Artigos

Quando usamos os pronomes pessoais de terceira pessoa (ele-ela, eles-elas) ou os pronomes demonstrativos “ o outro”, “ a outra”, “um”, etc. estamos sempre nos referindo a alguém ou alguma coisa mencionada no discurso. Os especialistas dizem que esses pronomes são anafóricos, isto é, remetem a algo que foi mencionado antes. Eles são diferentes do pronome de primeira pessoaeu” e de segunda pessoatuouvocê”, que se referem, respectivamente, à pessoa que está falando e à pessoa que está ouvindo e por isso não suscitam dúvidas. os pronomesele”, “ela”, “outro , por se referirem a um termo mencionado anteriormente, podem dar origem a ambiguidades: o ouvinte pode não entender de pronto a quem ou a quê o pronome se refere. Quando isso acontece numa conversa, um dos participantes pode perguntar: “Ele quem?” solicitando mais dados para facilitar sua compreensão. Na língua escrita o leitor não pode pedir informações desse tipo e por isso o emprego dos pronomes de terceira pessoa tem de ser cuidadoso de modo a não provocar ambigüidades. Narradores experientes  valem-se de várias estratégias discursivas para que não pairem dúvidas sobre a identidade dos personagens a quem estão-se referindo usando os pronomes de terceira pessoa. Dizem, por exemplo, “o primeiro”, “o segundo”, “este último”, “aquele”, etc. Narradores menos experientes, como é o caso de crianças nas séries iniciais, ainda não dispõem dessas estratégias. É o que acontece com Tatiana quando diz:

 

 A2- Era João, Julião e Sebastião. E ai ele olhô na garrafa pensanu que era uma luneta e ele falô: tô venu uma casa perdida na areia branca. Ai o otro falô que eles precisavu encontrar ela.

 

      Não sabemos a quem Tatiana se referiu quando empregou os pronomesele” e “outro”. Para evitar ambiguidade, a aluna precisaria ter repetido cada nome. Poderia também referir-se a eles usando recursos como: “o primeiro”, “o segundo”, “o último”. Mas esses recursos não são comuns na língua oral. Aparecem mais na escrita porque nessa modalidade o leitor pode recuperar as informações voltando no texto e verificando a ordem de aparecimento dos nomes.

    Com muita freqüência nossos alunos vão usar os pronomes de terceira pessoa em textos orais e escritos como a Tatiana os usou e os professores terão de mostrar a eles que o texto não está claro e que eles precisam explicar melhor a quem se referem. Para tornar essas noções mais claras, estamos incluindo alguns fragmentos de poemas  transcritos com algumas adaptações. Podemos verificar  em que casos os pronomes de terceira pessoa estão suscitando uma ambigüidade e em que casos a compreensão não está prejudicada.

 

O pato ganhou sapato,

Foi logo tirar retrato.

Mas ele estava muito apertado

E ele ficou duro, sem graça

Diante do macaco retratista

 

O primeiro pronomeelepoderia suscitar uma ambigüidade: ele refere-se a “sapatoou a “pato”? Os professores poderão mostrar a seus alunos que a interpretação mais razoável é que o pronome se refira a “sapatoporque é lógico pensarmos em sapatos apertados. o segundoeletambém poderia criar uma ambiguidade, mas é mais lógico pensarmos que o pato, e não o sapato, ficou duro e sem graça diante do retratista. Para evitar ambiguidade pode-se substituir cada ocorrência de “elepelo nome. O texto então ficaria assim:

 

O pato ganhou sapato,

Foi logo tirar retrato.

Mas o sapato estava muito apertado

E o pato ficou duro, sem graça

Diante do macaco retratista .

 

(Adaptado de um poema de Mário Quintana[1])

 

Será oportuno perguntar aos alunos qual das duas versões preferem e por quê.

 

        Há ainda algumas características interessantes na fala das crianças que estamos comentando. André, o nosso aluno A3, quando estava imitando o capitão Perna de Pau, disse: “Se você fazê barulho e saí daí eu vô te levá pro mar”. Observe as formas verbais “fazê” e “saí”. Essas são formas do futuro do subjuntivo. Nos verbos regulares essas formas coincidem com a forma do infinitivo, por exemplo: “se eu ganhar o campeonato, vou ganhar uma medalha”. A primeira ocorrência de “ganhar” está conjugada no futuro do subjuntivo. A segunda ocorrência é a forma do infinitivo do verbo. Nos verbos irregulares o futuro do subjuntivo é diferente da forma do infinitivo[2].Por exemplo: “se você fizer questão, vou lhe fazer uma visita”. As formas do subjuntivo são mais usadas na língua escrita. Na modalidade oral há uma tendência a serem substituídas por outras formas verbais mais usuais. Especialmente no caso do futuro do subjuntivo dos verbos irregulares tendemos a substituí-las pela forma do infinitivo como fez a menina Tatiana. Mas temos de nos lembrar de  que um enunciado como “Se você fazê barulho” será mal recebido numa situação em que os participantes esperam que seja usada a forma prevista na gramática normativa: “Se você fizer barulho”. Ao chegar à escola para iniciar sua educação fundamental, as crianças ainda não conhecem, nem usam espontaneamente, as formas do futuro do subjuntivo de verbos irregulares. Essas formas são parte dos recursos comunicativos que vão acumular durante sua escolarização. Alguns verbos irregulares mais comuns, como “fizer”, “trouxer”, “vier” etc. devem merecer especial atenção em sala de aula.  Já as formas do futuro do subjuntivo dos verbos regulares não precisarão dessa atenção porque essas as crianças já sabem empregar correntemente.   Não é preciso tampouco ensinar às crianças o nome dos tempos e modos verbais, nem fazê-las conjugar verbos irregulares e regulares. Basta criar oportunidades para que as crianças usem as formas do futuro do subjuntivo naturalmente.

