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A Educação de Jovens e Adultos nas décadas de 1920 a 1950 no Brasil
Celina Cassal Josetti
Rosi Valéri Correa Araújo
1. Que Brasil é esse que não lê?
1.2 Retrospectiva histórica
Nesse segmento do trabalho, pretende-se refazer o percurso histórico das iniciativas governamentais mais expressivas no que diz respeito à afirmação da responsabilidade com a educação popular entre a década de 20 e 50 do século XX. Esses subsídios servirão para aprofundar nossa reflexão sobre o tema.
Os índices de alfabetização dos brasileiros desde a independência, sempre alimentaram acalorados debates políticos. Na virada do século, situavam-se de um lado, os liberais republicanos que defendiam uma sistematização que partisse do poder central, de outro, havia as forças oligárquicas não concordavam. Setores urbanos também se organizavam para cobrar ações do Estado republicano. Nesse contexto, Hilsdorf aponta:
(...) a questão da escolarização permaneceu como um fator de extrema importância para as oligarquias que estiveram no poder, durante a Primeira República, ela foi crucial também para os trabalhadores, mas nos seus termos: as reivindicações destes, a educação escolar precisava estar acompanhada de transformações materiais, distribuição de riquezas, justiça e igualdade, pontos que não constavam da agenda republicana. (HILSDORF, p. 71)
Somente na última década do século XIX, é que, em São Paulo, nasce desse embate entre as forças liberais e as oligárquicas uma proposta de sistematização do ensino primário, em outras palavras, erigiu-se um modelo de escola primária que seria referência até a metade do século XX: o grupo escolar. Republicanos paulistas conseguem, enfim, promover a construção de prédios, por vezes, suntuosos, destinados à escola pública para, assim, romper com o passado imperial. A idéia de renovação republicana vem associada à educação popular, implementando-se o ensino simultâneo em classes graduadas, eis o modelo que sintetizava um projeto político civilizatório para a nação brasileira, o que serviu de referência para os demais estados. De acordo com Souza:
Em meados do século XX, os grupos escolares se haviam tornado a modalidade de escola primária predominante no país, acompanhando o processo de urbanização e democratização do ensino público. (...) Educadores paulistas foram contratados por governos de vários estados para participarem do processo de reorganização da instrução pública.(SOUZA, p. 118 e 119)
Em 1926, Fernando de Azevedo assume publicamente em artigos publicados no Estado de São Paulo uma atitude bastante crítica em relação à idéia de modernização e civilização veiculada pelos paulistas. Essa postura está materializada no “Inquérito sobre a Instrução pública”, o que repercutirá nas políticas públicas do Estado Novo.
A nova realidade brasileira passou a exigir uma mão-de-obra especializada e para tal era preciso investir na educação. Sendo assim, o Governo Provisório, que assumiu o poder em fins de 1930, promove uma nova atitude em relação à escolarização do povo: cria-se o Ministério da Educação e Saúde Pública, cuja ação logo se fez perceber, Saviani (2004, p.31) destaca que “(...) o ministro da Educação e Saúde Pública, já em abril de 1931, baixou um conjunto de seis decretos organizando o ensino secundário e as universidades brasileiras ainda inexistentes, conhecidos como reforma Francisco Campos.” Dentre as seis, destacamos três das principais medidas:
va criação do Conselho Nacional de Educação
(Decreto nº 19.850 de 11/04/31);
vorganização do ensino superior no Brasil
(Decreto nº 19.851 de 11/04/31) e
vorganização da Universidade do Rio de Janeiro
(Decreto nº19.852 de 11/04/31).
Em 1934, a nova Constituição (a segunda da República) dispõe, pela primeira vez, que a educação é direito de todos, devendo ser ministrada pela família e pelos Poderes Públicos. Ainda em 1934, por iniciativa do governador Armando Salles Oliveira, foi criada a Universidade de São Paulo. A primeira a ser criada e organizada segundo as normas do Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931.
Em 1935 o Secretário de Educação do Distrito Federal, Anísio Teixeira, cria a Universidade do Distrito Federal, com uma Faculdade de Educação na qual se situava o Instituto de Educação.
