A literatura sobre Brasília registra momentos
anteriores à concepção. Desde o século 19, os ideais de interiorização
da capital brasileira ecoavam em estudos, debates políticos e sonhos —
o de Dom Bosco, mesmo que nublado, aqueceu os idealistas, enquanto
Olavo Bilac, de forma incisiva, incentivava em 1905 a exploração de
riquezas no interior do país.
Dos anseios modernistas e críticas à
saga de Kubitschek no Planalto Central, Brasília surge em ensaios,
poemas, romances e discursos como símbolo do futuro nacional. Depois de
inaugurada, é descrita por visitantes como capital da solidão, marcada
pelo contraste do concreto com a terra vermelha. Entre os ilustres,
Clarice Lispector, Iuri Gagarin, Nelson Rodrigues e Simone de Beauvoir
expressaram o choque causado pela magnitude da construção à primeira
vista.
De dentro para fora, pioneiros exibiram, a partir de 1960, o
lado cotidiano da construção, a movimentação na Cidade Livre e na Vila
Planalto e o ritmo ainda calmo das asas Sul e Norte, seguidos de
denúncias sobre a falta de segurança e abismo social que surgiu da
explosiva lotação das cidades satélites.
Plural e poética, a
literatura sobre Brasília serve ainda a novos visitantes, uma geração
que a enxerga urbana, com o ritmo apressado das grandes cidades e o
diferencial de representar, em um mesmo espaço, as mais variadas
nuances da identidade nacional.
“Da amplidão”, de Stella Maris RezendeConhecida
pela vasta produção infantil, a escritora lança mão da densidade na
hora de falar de Brasília. De forma indireta, o poema evidencia
aspectos climáticos e naturais, como o canto das cigarras, o “horizonte
retilíneo” e o “calor cerrado”, para representar o sofrimento dos
pioneiros, personagens de corpos e sonhos famintos.
“Arquitetura nascente”, de Joaquim CardozoEngenheiro
e calculista responsável pelas bases das construções de Niemeyer,
Joaquim Cardozo acumulou trabalhos em poesia, dramaturgia e crítica. No
livro Signo estrelado, de 1960, cantou a arquitetura em versos como “Às
colunas; a luz do sol/ Passa rasando as caneluras:/ Asa branca de
sobrevoo/ No mármore de eterna espuma”.
O Brasil desperta, de John dos PassosO
consagrado escritor norte-americano esteve na construção da capital e
publicou, em 1964, um livro de memórias com diálogos e impressões da
estadia. Entre as histórias, destaca-se uma conversa com Israel
Pinheiro, durante a qual o político discorre sobre a importância do
improviso para acelerar as obras.
“Brasilia”, de Sylvia PlathO
poema foi escrito poucos meses antes do suicídio da autora, em 1963.
Nele, as características modernistas da cidade puxam a revolta de um
povo bruto e oprimido, composto por superseres angelicais, “pessoas com
torso de aço/ cotovelos e sobrancelhas alados”.
Brasília Kubitschek de Oliveira, de Ronaldo Costa CoutoA
partir de documentos e relatos, o autor descreve momentos da concepção
e criação de Brasília, com ênfase na história de Juscelino, sua
infância e ascensão política. A obra se torna importante referência
história e biográfica e serviu como base para roteiro da minissérie JK,
de Maria Adelaide Amaral, exibida em 2006.
Brasília, o enigma da esfinge: a construção e os bastidores do poder, de Luís Carlos LopesResultado
de uma tese de doutorado da Universidade de São Paulo, o livro
apresenta rica documentação, feita a partir de pesquisas em arquivos e
biografias. A análise de Lopes parte das bases políticas e ideológicas
e explora efeitos sociais e econômicos da construção.
Brasis, Brasil, Brasília, de Gilberto FreyreO
contraste entre unidade e pluridade cultural da sociedade brasileira é
o principal tema do livro, lançado em 1968. O autor retoma pensamentos
de Casa-Grande & Senzala para definir a mistura de origens em
Brasília, cidade que, segundo ele, apontava para o futuro como símbolo
de modernidade e progresso.
