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O pesquisador do livro inteligente, Chico Marinho,
entende que o livro digital está aí para ficar e a questão agora é
mercadológica |
“Ainda é tudo uma grande caixa
de surpresas. Mas são surpresas boas, eu acho”. É com otimismo que a
escritora, crítica literária e pesquisadora Heloísa Buarque de Hollanda
encara os impactos dos e-books e da literatura digital no mercado
editorial brasileiro. Na próxima terça-feira, às 17h, ela participa de
debate sobre o tema, ao lado de Chico Marinho, o professor do projeto
do livro inteligente, na Bienal do Livro de Minas. Para Heloísa, a
possível popularização dos e-books pode ajudar a criar, entre os
brasileiros, o hábito da literatura de entretenimento, positiva para a
indústria: “Não temos essa tradição por aqui, onde literatura é algo
ainda distante para muita gente”.
Ela chama a atenção para o
fato de que as grandes obras sejam justamente aquelas disponibilizadas
gratuitamente na maior parte das bibliotecas digitais. Enquanto é
acalorada a discussão sobre os direitos autorais, Shakespeare e Machado
de Assis se esbaldam no domínio público e são os primeiros a povoar os
leitores eletrônicos dos que desconfiam da transação comercial.
De
uma maneira ou de outra, o caminho da digitalização não tem mais volta,
embora seja consenso que nem por isso o livro de papel vai perder o seu
lugar. “Muita gente gosta de sentir o cheiro do livro. Isso os leitores
eletrônicos não têm”, defende José de Alencar Mayrink, presidente da
Câmara Mineira do Livro, uma das organizadoras da Bienal. Para ele, é
uma relação parecida com o cinema e o DVD: “O primeiro tem um charme,
um chicachicabum”.
Charme por charme, os aposentados LPs e CDs
são o principal fantasma. O paralelo com a crise da indústria
fonográfica ronda o mercado editorial, que tenta evitar repetir o
fracasso daqueles que desdenharam do .MP3 e hoje amargam situação nada
agradável. O “chicachicabum” dos CDs deu lugar ao download
indiscriminado de músicas, colocando o copyright em situação
embaraçosa.
Direitos também protagonizam um dos imbróglios no
caso do livros. “A maior inquietação, nessa grande transformação na
história do livro que estamos vivendo é a supressão das editoras e
livrarias na negociação dos direitos com os autores. Isso já acontece
nos EUA, onde grandes conglomerados, como o Amazon, ameaçam comprar os
direitos diretamente do autor, vendendo as obras eletrônicas a preços
irrisórios”, acredita Guiomar de Grammont, coordenadora da Arena Jovem,
o fórum da Bienal que vai debater o assunto.
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José de Alencar Mayrink, presidente da Câmara Mineira
do Livro argumenta que obras em papel têm apelo eterno, a começar pelo
cheiro |
Ela lembra que com a indústria
fonográfica, as músicas passaram a ser reproduzidas sem nenhum
controle, nem mesmo da integridade do CD, já que é possível escolher
apenas uma música e esquecer as outras. “Mas apesar da extinção
iminente dos direitos autorais, os músicos conseguem viver de seus
shows. O mesmo não acontece no caso de um escritor”, lamenta.
No
quesito preço, a comparação com o caso da indústria fonográfica também
é ameaça. Enquanto iPods e MP3 players eram caros, a desconfiança ainda
existia: hoje, um tocador de músicas digitais falsificado custa R$ 30
nos shoppings populares de Belo Horizonte. O preço dos leitores
eletrônicos no Brasil ainda é considerado entrave. Todos os aparelhos
dedicados à leitura de e-books são importados e custam em média US$ 250
(R$ 440), fora impostos, que podem dobrar o valor. A Gato Sabido é
editora nacional que vende seu próprio equipamento do tipo. O Cool-er
sai pelo preço final de R$ 750.
“Não compensa duvidar não.
Tudo vai depender das estratégias mercadológicas das grandes empresas,
mas o avanço da tecnologia e o barateamento dos custos é inevitável”,
define Chico Marinho. Se as editoras não entram com força na briga, a
pirataria pode tomar conta, segundo Mariana Zahar, diretora da Zahar
Editora, que dá os primeiros passos no mercado de e-books, mesmo com
incerteza. “É na prática que a gente vai aprender. Não dá pra ficar
parado esperando definições enquanto as coisas acontecem”, aposta.
Embora
seja um mercado ainda muito pequeno (nos EUA os e-books respondem por
5% das vendas, no Brasil ainda não são nem 3%), as oportunidades
decorrentes do comércio eletrônico de publicações podem ser tábuas de
salvação para problemas enfrentados pelo setor. “Em 2011, já venderemos
livros por capítulos, a preços competitivos com as cópias que são
feitas ilegalmente por estudantes. É uma via legal para o estudante
consumir a literatura didática”, projeta Mariana. Enquanto isso, as
versões eletrônicas dos livros custam cerca de 30% menos que os mesmos
títulos impressos.