 

       Vejamos alguns exemplos dessa prática:

 

1) Os professores poderão elaborar com as crianças um convite para uma festa de aniversário parecido com este pedindo-lhes que preencham a lacuna.

 

“No dia 12 deste mês será o meu aniversário. Vou fazer uma festa e estou convidando você. Se você ------- a minha festa vou ficar muito feliz”.

 

 É de se esperar que elas sugiram a forma “vier”. Se aparecer a forma “vir” do infinitivo, Os professores devem mostre a elas quando usar “vir” e quando usar “vier”[3].

 

 

2) Poderão também  elaborar junto com os alunos anotações para a agenda, como esta, onde também a lacuna deverá ser preenchida pelos alunos.

 

“Na segunda-feira que vem vamos encapar nossos livros. Por isso cada aluno deve trazer papel e fita adesiva. Quem ------- poderá encapar também com plástico”.

É provável que as crianças espontaneamente sugiram a forma “quiser”.

 

3) Vejamos mais um exemplo. Os professores vão elaborar com os alunos um lembrete semelhante a este para ser levado aos pais. Novamente os alunos vão preencher a lacuna.

 

“Queridos pais, amanhã vamos comemorar o dia das crianças. Todos os alunos devem trazer um pratinho de doce ou salgados. Quem não --------- os doces ou salgados, pode trazer uma garrafa de refrigerante”.

 

       Ao fazer esse exercício os professores vão incentivar as crianças a fornecer a forma verbal “trouxer” para preencher a lacuna. Elas também poderão sugerir formas equivalentes, como por exemplo: “puder trazer”, “quiser trazer” etc.

 

       Há ainda outras formas de se trabalhar com o futuro do subjuntivo em séries iniciais sem que seja preciso recorrer à memorização ou à excessiva metalinguagem gramatical.

       Os professores podem levar para sua sala textos literários bem acessíveis como o poema “Ou isso ou aquilo” de Cecília Meireles. Junto com os alunos vão reescrever  os versos, usando formas do futuro do subjuntivo:

 

Os versos no original

Os versos reescritos usando-se o futuro do subjuntivo

 Ou se tem chuva e não se tem sol.

 

Se tiver chuva não se tem sol.

 

Ou se tem sol e não se tem chuva.

 

Se tiver sol, não se tem chuva.

 

Ou se calça a luva, ou se põe o anel.

Se calçar a luva, não se põe o anel.

 

Ou se põe o anel e não se calça a luva.

 

 

Se puser o anel, não se calça a luva.

 

 

       Vamos voltar mais uma vez à conversa das crianças, relendo essas falas:

 A2- Ele pensô que tinha um tesouro de verdade.

 A1- Ele pensô que o capitão Bonança era rico          

 P-  E como era o tesouro do capitão Bonança?         

 A3- Tinha uma foto da Maribel, uma receita de pexe assado e um rosário           

 P- E o dinhero, onde estava o dinhero?          

 A2- Ele pensô que o dinhero tava tudo no cofrinho,

 

   Reparem que, tanto a fala de Tatiana (A2) quanto a fala de Daniel (A1) são comuns na linguagem de crianças e adequadas em interações informais. Mas podemos mostrar às crianças outras variantes dessas sentenças em que é usado o imperfeito do subjuntivo. As variantes com imperfeito subjuntivo são mais adequadas em interações em que os participantes optaram por uma linguagem mais formal ou então na linguagem escrita. Observe o quadro seguinte:

 

Variantes empregadas pelas crianças

Variantes com emprego do imperfeito do subjuntivo

Ele pensô que tinha um tesouro de verdade.

Ele pensô que tivesse um tesouro de verdade.

Ele pensô que o capitão Bonança era rico.

Ele pensô que o capitão Bonança fosse rico.

Ele pensô que o dinhero tava tudo no cofrinho.

Ele pensô que o dinhero estivesse tudo no cofrinho.

 

 

 

 

     É possível que as formas do imperfeito do subjuntivo apareçam espontaneamente na fala de seus alunos, como na canção infantil:

“Se eu fosse um peixinho e soubesse nadar

  Eu tirava a Lucinha do fundo do mar”.

 

Os professores não precisam enfatizar a terminologia gramatical dos tempos verbais, nem conjugar esses tempos em todas as pessoas verbais, mas devem ficar atentos para o emprego dessas formas, sugerindo-as aos alunos sempre que  elas forem mais adequadas à formalidade da interação. Devem também enfatizar a grafia das formas do imperfeito do subjuntivo, que são sempre escritas com o dígrafo “ss”: “se eu fosse”; “se ele quisesse”; “se nós pudéssemos” etc.

 

       Nos fascículos da Fala para a Escrita 1 e 2. que mencionamos ao início do capítulo, eu transcrevia, ao final, uma troca de correspondência com professores. Vou também terminar este texto, transcrevendo duas dessas cartas.

