O sociólogo italiano Domenico Di Masi enfatiza que uma escola feliz
deve preparar os jovens também para o tempo livre


Domenico Di Masi diz que o trabalho do professor já é um prazer por si mesmo

 

O professor italiano, sociólogo do trabalho e escritor Domenico Di Masi tem dito em suas palestras pelo mundo afora que a escola prepara as pessoas para serem tristes. É, sem dúvida, uma fala audaciosa que tem mexido com os cânones do magistério. Como os professores podem se sentir realizados com seu trabalho, formando pessoas para a tristeza? Como fazer do exercício do magistério uma atividade de e para o prazer? São algumas das perguntas formuladas por Folha Dirigida ao autor de “O ócio criativo” e “Sociedade sem trabalho”, entre outros livros que pregam a importância da preguiça e o dever do ócio a milhares de leitores espalhados pelo mundo.

Nesta entrevista, a única em que aborda exclusivamente o trabalho do magistério, ele diz que o trabalho do professor é “o mais lindo” e privilegiado que existe, por se tratar de uma atividade de estímulo à convivência criativa. Entre os conteúdos fundamentais para um bom trabalho, Domenico aponta a vocação estética e ética, sem as quais o professor não poderá desempenhar bem o seu trabalho. Em relação a salário, na contramão da maioria que amarga as dificuldades impostas pela baixa remuneração, ele diz que não é essencial à qualidade do serviço:

— É importante para dar uma certa tranqüilidade, mas não é fundamental — afirma.

Mas quando o assunto é pesquisa, o trovador da preguiça torna-se um radical e diz que ela é “a vida do professor”. Para ele, não é possível uma faculdade de Pedagogia abrir mão do ensino sistemático da Metodologia da Pesquisa e da Filosofia do Conhecimento. Veja a entrevista:

Folha Dirigida — Como o professor pode transformar seu trabalho numa atividade de prazer e confundi-lo com o lazer?
Domenico Di Masi — O trabalho do professor já é um grande prazer, porque consiste na troca de idéias com os jovens. Cada ano o professor ganha um ano a mais, e os estudantes têm sempre 20 anos. E isso é uma jóia extraordinária que o professor tem a sua disposição. A atividade do professor trata-se de um trabalho intelectual com jovens, e a programação é completamente autônoma, independente. Isso não pode, de maneira alguma, ser uma dor, um sacrifício. O trabalho do professor já é um prazer por si mesmo. É o trabalho mais lindo que existe. O ensino é a prática mais bela.

Folha Dirigida — As pedagogias estão estruturadas de forma a tornar possível este prazer na atividade do magistério?
Domenico — Claro! O meu trabalho, por exemplo, é estruturado com lições e aulas para todos, mas os trabalhos são para pequenos grupos e estimulam muito o uso da internet. Tenho um sítio na internet onde todo jovem pode conversar entre si e também falar comigo, conversar com os próprios pais, discutir com outros professores, discutir sobre os problemas da universidade, e também sobre cinema e televisão.

Folha Dirigida — O senhor tem dito em suas palestras que a escola é um lugar triste e que prepara para a tristeza. Por quê?
Domenico — Tudo na escola é triste porque prepara o jovens sobretudo para o trabalho. Veja bem, para um jovem de 20 anos a vida é feita muito mais de tempo livre do que de trabalho. O trabalho é um sétimo da vida. Então a escola não deve preparar para um sétimo da vida, mas deve preparar para toda a vida. Tem que preparar para o tempo livre: como escolher um filme, como escolher um livro, como tirar férias, como fazer amor, como viver e como ser cidadão. Se a escola parar de educar só para o trabalho e educar para a vida, automaticamente se tornará uma escola feliz.

Folha Dirigida — O que diferencia o trabalho do professor das demais atividades?
Domenico — O que há de específico no trabalho do professor é que seu compromisso é estudar, aprender, ensinar e viver.

Folha Dirigida — Quais instrumentos são imprescindíveis, para que o professor desenvolva seu trabalho com qualidade?
Domenico — Sobretudo a cultura, mas também a vocação ao aprendizado, o amor pela vida, o amor pelo estudante.

Folha Dirigida — O salário é fundamental para exercer o magistério com qualidade?
Domenico — Não, não é fundamental. É importante para dar uma certa tranqüilidade, mas não é este o problema. A qualidade do ensino consiste no fato de que o professor tenha realmente a vocação para ensinar. O ensino não pode ser uma coisa secundária na vida, tem que ser toda a vida de um professor.

Folha Dirigida — Quais as relações do prazer com a competência profissional?
Domenico — A competência te dá segurança e a segurança é um prazer, é uma das formas de prazer. Por isso é importante desenvolver a competência. Mas, infelizmente, hoje a competência não é adquirida por todos. Mas ela pode ser continuamente reciclada.