O capital da esperança, de Gustavo Lins RibeiroCrescido
na Asa Sul, o antropólogo Ribeiro destaca as diferenças sociais que
separavam pioneiros de empresários e políticos. Já Quanto custou
Brasília, livro com temática similar, de Maurício Vaistman, contesta a
construção pelo viés econômico.
Carta de Vinicius de MoraesConvidado
por Juscelino Kubitschek para passar alguns dias no Catetinho e compor
com Tom Jobim a Sinfonia da Alvorada, o poeta passou 10 dias em meio à
natureza que rodeava o palácio. Após a experiência, Vinicius declarou
por carta a “gratidão, não só pela confiança que tiveram em nós, como
pelo exemplo que nos deram de ânimo, modéstia e espírito de luta”.
A cidade modernista, de James HolstonConsiderada
uma das mais incisivas críticas à capital. Mesmo avesso à utopia urbana
do modernismo, o antropólogo americano James Holston reconheceu em
Brasília o poder de mudança. Segundo ele, a construção de uma cidade
previamente planejada a partir do marco zero evidenciou a busca da
sociedade por novos pontos de partida.
“Claro calar sobre uma cidade sem ruínas”, de Paulo LeminskiApós
visitar a cidade em 1984 e almoçar com amigos numa pensão na W3, o
poeta paranaense registrou suas impressões da capital em versos como
“Em Brasília, admirei não a niemeyer lei, a vida das pessoas penetrando
nos esquemas”. O autor de Catatau incluiu ainda entre os motivos de
suas admirações “o tempo que já cobre de anos tuas impecáveis
matemáticas”.
“Crônica elegíaca de Brasília”, de Fernando Mendes VianaEm
um poema dividido em seis partes, esta história lírica começa no
cerrado virgem, passa pela construção da cidade e culmina nos dias
atuais, quando se torna “uma cidade como outra/ — freadas,
engarrafamentos, gincanas, repartições”.
Diário de um candango, de José Marques da SilvaEscrito
no fim de 1961, é valioso relatório biográfico. O autor trabalhou como
caixa no Brasília Palace Hotel e comprou o restaurante São José, na
Vila Planalto, de onde assistia uma rotina diferente da oficialmente
divulgada sobre Brasília; ali, favelada e perigosa.
Discurso de André MalrauxEntão
ministro de Assuntos Culturais da França em 1959, o escritor proferiu
discurso no dia 24 de agosto em nome da presidência de seu país,
definindo Brasília como “a ressurreição do lirismo arquitetural nascido
com o mundo helênico”. É dele o título “capital da esperança”, que mais
tarde se tornou referência em textos e músicas dedicadas à cidade.
Efemérides: as grandes datas de Brasília e JK, de Adirson VasconcelosDurante
seis anos, o jornalista estudou documentações, gravações e vídeos que
registraram importantes momentos da cidade. Mas é da memória e dos
preciosos blocos de anotações do autor, que cobriu a inauguração e
centenas de momentos importantes, que saem os principais fatos
detalhados em Efemérides, lançado em 2009.
Expresso Brasília, de Edson BeúDe
conversas com pioneiros, Beú reuniu no livro histórias dos candangos,
entre ajudantes e peões da construção da capital. Depois, em Os filhos
dos candangos: exclusão e identidades, descortinou o orgulho dos
herdeiros, misturado a um cotidiano de falta de oportunidades.
“Favelário Nacional”, de Carlos Drummond de AndradeApós
exaltar a natureza do cerrado e criticar a política e correrias da
cidade grande em “Destino: Brasília”, Drummond coloca a capital
novamente em foco em “Favelário nacional”. No poema, ele é rígido a
respeito da criação de Ceilândia e das más condições de vida dos
moradores. “Por que Brasília resplandece/ ante a pobreza exposta dos
casebres / de Ceilândia,/ filhos da majestade de Brasília?”