 

 

 

       Cara colega autora do fascículo,

 

        Foi bom ler este fascículo porque pude refletir melhor sobre algumas idéias que já tinham sido apresentadas nos fascículos anteriores referentes às pronúncias comuns no nosso português e tomar conhecimento de outras.Tenho procurado ficar muito alerta para características da minha fala e  escrita  e da de meus alunos. Por exemplo, quando um deles diz:”Você passou muito dever pra mim fazer”, às vezes os próprios colegas dizem:” É pra eu fazer que a gente diz”. Estou também prestando atenção no uso da concordância não-redundante nos nomes e na concordância de terceira pessoa do plural. Às vezes até eu mesma quando estou distraída deixo de fazer a concordância. Vou reparar mais nas nossas falas para ver se flexionamos o verbo com mais freqüência quando o sujeito for uma pessoa, quando  vier logo antes do verbo e também quando as formas do singular e do plural são bem diferentes. Já comecei a copiar exemplos de concordâncias, e depois quero enviá-los a vocês. Vou também ficar atenta para o emprego dos pronomes de terceira pessoa e da forma “a gente” e para o uso de formas do modo subjuntivo. Tenho pensado em exercícios que posso fazer com meus alunos para que eles fiquem mais familiarizados com essas formas. Mas ainda tenho algumas dúvidas sobre o que venho estudando: Como saber em que momentos temos de monitorar a nossa fala? Devo reagir da mesma forma  quando os alunos cometem erros na fala e na escrita? Por hoje fico por aqui. Aguardo sua resposta.

                              Abraços

                              Professora Maria Elisa

 

 

Querida Maria Elisa, que bom saber que você está desenvolvendo suas habilidades como professoras pesquisadora. Todas essas regras variáveis que discutimos como a concordância nominal não-redundante; a concordância do sujeito  na terceira pessoal do plural, com o verbo na terceira pessoa do singular; o emprego do pronome sujeito com função de objeto; a substituição de formas do modo subjuntivo por formas do modo indicativo ou do infinitivo e as outras que temos comentado são muito comuns na linguagem dos nossos alunos que estão começando a ler e a escrever. Se você ficar bem atenta a esses usos, vai saber como orientá-los sempre que eles tiverem de transitar de uma fala espontânea não-monitorada para uma fala monitorada. Saber reconhecer os momentos em que temos de monitorar nossa fala não é difícil. Temos de empregar uma linguagem monitorada principalmente na língua escrita, e, na língua oral, sempre que nossos interlocutores tenham a expectativa de conduzir a interação em linguagem formal. Acostume seus alunos a identificar, no seu dia-a-dia, nos programas e televisão, e nas histórias que leem, situações interacionais em que as pessoas têm de monitorar sua fala. Façam pequenas representações ou jogos que lhes deem oportunidade de refletir sobre o processo da monitoração na fala. Lembre-se de que, cada vez que discutimos os empregos das variantes de uma regra variável, estamos facilitando aos alunos ampliação de seus recursos comunicativos. E principalmente, lembre-se de que, na língua oral, seus alunos e todos nós temos mais flexibilidade. Os “erros” que cometem são simplesmente variantes de pouco prestígio de regras variáveis. Quando eles empregam essas variantes em situações que não exigem formalidade, estão-se comportando adequadamente. Em situações formais e na língua escrita, mostre sempre a eles as variantes adequadas à linguagem monitorada Muito obrigada pela sua carta, vou esperar outras.

 

 Professora Stella Maris

 

 

 

 

Referências

BAGNO, Marcos. A língua de Eulália.Novela Sociolingüística.São Paulo, Contexto, 1997.

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. O Professor Pesquisador.São Paulo, Parábola Editorial, 2008.

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu na escola, agora? Sociolingüística & Educação. São Paulo, Parábola Editorial, 2005.

 

 

 

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolingüística na sala de aula. São Paulo, Parábola Editorial, 2004.

BORTONI-RICARDO,Stella Maris. ”Variationist Sociolinguistics”  Hornberger, Nancy e Corson, David (org.) Encyclopedia of language and education, volume 8,  pp. 59-67, 1997.

BORTONI-RICARDO, Stella Maris e DETTONI, Raquel. “Diversidades lingüísticas e desigualdades sociais” in Cox, M.I. e Peterson A. A. ( orgs.) Cenas de  sala de aula, Campinas, Mercado de Letras, 2001 pp. 81-103

DETTONI, Raquel. “Interação em sala de aula: as crenças e as práticas do professor”. Dissertação de mestrado inédita. Universidade de Brasília, 1995

HORA, Dermeval da (org.). Estudos sociolingüísticos-perfil de uma comunidade , João Pessoa, VALPB, 2004.

KURI, Adriano da Gama. 1.000 perguntas – Português  Rio de Janeiro, Editora Rio em convênio com Faculdades Integradas Estácio de Sá. 1983

MOLLICA, Maria Cecília,  A influência da fala na alfabetização. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2000.

MOLLICA, Maria Cecília. Da linguagem coloquial à escrita padrão.  Rio de Janeiro, 7Letras, 2003.

OMENA, Nelize P. “As influências sociais na variação entre nós e a gente na função de sujeito” ,Oliveira e Silva, Giselle M. e Scherre  Maria Marta P. (orgs.) Padrões sociolingüísticos, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, pp. 311-323, 1996.

SCHERRE, Maria Marta P. Doa-se lindos filhotes de poodle-variação lingüística, mídia e preconceito. São Paulo, Parábola Editorial, 2005.

TARALLO, Fernando. e DUARTE, Maria Eugênia.”Processos de mudança lingüística em processo: a saliência vs. não saliência de variantes”.Ilha do Desterro ,vol. 20, pp. 44-58, 1988.

 

 

 

 

 



[1] Quintana, Mário. de Pilão. Editora Ática. São Paulo,2002.