Folha Dirigida — Diferentemente dos países europeus, no Brasil os professores de educação infantil têm os salários mais baixos e na hierarquia do magistério, são em todos os níveis os que gozam de menor prestígio. O que acha desse desnível no magistério brasileiro?
Domenico — Quase sempre na sociedade capitalista os trabalhos mais complicados, mais difíceis e mais perigosos são os mais desvalorizados. O mesmo acontece na escola. É muito mais difícil ensinar para as crianças pequenas do que ensinar ao estudantes universitários, então os professores da educação infantil deveriam ser melhor remunerados É tudo ao contrário, é o paradoxo da sociedade capitalista.

Folha Dirigida — A pesquisa é, de fato, fundamental no exercício do magistério?
Domenico — A pesquisa é a vida do professor. Naturalmente, se é fundamental na vida do professor, é preciso que ele aprenda, de fato, a metodologia da pesquisa, a ética da pesquisa durante os seus estudos universitários. Não pode existir uma faculdade de Pedagogia sem essa epistemologia, sem a metologia da pesquisa e a filosofia do conhecimento.

Folha Dirigida — No Brasil, os trabalhadores de educação têm se organizado em sindicatos únicos. Como avalia essa tendência?
Domenico — Poderia ser até uma maneira de os professores serem mais solidários com os outros grupos sociais. Mas é ambivalente, porque pode ser também uma forma de tirar a identidade do professor.

Folha Dirigida — Os bens culturais são mais necessários ao professor do que aos integrantes das demais categorias profissionais?
Domenico — Sim, é óbvio, porque o professor tem que se aprimorar continuamente, atualizar-se sempre. Não pode ensinar se antes não aprendeu. A atualização, os livros, os filmes, o teatro, a música são fundamentais, tanto como para um escultor é fundamental o mármore.

Folha Dirigida — O que é essencial para um bom desempenho como professor?
Domenico — O professor tem que aprender sobretudo como se aprende. É muito importante que o professor tenha uma forte vocação estética e ética.

Folha Dirigida — Como vê o crescimento da oferta de cursos não presenciais?
Domenico — Eu acredito que precise de uma forte integração e uma parte da formação tem que ser feita presencialmente. Mas tudo isso está em fase de experimentação. A internet ainda é uma coisa nova. Mas eu estou muito satisfeito com a possibilidade de integração entre internet e escola.

Folha Dirigida — Considera a prova fundamental para medir o conhecimento?
Domenico — Não é o mais fundamental, mas é uma das coisas fundamentais. O que é absolutamente fundamental é a pedagogia. Se ensina-se bem, é claro que o exame é importante, porque estimula o jovem a ter prazos. Mas não é o essencial. Pode até não fazer a prova, mas não se pode minimizar a pedagogia. O problema da escola elementar brasileira não é não ter a prova, mas é que não tem qualidade. Sem qualidade, o resultado é sempre o mesmo. O importante é que a escola seja boa, de qualidade. Hoje a escola privada no Brasil é bem feita, mas a escola pública não. A escola particular é bem feita não proque existe provas, mas porque tem uma boa pedagogia.

Folha Dirigida — O que se pode esperar de um país com elevado número de analfabetos?
Domenico — O não desenvolvimento. Nenhum país pode se desenvolver com o analfabetismo. Aliás, hoje nem basta saber ler e escrever. Precisa saber o Inglês e também a internet.

Folha Dirigida — Como avalia a grande concorrência pelo vestibular existente no Brasil?
Domenico — Ganham sempre os ricos, porque vêm das melhores escolas. É uma aberração e sei que aqui no Brasil existe isso. As escolas elementares, são melhores as privadas, as universidades, são melhores as públicas. Mas visto que o custo do ensino na escola privada é muito alto, no final o acesso às pública é só para os ricos.

Folha Dirigida — É essencial que o ensino seja público e gratuito?
Domenico — O ensino é como o ar, é como a água, é como o sol, não se pode subordinar à riqueza. Tem que ser subordinado à capacidade do jovem. A escola tem que ser pública, gratuita e exigente.

Folha Dirigida — O senhor costuma dizer que a escola deve educar para o ócio. Por quê?
Domenico — A escola deve educar um sétimo para o trabalho e seis sétimos para o ócio, em função do ócio, porque o ócio é os seis sétimos da vida, é a essência da vida. Atualmente a escola ensina só a trabalhar, como se trabalha, e ninguém nos ensina o tempo livre. O tempo livre que poderia ser o tempo do gozo, da jóia, da criatividade, vira o momento da violência, do tédio, da droga.

Folha Dirigida — A sociedade industrial sobrevive ao ócio?
Domenico — Não, é o ócio que sobrevive à sociedade industrial.

 
Categoria pai: Seção - Entrevistas

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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