Entrevista - Fernando Haddad
Ministro crê no cumprimento das cinco metas

Fonte: Correio Braziliense, 16032008

Outra escolaFernando Haddad afirma ter fé no ensino público, mas mantém os dois filhos em colégio particular.
 

Fernando Haddad, 45 anos, é bacharel em direito, mestre em economia e doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), onde também é professor. Filiado ao PT, foi chefe de gabinete da Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de São Paulo no governo Marta Suplicy e, antes de assumir a pasta da Educação, em 2005, trabalhou no Ministério do Planejamento. De perfil técnico, Haddad tem dois filhos, matriculados em escola particular. O ministro garante, porém, que não existe preconceito contra o ensino público: “Os pais querem colocar os filhos em boas escolas. Você tem escolas privadas de baixa qualidade e escolas públicas de boa qualidade”, diz. Apesar de reconhecer os indicadores insuficientes da educação, ele diz, em entrevista ao Correio, que é possível mudar o quadro até 2022, desde que todos unam esforços para isso. (PO)

Quatorze anos é um prazo realista para que o Brasil consiga atingir as metas do Todos pela Educação, que se aproximam de dados de primeiro mundo?
É um prazo curto, mas entendemos que é factível se houver intensa mobilização da sociedade e comprometimento da classe política com os objetivos do Plano. O PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação) vem se agregar ao PNE (Plano Nacional de Educação), que fixou metas de caráter quantitativo, sobretudo de atendimento por faixa etária. Já o PDE agrega pela primeira vez no âmbito governamental metas de qualidade, a serem atingidas a partir das avaliações de cada escola pública do país. Hoje nós temos uma radiografia absolutamente pormenorizada do que ocorre em cada escola pública urbana do país, feita pela primeira vez em 2005. Combinamos o desempenho dos estudantes nos exames nacionais com fluxo de cada escola, isso gerou o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e estabelecemos uma trajetória desejável para cada escola e cada rede de 2005 até 2021, com metas intermediárias a cada dois anos. Isso vai dar ao país condição de perceber quais são as estratégias que resultam em melhor aprendizado e também a capacidade de localizar as estratégias que não produzem os efeitos almejados.

Com base nesses diagnósticos, como o senhor define a qualidade da educação pública no Brasil?
Depende de como você a julga. Se nós levarmos em consideração investimento feito por aluno, que é da ordem de R$ 120 por mês, eu diria que alguns sistemas, algumas redes até surpreendem pelo resultado. Infelizmente, hoje nós temos apenas 230 municípios que têm redes públicas de ensino que podem ser consideradas de boa para alta qualidade, um padrão de primeiro mundo. Num universo de 5.560. Ou seja, temos um longo caminho pela frente.

Mas no geral, pensando nos mais de 5,5 mil de municípios, o senhor acha que a qualidade está razoável, ruim ou péssima?
Eu tenho evitado esse tipo de comentário porque penso que é injusto com a escola pública brasileira tratar os diferentes como igual. É evidente que a nossa meta está muito aquém do nosso potencial. Mas também, é notável que algumas redes, inclusive de regiões pobres do país, conseguiram atingir indicadores bastante satisfatórios de qualidade, e servem de exemplo para todo o país.

O que dá certo na educação pública?
São as 28 diretrizes estabelecidas no plano. O plano não é apenas de metas, ele estabelece metas, mas arrola uma série de diretrizes que deveriam ser observadas para que fossem atingidas. O que não detalha, e não é papel dele detalhar, são as estratégias. Definidas as diretrizes e as metas, cabe a cada rede municipal ou estadual estabelecer a sua estratégia para atingir essas metas.

O Brasil comemora a universalização do ensino dos 7 aos 14 anos de idade, mas os percentuais referem-se às matrículas, e não à conclusão. Por que os alunos saem cedo da escola e o que está sendo feito para garantir a permanência do estudante na sala de aula?
Não nos interessa só a matrícula, interessa essa freqüência e o aprendizado. E o Ideb reflete essa preocupação com a presença da criança na escola e a efetividade do aprendizado. Todos os programas do MEC estão voltados para esse desafio. Desde o programa de formação de professores, que, pela primeira vez, a União assume como responsabilidade sua — o que era delegado a estados e municípios passa a ser responsabilidade da União — até programas voltados para o apoio à permanência do aluno na escola, como foi, por exemplo, a extensão da merenda da creche ao ensino médio, que estava concentrada no ensino fundamental, e pagávamos 50% do per capita para a pré-escola, e hoje é um per capita só da creche ao ensino médio. Por absurdo que pareça não tínhamos um programa de livro didático no ensino médio. Então, nós estamos procurando atender da creche ao ensino médio, toda a educação básica com todos os programas de apoio, seja ao estudante seja ao professor, inclusive com a criação do piso nacional do magistério.

Em relação ao ensino médio, o acesso ainda é baixo. O ensino público brasileiro não está conseguindo atrair os jovens?
A questão do ensino médio tem de ser bem analisada. De fato, o que está acontecendo é que não tem havido uma melhoria de fluxo nos anos finais do ensino fundamental. Se tomarmos o número de jovens de 15 a 17 anos matriculados na educação básica como um todo, vamos ver que esse número é crescente ano a ano, embora nos últimos anos nossa capacidade de incremento tem sido baixa porque há uma série de questões socioeconômicas que vão desde gravidez precoce até a necessidade do jovem trabalhar para ajudar a família. Mas se quisermos melhorar esses indicadores, nós teremos que melhorar o fluxo nos anos finais do ensino fundamental.