 

Mas cabe aqui uma observação. Às vezes uma pessoa reconhece que a situação é formal, dispõe-se a monitorar-se, mas lhe faltam recursos comunicativos próprios da fala monitorada. É por isso que a escola precisa empenhar-se na ampliação dos recursos comunicativos dos alunos. Dispondo de uma gama mais ampla de recursos comunicativos, os alunos, sempre que precisarem, saberão monitorar sua fala, ajustando-se às expectativas de seus interlocutores e às normas sociais que determinam como as pessoas devem comportar-se em cada situação. Ao fazer isso estão seguindo normas sociais e serão bem recebidos pelos seus interlocutores.        Temos ainda de nos lembrar  de que as normas sociais que definem um comportamento linguístico adequado podem ser implícitas, isto é, fazem parte das crenças e dos valores que as pessoas têm. Mas podem ser explícitas também. É o caso das normas gramaticais. Convém ainda ponderar que as gramáticas normativas não admitem flexibilidade. Não levam em conta a noção de adequação. São prescritivas: abonam uma forma considerada correta e rejeitam as que são consideradas erro. Neste texto não estamos trabalhando com essa postura prescritivista. Vemos os usos da língua sempre em função de sua adequação à situação de fala.

 

 

 Tendo esclarecido por que qualquer falante precisa dispor de amplos recursos comunicativos, vamos refletir sobre a fala dos alunos que comentaram a peça “Pluft o fantasminha”. Começamos com a fala de Daniel: “É pra mim começar a falar, professora?”. Você sabe que essa estrutura sintática, muito usada pelas crianças, é considerada errada pela gramática normativa e não é bem recebida em situações que exigem uma fala monitorada. Argumenta a gramática que o pronomemim”, por ser um pronome pessoal oblíquo, não pode exercer a função de sujeito e recomenda que nessas construções seja usado um pronome reto: “É para eu começar a falar, professora?”. Depois da preposiçãopara”, ou qualquer outra preposição, usamos os chamados pronomes oblíquos: “para mim”; “sem mim”; “por mim”; “para ti”; “sem ti” etc. No entanto, os gramáticos normativos rejeitam o emprego desses pronomes oblíquos quando eles são seguidos de um verbo no infinitivo, alegando que, naquela posição, tem de ocorrer o pronome reto, que exerce a função de sujeito.[1] A escola e a sociedade brasileira acataram muito fielmente o que os gramáticos disseram a esse respeito. Por isso é comum ouvirmos diálogos como este entre mãe e filho pequeno, por exemplo:  

 

  FilhoMamãe, é pra mim dormir cedo?

  MãeMim não dorme, você tem de falar: É pra eu dormir cedo?  E é pra você dormir cedo, sim. Amanhã tem aula.

 

 Crianças pequenas ainda não se familiarizaram com essa exigência gramatical, por isso usam enunciados como o que Daniel usou com a professora. Sempre que os professores ouvirem enunciados como esse, devem sugerir ao seu aluno que troque o pronomemimpelo pronomeeu”, mas essa substituição deverá ser feita quando ao pronome se seguir um verbo no infinitivo. Veja mais um exemplo nestes versos da música. “Meninacantada por Netinho.

   Te carreguei no colo, menina

     Cantei pra ti dormir.”

Onde o autor da canção usou o pronome “ti”, a gramática normativa recomenda que fosse usado o pronome do caso reto: “Cantei para tu dormires”.

       Continuemos a refletir sobre as características na fala das crianças conversando com a professora. Vejamos esta fala do André (A3):

Eu gostei muito quando os amigos da menina começou a procurar ela. Um tava carreganu uma vela, otro tava com uma garrafa e o otro com um mapa.”

       Veja “que André falou: “.os amigos da menina começou a procurar ela.” Essa construção é muito comum no português do Brasil. Mas, se for empregada em uma situação em que os participantes têm a expectativa de ouvir uma linguagem monitorada, seria mal recebida. Por quê? Porque existe uma regra gramatical que nos mandaconcordar” o predicado com o sujeito. Se o sujeito está no plural, o predicado que está relacionado com ele também tem de vir no plural. Como “os amigos da menina” é o sujeito e está no plural, o verbo do predicado também tem de estar no plural: “Eu gostei muito quando os amigos da menina começaram a procurar ela”.Na nossa linguagem não-monitorada tendemos muito a não fazer essa concordância, especialmente quando o verbo está longe do sujeito ou o sujeito vem depois do verbo.  Assim: “Chegou uns pacotes pra você”.

     Os pesquisadores que vêm estudando a concordância verbal como uma regra variável nos mostram que a concordância do verbo com o sujeito plural na terceira pessoa é mais frequente quando o sujeito é animado eou humano, vem imediatamente antes do verbo e quando a forma do verbo na terceira pessoa do singular e do plural são bem diferentes. Por exemplo: “ele dá; eles dão”, “ele é; eles são”[2].

 

                               É importante que os professores, à medida que se tornam pesquisadores de sua própria prática, comecem a prestar atenção no modo como eles próprios, seus colegas, amigos, familiares e alunos usam a concordância do verbo com o sujeito na terceira pessoa do plural, falando ou escrevendo. (Cf. Bortoni-Riardo, 2008)

 

 

Voltemos nossa atenção à fala da menina Tatiana:

 

A2-  Era João, Julião e Sebastião. E ele olhô na garrafa pensanu que era uma luneta e ele falô: tô venu uma casa perdida na areia branca. o otro falô que eles precisavu encontrar ela. E eles começaru a cantar. Ele falô: pobre Maribel. E o otro falô:a gente precisamu salvar a neta do grande capitão Bonança.

 

Há muito o que comentar nessa fala, mas por enquanto vamos nos deter no trechinho:

 

“a gente precisamu salvar a neta do grande capitão Bonança.”