O ensino primário também configurou-se obrigatório e gratuito nas escolas públicas. Já o ensino de segundo grau, posterior ao primeiro, também chamado de ensino médio, para jovens de doze anos ou mais, compreendia cinco ramos. O ensino secundário tinha o objetivo de formar “individualidades condutoras”, pelo próprio ensino nele ministrado e pela preparação para o ensino superior. Os demais ramos tinham a finalidade de formar força de trabalho para os principais setores da produção: o ensino industrial, o ensino comercial, o ensino agrícola e o ensino normal – este para a formação de professores para o ensino primário.
Nessa época, refletindo tendências fascistas, a orientação político-educacional para o mundo capitalista fica bem explícita ao sugerir a preparação de um maior contingente de mão-de-obra para as novas atividades abertas pelo mercado. Dessa forma, a nova Constituição enfatiza o ensino pré-vocacional e profissional. Por outro lado, propõe que a arte, a ciência e o ensino sejam livres à iniciativa individual e à associação ou pessoas coletivas públicas e particulares, tirando do Estado o dever da educação. Mantém, ainda, a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário e dispõe como obrigatório o ensino de trabalhos manuais em todas as escolas normais, primárias e secundárias. Esta época marca uma grande distinção entre o trabalho intelectual, para as classes mais favorecidas, e o trabalho manual, enfatizando o ensino profissional para as classes mais desfavorecidas. Ainda assim, é criada a União Nacional dos Estudantes - UNE e o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – INEP.
Em 1942, por iniciativa do Ministro Gustavo Capanema, são reformados alguns ramos do ensino. Estas Reformas receberam o nome de Leis Orgânicas do Ensino, e prescreviam a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI); regulamentava o ensino industrial e o ensino secundário; a obrigatoriedade dos estabelecimentos industriais empregarem um total de 8% correspondente ao número de operários e matriculá-los nas escolas do SENAI; e que as empresas oficias, com mais de cem empregados, eram obrigadas a manter, por conta própria, uma escola de aprendizagem destinada à formação profissional de seus aprendizes.
O ensino ficou composto, neste período, por cinco anos de curso primário, quatro de curso ginasial e três de colegial, podendo ser na modalidade clássico ou científico. O ensino colegial perdeu o seu caráter propedêutico, de preparatório para o ensino superior, e passou a preocupar-se mais com a formação geral. Apesar desta divisão do ensino secundário, entre clássico e científico, a predominância recaiu sobre o científico, reunindo cerca de 90% dos alunos do colegial (Piletti, 1996: 90).
Ainda no espírito da Reforma Capanema é baixado um Decreto-lei regulamentando o ensino comercial. Porém, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC só é criado em 1946, após, portanto o Período do Estado Novo.
Em 1944 começa a ser publicada a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, órgão de divulgação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos - INEP.
O fim do Estado Novo consubstanciou-se na adoção de uma nova Constituição de cunho liberal e democrático. Esta nova Constituição, na área da Educação, determina a obrigatoriedade de se cumprir o ensino primário e dá competência à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Além disso, a nova Constituição fez voltar o preceito de que a educação é direito de todos, inspirada nos princípios proclamados pelos Pioneiros, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, nos primeiros anos da década de 30.
Em 1946, acontece a promulgação das leis orgânicas do ensino primário e ensino normal, tendo como finalidades do ensino primário: proporcionar a iniciação cultural que a todos conduza ao conhecimento da vida nacional, e ao exercício das virtudes morais e cívicas que a mantenham e a engrandeçam, dentro de elevado espírito de fraternidade humana; oferecer de modo especial, às crianças de sete a doze anos, as condições de equilibrada formação e desenvolvimento da personalidade; e elevar o nível dos conhecimentos úteis à vida na família, à defesa da saúde e à iniciação no trabalho. O ensino normal, como ramo do ensino do segundo grau, foi criado com o objetivo de promover a formação do pessoal docente necessário às escolas primárias; habilitar administradores escolares destinados às mesmas escolas; e desenvolver e propagar os conhecimentos e técnicas relativas à educação da infância.
