Vito Manzolillo (UNESA)

O entrevistado deste volume é o Professor Evanildo Bechara, bem conhecido da comunidade científica luso-brasileira, que dispensa maiores apresentações. Professor Titular e Emérito da UERJ e da UFF, membro da ABF e da ABL, sócio-correspondente da Academia de Ciências de Lisboa e Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, o professor Bechara é autor da Moderna Gramática Portuguesa e da Gramática Escolar da Língua Portuguesa, além de várias outras obras. Na tarde do dia 23.02.2005, fui gentilmente recebido por ele em sua sala da Academia Brasileira de Letras, instituição na qual exerce o cargo de Secretário-Geral. A conversa que tivemos na ocasião aparece reproduzida abaixo.

Vito Manzolillo – Para começar, o senhor poderia nos falar um pouco a respeito do trabalho que desenvolve atualmente na ABL?

Evanildo Bechara – Na ABL, desenvolvemos algumas atividades. A primeira delas é enfatizar, no seio da instituição, o compromisso do cultivo da língua como preceitua o artigo primeiro do nosso estatuto. Neste sentido, com o apoio do plenário, inauguramos uma coleção intitulada Antônio de Morais Silva, onde serão publicados estudos sobre língua portuguesa. A coleção foi inaugurada com os Estudos Filológicos, de Antenor Nascentes, e agora está prestes a sair a obra Fatos da Linguagem, de Heráclito Graça, e um levantamento de todos os artigos sobre língua portuguesa que saíram nas revistas da Academia. Outra atividade é enfatizar o trabalho e a atividade da primitiva comissão de Lexicografia que agora, por nossa sugestão, passa a ampliar os seus objetivos com o título de Comissão de Lexicologia e Lexicografia. Neste caso, a comissão abre os horizontes não só para a atividade lexicográfica mas também para os estudos do léxico português. Neste sentido, serão publicados, originais ou traduzidos, trabalhos dos mais conceituados pesquisadores no domínio da história do léxico português e brasileiro, etimologia, história de palavras etc. Atualmente, estamos elaborando um dicionário escolar com cerca de 30.000 verbetes e levantando o corpus literário e não literário que integrará o dicionário normativo da língua portuguesa no Brasil.

VM – Ainda falando da Academia, que trâmites devem ser seguidos por aqueles que desejam se tornar acadêmicos?

EB – Na realidade, não há um ritual preestabelecido. A Academia tem procurado ser, seguindo as intenções dos seus fundadores, uma casa de notáveis e não apenas de notáveis na literatura. Ela procura reunir os nomes representativos das artes, das ciências, do direito, da medicina etc. e isso às vezes o público não entende quando sai vitorioso das eleições um notável que não é ligado às letras. Primeiro, a existência da vaga. Depois, a inscrição para a vaga. Antes de procurar a vaga, fazer uma sindicância discreta no sentido de ver se a presença dele será bem recebida na Academia, isto é, se conta com votantes dentro da Academia. Depois, ele manda para os acadêmicos um currículo acompanhado de alguns dos seus livros e começa a freqüentar as reuniões públicas da Academia até o dia da eleição.

VM – Na sua opinião, no Brasil de hoje, vale a pena ser professor?

EB – Ser professor vale a pena em todos os momentos de uma sociedade. Só lamentamos é que a sociedade e os seus representantes nas posições de comando não tenham tentado executar uma política de educação que estimule a colaboração de mais jovens, preparados e estimulados ao exercício do magistério. Todavia, a sociedade caminha por uma trilha tão perigosa hoje em dia que a pouco e pouco se vai convencendo de que só pela educação, no sentido amplo da palavra, encontrará uma saída honrosa e um futuro promissor.

VM – Como o senhor se sente ao saber que, em nosso País, seu nome representa referência inquestionável no âmbito dos estudos lingüísticos?

EB – A consciência permanente da responsabilidade que colegas e alunos me atribuem e, por isso, não paro de estudar. Conviver com colegas competentes e, na medida do possível, tentar pôr em letra de forma toda essa convivência, alicerçada por uma constante leitura.

VM – Gramático, lingüista ou filólogo, como o senhor se definiria?

EB – Na realidade, a preocupação com saber mais e melhor orientar a si mesmo e aos seus alunos fica difícil ao estudioso encerrar-se na condição de gramático, de filólogo e de lingüista. Sem procurar comparar-me com os seguintes modelos, seria difícil a um Said Ali, a um João Ribeiro, a um Sousa da Silveira, a um Ismael de Lima Coutinho, a um Serafim da Silva Neto, a um Mattoso Câmara Jr., a um Sílvio Elia, a um Celso Cunha, a um Gladstone Chaves de Melo classificar-se apenas como gramático ou filólogo ou lingüista. Na realidade, segundo as circunstâncias, procuramos ser tudo isso. Como disse bem Ferdinand de Saussure, o ponto de vista é o que cria o objeto.

VM – Como o senhor sabe, o CiFEFiL, responsável pela publicação da revista Philologus, é uma das poucas instituições nacionais dedicadas à divulgação e à promoção da Filologia. No seu ponto de vista, o que significa ser filólogo hoje em dia?

EB – Ser filólogo hoje, no Brasil, é procurar repetir a lição desses autores citados atrás, de portugueses como Leite de Vasconcellos e Epifânio Dias e responder como Gaston Paris. Quando lhe perguntaram que é Filologia, respondeu: Filologia é o que eu faço. Infelizmente, devemos perder o medo de não acertar o passo com as últimas novidades no mundo da ciência. Para a ciência e para a satisfação pessoal do pesquisador, deve-se fazer aquilo de que gosta e aquilo em que confia. O fato de uma disciplina ser nova não significa que detenha a verdade e que vem para desbancar o que a ciência já conhece. O problema é fazer bem o que se faz.

VM – Em algumas instituições superiores da área de Letras, a Filologia não constitui disciplina obrigatória do curso. Na sua opinião, tal fato prejudica a formação do profissional?

EB – Toda ausência de disciplina contribui para diminuir a visão panorâmica que deve ter o professor e o aluno de Letras. Hoje, se retira Filologia; amanhã, a Estilística e assim dentro de pouco sobrará quase nada para a formação integral do aluno de Letras.

VM – Ultimamente, assunto bastante comentado, na esfera dos estudos lingüísticos, é a questão dos estrangeirismos. O que o senhor tem a nos dizer a respeito?

EB – O problema do estrangeirismo tem sido muito mal focalizado. O estrangeirismo não é um problema lingüístico; é um problema de política do idioma e de educação lingüística. Assim sendo, estão mal formuladas questões do tipo: o estrangeirismo é um inimigo da língua, o estrangeirismo macula a pureza do idioma. O que devemos evitar é o estrangeirismo desnecessário por ter sucedâneo à altura.

VM – Para finalizar, o que achou da iniciativa do CiFEFiL de passar a incluir entrevistas na revista Philologus?

EB – É louvável a seção de entrevistas numa revista do gênero por dois motivos: primeiro, revela o pesquisador como pessoa e, em segundo lugar, quando há oportunidade, como conselheiro direto ou indireto porque fala da sua experiência, dos seus mestres, do seu trabalho, enfim. E é sempre bom ver o que os mais velhos fizeram de bom e de ruim para seguir o bom modelo e evitar as deficiências. Na revista Confluência, temos apresentado opinião de antigos alunos, hoje professores eminentes, falando dos seus professores de ginásio quando eles se chamam Antenor Nascentes, Quintino do Vale, Aurélio Buarque de Holanda, José Oiticica.

 

 

Categoria pai: Seção - Entrevistas

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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