 

       Muito frequentemente as crianças usam o pronome “a gente” acompanhado de um verbo flexionado na primeira pessoa do plural como a Tatiana usou. Esse pronome “a gente” é muito comum no português brasileiro contemporâneo  e substitui, às vezes, o pronome “eu” e às vezes o pronome “nós”. (Omena, 1996) Mas, equivalendo à primeira pessoa do singular – “eu”, ou à primeira pessoa do plural “nós”, a forma “ a gente” concorda, segundo a gramática normativa,   com o verbo na terceira pessoa do singular: “a gente faz e acontece”. Os professores têm de ficar alerta para o emprego da forma “a gente” pelos seus alunos, observando como fazem a concordância, especialmente na educação infantil e no primeiro ciclo do ensino fundamental.

       Vamos voltar agora à fala de André: “Eu gostei muito quando os amigos da menina começou a procurá ela.”

     Além da concordância verbal que acabamos de mencionar, há mais uma característica nesse enunciado que o tornaria mal recebido numa situação em que os participantes têm expectativa de que seja usada uma linguagem muito monitorada. Trata-se do emprego do pronomeelacomo objeto direto (“procurá ela”). Na nossa linguagem não-monitorada tendemos a usar os pronomes “ele-ela; eles-elas”, que geralmente funcionam como pronomes sujeito, na função de objeto direto, em lugar dos pronomes oblíquos átonos “o”, “a”, “os”, “as” (“procurá-la”). Esses pronomes oblíquos átonos de terceira pessoa, quando não são pronunciados agregados a um l, como em “procurá-la” ou a um n, como em “ouviram-na” são pouco perceptíveis. Observe-se que em: “Ele machucou-a assim” o pronome “a” fica pouco perceptível. Por isso tendemos no português brasileiro a empregar os pronomes “ele”, “ela” em qualquer função: “Ele machucou ela assim”. Estamos vendo que essas duas frases são variantes da regra de variação do pronome pessoal de terceira pessoa. Embora seja muito empregado o chamado pronome sujeito com função de objeto direto, essa variante não é bem recebida quando estamos escrevendo ou monitorando nossa fala. Vamos refletir um pouco mais sobre isso.

       Vemos a seguir alguns diálogos em que aparecem variantes da regra variável de emprego dos pronomes de terceira pessoa. Algumas dessas variantes parecem mais aceitáveis numa interação formal do que outras.

 

1) Diálogo entre uma senhora e o vendedor na farmácia:

Senhora - O senhor tem aspirina?

Vendedor - Temos de marca e genérico. A senhora vai levá-la?

SenhoraNão. Não vou comprar agora não. Levo depois.

 

Esse diálogo seria perfeitamente adequado numa interação formal. O vendedor usou a variante de prestígio da regra variável, que é o pronome objeto (“vai levá-la”). Na última fala da compradora ela omitiu o objeto direto. Não usou nem o pronome sujeitoelanem o pronome objeto “a” ou “la”. Poderia ter dito: “Não vou comprá-la agora nãoou entãoNão vou comprar ela agora não”. Também poderia ter usado um pronome em “Levo depois”. Assim: “Levo ela depoisou “Levo-a depois”. Ao optar por omitir o pronome, evitou usar “Levo ela depois”, que poderia ser mal recebido, dependendo das expectativas de seu interlocutor e “Levo-a depois”, que não é uma construção muito comum no português oral do Brasil. Muitas vezes nós preferimos omitir o pronome objeto para não ter de produzir um enunciado que pode não ser muito bem recebido. Quando optamos por omitir o pronome, os especialistas dizem que estamos usando a variante do objeto nulo dessa regra variável ( Tarallo, F. e Duarte, M.E, 1988). Observe que a omissão do pronome não cria dificuldade na comunicação porque o nosso interlocutor sabe pelo contexto a que estamos nos referindo.

 

2) Diálogo entre dois palhaços no circo:

Palhaço 1 – Você viu o macaco?

Palhaço 2 – Eu vi ele subindo no trapézio.

 

Nesse diálogo o Palhaço 2 usou o pronome sujeitoeleem função de objeto direto. Poderia também ter dito: “Eu o vi subindo no trapézio”, mas preferiu usar o pronomeelepara tornar seu enunciado mais compreensível. Veja que emEu vi ele subindo no trapézio” o pronomeele” está exercendo a função de objeto direto do verbover” e de sujeito do verbosubir”. Por isso construções como essas são mais bem recebidas do que construções em que os pronomeseleouelasomente estão exercendo função de objeto, como emEu vi ele”.

 

3) Diálogo entre uma cliente e um caixa de banco:

Cliente – Quero fazer um depósito em cheque.

CaixaMe ele aqui para eu ver se é desta praça.

Cliente – Acho que deixei ele na bolsa dentro do carro.

Caixa – A senhora pode ir buscar ela que eu espero.

 

Nesse exemplo temos três empregos do pronome sujeito em função de objeto direto. Nenhum desses enunciados é adequado para uso na linguagem formal escrita ou na linguagem oral monitorada.

       Vejamos agora outros exemplos da variação do pronome de terceira pessoa em poemas escritos para crianças.

 

Nos seguintes versos[3] de poemas de Vinícius de Moraes os nomes ou pronomes sublinhados estão exercendo função de objeto direto. Os professores podem levar  poemas como esses a sua sala de aula e mostrar a seus alunos como os objetos diretos podem ser preenchidos com substantivos precedidos ou não de artigo ou com pronomes de terceira pessoa, na variante de pronome sujeito ou de pronome objeto. Essa será uma boa oportunidade para que os alunos avaliem quais variantes serão mais bem recebidas na escrita e na fala monitorada e quais são mais adequadas para uma fala coloquial.