Invenção da Cidade, de Clemente LuzO primeiro registro literário de um escritor pioneiro em Brasília foi publicado em 1968. O livro, de Clemente Luz, foi lançado a
partir da reunião de suas crônicas publicadas em jornais. No texto, a rotina da Cidade Livre e o
movimento nas construções.
A invenção da superquadra, de Matheus Gorovitz e Marcílio FerreiraEm
estudo pioneiro, os arquitetos dissecaram o conceito desenvolvido por
Lucio Costa para o Plano Piloto. “Lucio Costa, ao reformular o caráter
introvertido, hierárquico, intimista, autônomo e suburbano, que
distingue o conceito original de Unidade de Vizinhança, confere às
áreas residenciais um caráter aberto e permeável”, definiram.
Lênin nos subterrâneos do Conic, de Ezio Flavio BazzoO
escritor e psicanalista aproveitou um dos espaços mais democráticos da
cidade como cenário, onde o protagonista, psicólogo, e uma prostituta
filosofam e debatem suas profissões. O assunto reaparece em
Prostitutas, bruxas, donas de casa: notícias do Éden e do calvário
feminino.
Luana, de Garcia de PaivaA
primeira narrativa ficcional ambientada em Brasília só não é candanga
de edição, rodada em São Paulo, em 1962. Luana é uma jovem e bela
moradora da cidade, de “boca vermelha, de lábios cheios, de firme
desenho, fresca como uma flor”.
Meu testemunho de Brasília, de Manuel MendesAntigo
almoxarife de obras na 208 Sul, o autor publicou em textos e
fotografias o nascimento da nova capital. Incessante, registrou mais
tarde a construção do Itamaraty e a transferência do corpo diplomático,
que publicou sob o título O cerrado de casaca.
“Uma mineira em Brasília”, de João Cabral de Melo NetoO
escritor pernambucano relacionou o espaço dedicado à nova capital a uma
boa pousada para mineiros com os versos “Nos cimentos de Brasília
resguarda/ maneiras de casa antiga de fazenda,/ de copiar, de
casa-grande de engenho,/ enfim, das casaronas de alma fêmea”. Ele
também destacou a arquitetura em outro poema, “À Brasília de Oscar
Niemeyer”.
Minha experiência em Brasília, de Oscar NiemeyerEscrito
durante a construção da cidade, o arquiteto não se restringe à
experiência no gigante canteiro de obras candango. No livro, ele
explica os projetos arquitetônicos e descreve sentimentos e anseios
vividos durante a estadia.
Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília, de Mario PedrosaA
coletânea, lançada dias antes do falecimento do autor, em 1981, reúne
artigos e críticas de arte. O livro contempla a produção de várias
décadas do crítico, com destaque para estudos sobre as obras modernas e
contemporâneas sediadas em Brasília.
“De novo caminharei pelo Eixo Rodoviário”, de Cyro dos AnjosReconhecido
romancista e ensaísta da chamada Geração de 30, Cyro dos Anjos escreveu
um poema escapista que publicaria em sua fase madura, em 1967.
Integrante do livro livro Poemas coronários, o texto representa uma
forma de vencer o cansaço “lá, onde o céu teve de alongar-se para tocar
a terra”.
“Planaltiana”, de Reynaldo JardimPara
este precursor dos movimentos concretista e neoconcretista, Brasília é
uma cidade de prazeres e passeios nefelibatos pelas Regiões
Administrativas e Entorno. “Que se me morde tão fina,/ que se me dança
molhada/ Me agasalha em Planaltina /me seca à beira da estrada”, recita
em “Planaltiana”.