É possível melhorar os indicadores dos alunos que hoje já estão em séries avançadas? Porque as metas e planos estão apenas começando.
Primeiro incluímos a educação de jovens e adultos no Fundeb. Ela foi excluída do antigo Fundef por veto. Hoje, não. O Fundeb remunera a matrícula de jovens e adultos. Segundo, uma medida importante é a articulação da educação de jovens e adultos com a educação profissional. Porque é o que mantém o jovem com uma certa defasagem na escola, é a perspectiva da educação vocacional.

Pesquisas mostram que os professores ganham mais que a média salarial brasileira, e que não há, necessariamente, uma relação do incremento do salário à melhoria da qualidade da educação. Não existe corporativismo da classe ao dizer que o ensino só vai melhorar quando aumentarem os salários?
Não há da parte da categoria um sentimento corporativo. Estamos em um país em que 50% do magistério ganha menos que o piso proposto pelo governo, de R$ 950. É um absurdo que metade do magistério ganhe menos do que isso, no meu ponto de vista. Nós temos que pensar a carreira não só no curto, mas no longo prazo, atraindo talentos. Se quisermos superar o subdesenvolvimento educacional, temos que dar condições dignas para que o professor possa exercer a profissão e estamos muito felizes com o fato de, segundo o IBGE, a categoria dos professores ser a que teve maior aumento de salário do primeiro mandato do presidente Lula. Entre setembro de 2003 e setembro de 2006, a categoria teve um aumento médio de 39%, contra uma inflação de 17%.

Alguns especialistas alegam que falta uma cobrança de resultados mais efetivos aos professores. O que pode ser feito?
Isso vai ser um dos temas de discussão do projeto de lei das diretrizes de carreira. Temos que ter um estágio probatório regulamentado. Entendo que o estágio probatório é um expediente muito importante e que não está sendo utilizado adequadamente e queremos debater com o Congresso Nacional o estabelecimento de regras claras em relação à entrada na carreira. Penso que o jovem que se formou numa licenciatura está habilitado para iniciar o exercício do magistério. Mas a entrada na carreira, a partir do estágio probatório, é algo que temos que cuidar para que realmente as pessoas vocacionadas para o magistério sejam aquelas que ingressem. Isso não é demérito para ninguém. O estágio probatório é um expediente aceito pela categoria, é eficaz quando bem feito, e disciplina a efetivação na carreira do magistério de uma maneira a garantir que o processo de ensino e aprendizagem vai se dar por profissionais de comprovada competência técnica.

Por que o governo Lula não se movimentou para derrubar o veto do ex-presidente FHC ao artigo do Plano Nacional de Educação que elevava os investimentos em educação para 7% do PIB?
É mais fácil aprovar uma nova lei que derrubar um veto no Congresso Nacional por uma série de questões regimentais. O que nós temos que estabelecer não é apenas o patamar mínimo de investimento do PIB em educação, nós temos que dividir as responsabilidades para alcançar esse percentual. O PDE impõe somente à União 0,7% do PIB de acréscimo. Nós temos que contar agora com a contrapartida de estados e municípios que se atingirem esse patamar, nós vamos beirar os 6% de investimento do PIB em educação. Até o final do plano plurianual 2008-2111. Nós temos que não apenas aumentar o investimento, mas combinar com a melhoria dos indicadores. Nós educadores temos que ter a consciência de que a um maior investimento tem de corresponder a melhoria da qualidade das escolas públicas. E é o que o PDE pretende, fazer essa combinação.

A vinculação da votação da DRU (Desvinculação dos Recursos da União) e da CPMF sinaliza que a educação não está sendo levanda tão a sério como política de estado?
Fizemos um bom debate no Congresso, o ministro Guido empenhou sua palavra que, aprovada a CPFM, revincularia os recursos retirados da educação em 1994 que até hoje não foram repostos. Eu já disse ao ministro Guido que nós do MEC e da sociedade civil organizada em prol da educação vamos nos mobilizar durante a tramitação da reforma tributária para recolocar o debate da revinculação. Isso está dito de ministro para ministro.

O senhor estudou em escola pública?
Não.

Os seus filhos já estudaram em escola pública?
Não.

Do jeito que a educação está, o senhor colocaria seus filhos na escola pública hoje?
Colocaria.

Então por que o senhor não os colocou?
Eu não penso que o debate se dá em torno da escola pública e da privada. A minha percepção hoje é que os pais querem colocar em boas escolas e é natural que seja assim. Você tem escolas privadas de baixa qualidade e escolas públicas de boa qualidade. Se perto da sua casa tem uma escola pública de qualidade, você matricula seu filho. E é assim que as pessoas tendem a se comportar daqui para frente. Meu pai não estudou nem em escola pública nem privada, ele nunca freqüentou escola. Eu estudei na escola mais perto da minha casa, um primário e ginásio perto da minha casa. O que eu vejo é que em cidades que conseguiram atingir o patamar de qualidade na escola pública, os pais matriculam na escola pública. Não vejo que haja um preconceito da classe média em relação à escola pública. O que existe é um conceito contra a baixa qualidade do ensino, o que é absolutamente legítimo.

O senhor não acha que é senso comum que a escola particular é sempre melhor, ainda que isso não seja verdade?
Isso pode ter sido construído no imaginário da sociedade, mas começou a ser desfeito a partir do momento em que começamos a divulgar os dados por escola.


Categoria pai: Seção - Entrevistas

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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