          

                  

                   O pato pateta

       Pintou o caneco

             Surrou a galinha

             Bateu no marreco.

 

             

            Quer ver a foca

            Fazer uma briga?

            É espetar ela bem na barriga.       

 

      

       Quem matou o pintainho?

            Eu, disse o pato.

            Quem viu ele morto?

       Eu, disse o mocho

            Com meu olho torto

            Eu vi ele morto.

 

      

Vamos agora retomar nossa conversa sobre a fala dos alunos Daniel, Tatiana e André com a Professora.       Veja essa resposta que Tatiana deu à Professora.

       P-  Muito bem, André! Quem se lembra dos nomes deles?

A2-  Era João, Julião e Sebastião. E ele olhô na garrafa pensanu que era uma luneta e ele falô: tô venu uma casa perdida na areia branca. o otro falô que eles precisavu encontrar ela. E eles começaru a cantar. Ele falô: pobre Maribel. E o otro falô: a gente precisamu salvar a neta do grande capitão Bonança.

 

 

       Observem que a aluna se referiu aos nomes dos três marinheiros e em seguida empregou o pronomeele” duas vezes e o pronomeoutrotambém duas vezes. Quando usamos os pronomes pessoais de terceira pessoa (ele-ela, eles-elas) ou os pronomes demonstrativos “ o outro”, “ a outra”, “um”, etc

Categoria pai: Seção - Notícias

Da fala à escrita: o         que o alfabetizador precisa saber para mediar essa transição  

Estamos assistindo, no Brasil, a uma discussão relativamente nova sobre métodos de alfabetização. Há poucos anos essa discussão se circunscrevia aos círculos acadêmicos que acumularam, nas últimas décadas, reflexão sobre o processo de alfabetização e métodos que o implementam e aos educadores adeptos dos modelos teórico-metodológicos disponíveis.

Em anos recentes a discussão sobre esses métodos chegou à imprensa, embalada pelo alarme que vêm causando os resultados de testes domésticos e internacionais que aferem a capacidade de ler com boa compreensão e de escrever que nossos alunos apresentam.

Os resultados desses sistemas nacionais de avaliação_ inicialmente o SAEB, depois aperfeiçoado na Prova Brasil _ são muito ruins e há bastantes evidências de que esses resultados  decorrem de problemas no processo de alfabetização.

 

Podemos dizer que os métodos de alfabetização conhecidos distinguem-se entre si pelo foco na forma ou o foco no significado do texto. Em outras palavras: a lógica do primeiro é “bottom-up” ( de baixo para cima), enquanto a do segundo é “top-down” ( de cima para baixo). Os que se baseiam na forma iniciam-se com o trabalho fônico que explora a relação entre som e letra, começando por padrões silábicos mais simples e gradualmente progredindo para os mais complexos. A ênfase no significado preconiza que os alunos sejam, desde o início de sua escolarização, confrontados com sentenças completas e pequenos textos de modo a desenvolverem estratégias de inferência que lhes permitam construir o significado desses textos. Nesse processo eles são encorajados a elaborarem hipóteses sobre a relação entre os sons da língua oral e a representação gráfica.

Nos anos 1980 o desenvolvimento da teoria psicogenética, baseada na psicologia piagetiana, transformou o método construtivista de Emília Ferreiro e associados quase que em uma proposta hegemônica nas políticas de alfabetização. Na década seguinte, os países mencionados, Estados Unidos e Reino Unido, à luz de resultados de avaliação de grande escala, começaram a questionar os possíveis efeitos negativos desse método, certamente não pelo que ele propõe: a construção de textos significativos pelos alfabetizandos, mas pelo que ele negligencia: a explicitação da relação entre os sons da língua oral e sua representação escrita. Lesley Clark (1999:11) observa que a National Literacy Strategy, 1998 (documento equivalente aos nossos Parâmetros Curriculares Nacionais), de responsabilidade do DfES – Department for Education and Skills, na Inglaterra, foi elaborado para confrontar uma área crucial de fragilidade causada pela falta de trabalho fônico explícito, contextualizado e progressivo em um passado recente. Ela enfatiza ainda que “a habilidade de identificar padrões e similaridades em sons é um indicador-chave do êxito futuro na alfabetização”. Mas acautela que a ênfase política exagerada no método fônico tradicional pode levar a um retrocesso.

Na última década, o Governo brasileiro iniciou alguns projetos de educação a distância para capacitação dos professores do Ensino Fundamental, inclusive professores de alfabetização. Nesta palestra descrevo um projeto desenvolvido no MEC-Fundescola, com apoio do Banco Mundial, no qual atuei como uma das autoras de fascículos denominados “Cadernos de Teoria e Prática”. Trata-se do Programa de Apoio da Leitura e Escrita – Praler cujo objetivo é fornecer recursos para os professores trabalharem com os alunos das séries iniciais que têm dificuldade na leitura e na escrita. O projeto se vale de pressupostos do método construtivista, incentivando a produção de textos orais e escritos pelos alunos e a sua construção de hipóteses que os ajudem a refletir sobre a linguagem oral e escrita, suas especificidades e zonas de interferências. Não negligencia, entretanto o trabalho explícito sobre a relação entre o componente fônico da língua e sua representação na escrita alfabética.

Na primeira parte da palestra, vou focalizar  justamente duas unidades, de um total de dezoito do Projeto Pra-Ler., que foram elaboradas visando a desenvolver a percepção da relação entre fonema e grafema na consolidação das habilidades de alfabetização.

Na produção das  unidades, o acervo de conhecimento acumulado no campo da sociolingüística variacionista me foi de grande valia. Suplementei a aplicação desse conhecimento, todavia, com alguns princípios que considero cruciais para a adoção de pedagogia de base sociolingüística.


