facilitar a prova, mudar a interpretação. É sempre mais fácil melhorar no início, depois que fica difícil, podem aparecer justificativas de que a projeção foi mal ajustada, que precisa dar mais prazo – igual dívida de banco.

ÉPOCA – Não estamos a caminho de cumprir a meta para 2022?
Oliveira – Só se for um milagre, não há uma política consistente para induzir essa melhora. As variáveis-chave, que levaram os sistemas de ensino a melhorar em outros países, não estão traçadas no nosso mapa. Esse resultado que se comemora agora é bastante discutível, é apenas a meta intermediária. E aqui entramos no segundo problema do índice. Além da nota 6 projetada para 2022, o Ideb tem metas que vão aumentando um pouco a cada dois anos. Mas essa melhora progressiva não faz sentido para a educação. Nos países dos Tigres Asiáticos, que tiveram as maiores revoluções na educação nos últimos tempos, as reformas educacionais demoraram a surtir efeito. Mas, quando os resultados apareceram, foi de maneira abrupta. O resultado aparece porque você introduziu uma tecnologia nova, um sistema de livros, de atração dos professores. Não há evolução sem uma intervenção clara por trás. Comemorar o cumprimento das primeiras metas é um equívoco. Os gestores municipais estão achando que, se continuarem a fazer mais do mesmo, os números vão continuar melhorando. Isso é auto-ilusão.

ÉPOCA – Temos o termômetro, mas agora falta o remédio?
Oliveira – Temos um punhado de ferramentas tradicionais que usamos há vinte anos para tentar melhorar a educação. Mas, apesar delas não mostrarem resultado, continuamos usando. O maior exemplo são os programas de capacitação do professor. É pouco simpático falar isso, mas o professor que está aí não deveria nem ter entrado na sala de aula. O que nós precisamos é atrair os talentos para as escolas. Nos países onde a educação tem os melhores desempenhos, os professores saem do grupo dos 20% melhores alunos do Ensino Médio. No Brasil, eles são os 10% piores.

ÉPOCA – O piso salarial dos professores, aprovado este ano, não cumpre essa função?
Oliveira – Não. O valor (R$ 950) é insuficiente para atrair gente boa. Você tem que atrair o jovem que quer comprar carro, casar. Isso, em São Paulo, é de dois a três mil reais. Esse perfil de profissional não está interessado em quanto vai ganhar quando se aposentar, e sim se a carreira é atrativa, se tem promoções, desafios, prestígio, um bom ambiente de trabalho. E as escolas podem ser um ambiente muito mais interessante do que as indústrias, para onde vão os engenheiros. Na escola, 80% dos funcionários com quem se vai conviver têm ensino superior. Mas infelizmente criamos essa idéia de que ser professor é um castigo.

ÉPOCA – A meta, em si, já não deveria ser um estímulo para melhora?
Oliveira – As metas hoje têm mais uma função de mobilização social. Elas ajudam a formar um consenso sobre a importância da educação. Isso é importante e está funcionando. A questão é se elas servem para mudar política pública, para apontar o que está dando certo. Nesse sentido, são muitas as deficiências, tanto no modo como o índice é divulgado, como na avaliação de cumprimento das metas. O que temos, por enquanto, é uma mudança pequena, pode ser uma flutuação estatística, não dá para tomar isso como uma tendência.

Saiba mais