“Poente em Ceilândia Sul”, de Rumen StoyanovBúlgaro
radicado na cidade e divulgador da literatura brasileira no mundo,
Stoyanov publicou o livro Poemas no Brasil em 1981, no qual dedicou
três textos ao Distrito Federal. “Poente em Ceilândia Sul” aproxima o
vermelho do ocaso à terra batida. À cidade, dedicou “Brasília” e
“Planalto”.
Por que construí Brasília, de Juscelino KubitschekQuando
lançado, em 1975, o livro escrito pelo presidente simbolizou uma visão
única. A construção da Rodovia Belém—Brasília, a atuação da CPI contra
a Novacap e a história do Catetinho, antiga residência oficial, são
relatadas com paixão. Entre interessantes histórias, está a conhecida
conversa com Iuri Gagarin em visita a Juscelino. “A ideia que tenho,
presidente, é a de que estou desembarcando num planeta diferente, que
não a Terra”, definiu o astronauta.
“Reencontro”, de Adriana LisboaNa
cidade a passeio, Adriana escreveu “Reencontro”, que faz parte da
coletânea de textos sobre o cotidiano lançada em 2004, Caligrafias.
Como ela, Elisa Lucinda e Fabrício Carpinejar representam a nova
geração que descreve a cidade com o olhar urbano contemporâneo, em,
respectivamente, “Minha Sampa” e “A luz bate e não volta”.
“Registro”, de Olavo BilacA
crônica de Bilac é anterior à construção, data de 1905, mas foi usada
por Juscelino Kubitschek como argumento para a mudança da capital na
Coleção Brasília, de 1960. Na fábula, uma onça se encarrega de dar o
conselho: “Vocês devem tratar quanto antes de explorar, de desbravar,
de povoar, de fecundar este país imenso e inculto”.
Relatório CrulsA
Comissão Exploradora do Planalto Central, criada pelo governo Floriano
Peixoto em 1892, desbravou o cerrado para demarcar a área do já
imaginado Distrito Federal. O relatório da exploração ressaltava o céu,
“de uma beleza notável”, definindo o crepúsculo como movimento que
parecia “fazer cortejo ao Sol”.
Romance do Vaqueiro Voador, de João Bosco Bezerra BonfimEm
formato de literatura de cordel, a narrativa apresenta um retirante que
trabalhou na obra das torres do Congresso Nacional. Durante um dia de
trabalho, o “vaqueiro endiabrado/ Vaquejando no cimento” cai do alto da
construção, de onde até hoje se pode ouvir seu lamento sofrido.
No tempo da GEB (1956-1960): trabalho e violência na construção de Brasília, de Hermes Aquino TeixeiraDos
tempos em que a segurança da capital estava sob a supervisão de um
órgão paramilitar (Guarda Especial de Brasília), surgiram denúncias
sobre violência sistemática contra os candangos. Entre várias falhas de
segurança, Hermes Aquino Teixeira pesquisou e relatou casos de punição
física a quem reclamasse das intensas jornadas nos canteiros de obras.
“Toada para se ir a Brasília”, de Cassiano RicardoA
vasta produção do nacionalista Cassiano Ricardo passa pela capital em
um tempo que muitos questionavam o projeto. O poeta parodia Manuel
Bandeira e toma a cidade como sua Passárgada. “Vou-me embora para
Brasília/ que já nos meus olhos brilha,/ porque é a única cidade/ onde
não haverá saudade.”
A universidade interrompida, de Roberto SalmeronAs
memórias do primeiro coordenador-geral dos Institutos Centrais de
Ciências e Tecnologia da UnB sobre os primeiros anos de funcionamento
configuram essencial documentação da era de ouro da universidade. Em
destaque, o processo de adaptação da sociedade ao inovador formato
acadêmico e as perseguições durante o regime militar.
“Brasília”, de Paulo Mendes CamposPublicado
no livro Brasil brasileiro: crônicas do país, das cidades e do povo, o
texto exalta a construção da capital como um bem-sucedido projeto,
exemplo de determinação e capacidade técnica na competição das cidades
modernas.