Categoria pai: Seção - Notícias

 

In Hora, Dermeval  et alii (orgs.) Lingüística e Práticas Pedagógicas, Santa Maria: Palotti, 2006,p.11-31 (Primeira parte)

 

Stella Maris Bortoni-Ricardo ( UnB)

 

 

A sociolinguística já nasceu, na década de 60 do século passado, muito compromissada com questões educacionais. No seu nascedouro, nos Estados Unidos, alentava-se com a esperança de que poderia representar uma contribuição definitiva para melhorar o desempenho escolar de crianças provenientes de classes trabalhadoras ou de grupos étnicos minoritários, enfim, de crianças pouco familiarizadas com a língua e a cultura escolar ((Ver, Bortoni-Ricardo, 1997 ou 2005, especialmente os capítulos 12 e 13). Hoje em dia os sociolinguistas são muito mais realistas e sabem que grande parte do fracasso escolar que essas crianças experimentam advém de suas próprias condições de pobreza, como sua dieta empobrecida ou até mesmo a fome, suas condições precárias de moradia, a pouca convivência com os pais, que têm de trabalhar, o contato prematuro com a criminalidade urbana, a situação precária das escolas de periferia e tantas outras.  Contribui também para o seu fracasso escolar a expectativa limitada que os professores têm quando tratam com crianças afligidas por essas adversidades. Nutrem pouca expectativa em relação ao desempenho desses alunos, e isso resulta em atitudes discriminatórias  em sala de aula ( Ver Bortoni-Ricardo e  Dettoni  ( 2001) e Dettoni

 ( 1995)

       Embora detenham hoje uma visão menos ingênua, sociologicamente fundamentada, da questão do fracasso escolar, ou até mesmo por isso , os sociolinguistas  continuam a  trazer suas contribuições para a questão, examinando, em particular, as diferenças entre a língua oral de determinada comunidade e a língua empregada nas práticas sociais letradas, com ênfase  nas práticas de sala de aula. É com satisfação que constatamos que William Labov e associados, na Universidade da Pennsylvania , desde maio de 1998, vêm divulgando relatório de pesquisa sobre erros de leitura de crianças pobres afro-americanas, na qual esses sociolinguistas retomam as análises contrastivas entre as duas variedades do inglês envolvidas [1].  

No Brasil, também tem havido muitas contribuições dos sociolinguistas para o ensino da leitura e escrita. Citem-se, por exemplo, os trabalhos recentes de Maria Cecília Mollica ( 2000 e 2003) e de Dermeval da Hora (2004) , os trabalhos de divulgação científica de Marcos Bagno ( 1997)  bem como os meus livros Educação em Língua Materna, dirigido a professores e Nós cheguemu na escola, e agora? voltado para os cursos de Letras e Pedagogia, ambos  publicados pela Parábola Editorial em 2004 e 2005, respectivamente.

       Também em um recente projeto do MEC, financiado pelo Banco Mundial, PRALER, (www.fundescola.mec.gov.br), do qual tive a oportunidade de participar, os autores dos módulos valeram-se de muitos avanços da Sociolinguística Quantitativa e Interacional na construção de material que pudesse servir de apoio à escrita e à leitura no ensino fundamental.  O que marca esse trabalho é o fato de que as noções de Sociolinguística julgadas relevantes para o trabalho pedagógico em sala de aula não foram trivializadas, como às vezes acontece, nem receberam um status residual em relação à contribuição de outras vertentes das ciências da Linguagem, inclusive a tradição normativa.

       Considero que as noções sociolinguísticas são trivializadas quando aparecem em textos dirigidos a professores sem uma sólida base científica, apoiadas apenas no senso comum. Frequentemente vemos também informações sociolinguísticas reduzidas a diferenças dialetais no léxico, como se todo o componente de variação da língua, que vai ter consequências relevantes no trabalho pedagógico, se limitasse a alguns itens lexicais tradicionalmente citados como variáveis em diversas regiões brasileiras, por exemplo: abóbora e jerimum; aipim, mandioca e macaxeira; pandorga, papagaio e pipa etc.

Entre os bons trabalhos recentes de sociolinguística aplicados à Educação convém citarmos aqui uma nova geração de dissertações de mestrado, na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, a partir de 2004, que tem trazido contribuições sociolinguísticas para a leitura e escrita. Cito três delas: a  de Maria do Rosário do Nascimento Ribeiro Alves, que examina, na escrita de alunos ingressantes no Ensino Médio, problemas na língua escrita que deveriam ter sido sanados nas séries iniciais; a de Maria Alice Fernandes de Sousa, voltada para a incorporação de saberes sociolinguísticos no trabalho de uma professora de alfabetização, e  a de Maria Lúcia Resende Silva, que examina a possibilidade de inclusão de alunos de classes de aceleração em que a professora faz uso de recursos pedagogicamente sensíveis, fulcrados na pesquisa sociolinguística e etnográfica.

       Mais recentemente, produzi textos para um novo programa coordenado pelo MEC, em parceria com algumas universidades brasileiras, voltado à educação continuada de professores -- Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de Educação Básica -MECSEB – www.mec.gov.br. A contribuição da Universidade de Brasília para essa rede pode ser encontrada em  www.cform.unb.br. Juntamente com esse programa, que será aplicado em parceria com as secretarias de educação estaduais e municipais, está sendo produzido também pelo MECSEB um programa a ser veiculado nos estados brasileiros cujos resultados do SAEB – Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Básico - são mais precários. Trata-se do programa Pró-Letramento (www.mec.gov.br).