Baseado nas doutrinas emanadas pela Carta Magna de 1946, o Ministro Clemente Mariani, cria uma comissão com o objetivo de elaborar um anteprojeto de reforma geral da educação nacional. Esta comissão, presidida pelo eminente educador Lourenço Filho, era organizada em três subcomissões: uma para o Ensino Primário, uma para o Ensino Médio e outra para o Ensino Superior. Em novembro de 1948 este anteprojeto foi encaminhado a Câmara Federal, dando início a uma luta ideológica em torno das propostas apresentadas. No primeiro momento, as discussões estavam voltadas às interpretações contraditórias das propostas constitucionais. No momento posterior, após a apresentação de um substitutivodo Deputado Carlos Lacerda, as discussões mais marcantes relacionaram-se à questão da responsabilidade do Estado quanto à educação, inspirados nos educadores da velha geração de 30, e a participação das instituições privadas de ensino.
Já em 1947, aconteceu o planejamento geral da Campanha de Educação de Adultos, promovida pelo Ministério, com a cooperação de todos os Estados e Territórios e do Distrito Federal definiu os seguintes objetivos: instalação e funcionamento de dez mil classes de ensino supletivo, para adolescentes e adultos analfabetos; estímulo ao voluntariado, seja individual, para ensino de um analfabeto ou pequeno grupo de analfabeto, seja por parte de associações, para ensino de grupos mais numerosos; persistente esclarecimento do público quanto à necessidade de instruir e educar as grandes massas de adolescentes e adultos analfabetos do País.
Em 1948, uma comissão composta por diferentes setores da educação, criou e encaminhou à Câmara uma proposta de estatuto para o ensino. Ela serviu de referência para o projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que só viria a ser promulgada bem mais tarde. Depois de treze anos de acirradas discussões, foi promulgada a Lei 4.024, em 20 de dezembro de 1961, sem a pujança do anteprojeto original, prevalecendo as reivindicações da Igreja Católica e dos donos de estabelecimentos particulares de ensino no confronto com os que defendiam o monopólio estatal para a oferta da educação aos brasileiros.
Ratificando as afirmações sobre o percurso da educação ao longo do século XX, é importante destacar um trecho do discurso feito pelo então, ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, durante cerimônia em comemoração aos 70 anos do MEC, no Palácio do Planalto, em 14/11/2000, o qual ilustra claramente este estudo:
“O analfabetismo atingia 60% da população brasileira com mais de 15 anos de idade. Contrastando com outros países do continente americano, a elite brasileira nunca se preocupara realmente em educar as massas, em investir na educação pública de caráter universal. A escravidão tinha sido abolida havia apenas 42 anos. E todos sabemos que a escravidão significou, além da negação do ser humano, também a negação de acesso ao saber para uma imensa parcela da população brasileira... E, assim, foram eles, os negros, ex-escravos e seus descendentes, a primeira grande massa de brasileiros excluídos. Ao negar-lhes educação, nossas elites decidiram, ali, que a pobreza no Brasil também teria cor. Ainda hoje, essa herança nos cobra um alto preço, que pagamos em desigualdade profunda e exclusão social, uma situação que a todos nós humilha e envergonha.”
Assim sendo, se as discussões sobre a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional foram o fato marcante, por outro lado, muitas iniciativas marcaram este período como, talvez, o mais fértil da História da Educação no Brasil. Mesmo assim, essas notáveis iniciativas não conseguiram solucionar o problema da alfabetização, uma vez que chegamos aos anos 50, segundo Lourenço Filho, com índices de alfabetização na casa dos 50% da população brasileira. Dessa maneira, colocaremos em relevo, no próximo segmento, as ações em prol da alfabetização que verificamos no Brasil atual.
Referências Bibliográficas
ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de. Pequena história da formação social brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1981.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. São Paulo: Moderna, 1989.
BASBAUM, Leôncio. História sincera da República. São Paulo: Alfa-Omega, 4 v., 1975-1976.
GERIBELLO, Wanda Pompeu. Anísio Teixeira: análise e sistematização de sua obra. São Paulo: Atlas, 1977.
HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da Educação Brasileira. São Paulo: Thompson,
2003.
LOURENÇO FILHO, M. B. “Redução das taxas de analfabetismo entre 1900 e 1960:
descrição e análise.” In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro,
1965.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 1991.
SAVIANI, Dermeval, SOUZA, Rosa de Fátima e outros. O legado educacional do século
XX no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2004.