       O presente capítulo está baseado em material produzido para esses programas, mais especificamente nos fascículos “Da fala para e escrita 1 e 2” Módulo 1, Programa de Formação Continuada em Alfabetização e Linguagem do CformUnB e no fascículo “Modos de falar e modos de escrever”, este último do Pró-Letramento. Mantive algumas características do gênero dos textos em que me baseei, principalmente o tratamento bem simplificado dos fenômenos gramaticais em discussão, que visava a uma melhor comunicação com professores que porventura tivessem poucos conhecimentos de teoria lingüística. No entanto procurei citar vários trabalhos acadêmicos que aprofundam a discussão.

       No referido fascículo “Da fala para a escrita 1”, começamos a tratar do processo de integração dos saberes da linguagem oral no desenvolvimento da escrita, enfocando particularmente as regras fonológicas variáveis produtivas no português brasileiro. Vimos que, quando nossos alunos chegam à escola, têm uma competência comunicativa[2] bem desenvolvida. são capazes de se comunicar bem, no âmbito da família, e de conversar com os amigos, colegas, professores etc. Quando começam a ter contato com a língua escrita, ao aprender a ler e escrever, vão-se valer dos conhecimentos que têm da língua oral para se comunicarem também pela língua escrita. Neste capítulo continuamos a refletir sobre os recursos de que as crianças dispõem para se comunicarem oralmente, discutindo a integração entre saberes da oralidade e da escrita, mas ampliamos essa discussão, incluindo, além de regras próprias da pronúncia, regras que atuam na formação das sentenças, isto é, vamos trabalhar principalmente com algumas características da sintaxe na fala dos nossos alunos.

 

 

       Para iniciar nossa tarefa, apresentamos este episódio de uma conversa entre uma professora e alunos de séries iniciais. A conversa girou sobre a peça de teatro “Pluft, o fantasminha” de Maria Clara Machado, que as crianças haviam lido e espontaneamente escolhido algumas cenas para representar. Maria Clara Machado foi uma das maiores escritoras brasileiras de peças infantis. Nasceu em 1921 em Belo Horizontes e morreu em 2001 no Rio de Janeiro, onde morou desde pequena. Era filha do escritor Aníbal Machado. No Rio de Janeiro criou um famoso grupo de teatro amador, O Tablado. “Pluft, o fantasminha” é uma de suas peças mais conhecidas e apreciadas pelas crianças[3].A fala de cada aluno está identificada com um “A” seguido de um número. A fala da professora está identificada com um P.

 

 

A1-  É pra mim começar a falar, professora?

 

Pode começar sim, Daniel. Nós vamos todos conversar sobre a peça que lemos, “Pluft, o fantasminha”. Do que vocês gostaram mais?

 

A2-  Eu achei engraçado porque ele tinha medo de gente. E é gente que tem medo de fantasma.

 

P-  E por que ele tinha medo, Tatiana?

 

A2-  É porque ele ainda era pequeno.

 

A3-  Eu gostei muito quando os amigos da menina começou a procurá ela. Um tava carreganu uma vela, otro tava com uma garrafa e o otro com um mapa.

 

P-  Muito bem, André! Quem se lembra dos nomes deles?

 

A2-  Era João, Julião e Sebastião. E ele olhô na garrafa pensanu que era uma luneta e ele falô: tô venu uma casa perdida na areia branca. o otro falô que eles precisavu encontrar ela. E eles começaru a cantar. Ele falô: pobre Maribel. E o otro falô:a gente precisamu salvar a neta do grande capitão Bonança.

 

P-  Eles eram amigos do avô de Maribel, o capitão Bonança.

 

A3-  Eu achei o pirata Perna de Pau muito besta, ele era mau. Ele queria robá ela e deixou ela presa na casa do Pluft e disse que ninguém ia achar ela nunca mais e falô: se você fazê barulho e saí daí vô te levar pro mar para navegar, navegar, navegar. E saiu e foi buscar uma lanterna, ele tamém tava com medo de fantasmas.

 

A1-  A menina Maribel tava amarrada na cadera, quando ela viu o Pluft ela desmaiou.

P.Ele também teve medo dela, mas depois ficaram amigos.

 

A2- Quando Pluft viu a Maribel chorano disse pra mãe dele que ela tava derramano o mar todo pelos olhos.

 

 P- Ele nunca tinha visto ninguém chorar porque fantasma não chora, senão derrete.

 

A3-  Eu gostei muito quando o Tio Gerúndio do Pluft chamô os fantasma do mar pra ajudar a salvar a Maribel. Eles deru uma surra no Perna de Pau.

 

P- Eles eram os marinheiros fantasmas. E vocês gostaram também quando o capitão Perna de Pau encontrou o tesouro?

 

 A2-  Ele pensô que tinha um tesouro de verdade.

 

                  

 A1-  Ele pensô que o capitão Bonança era rico

 

P-E como era o tesouro do capitão Bonança?

 

A3-  Tinha uma foto da Maribel, uma receita de pexe assado e um rosário.

 

P. E o dinhero, onde estava o dinhero?

      

A2- Ele pensô que o dinhero tava tudo no cofrinho, mas o Tio Gerúndio disse que o dinhero tava no fundo do mar. O Perna de Pau ficou com medo e foi embora.

A1-  E todo mundo comeu os pastel de vento da mãe do fantasminha e fizeru uma festa. E Pluft gritô: viva  gente! E cantaru e dançaru.

 

 

 

  Vamos refletir agora sobre a conversa entre os três alunos e a professora. Como pudemos ver, os alunos foram capazes de comentar a peça que eles leram e representaram, recuperando os pontos principais. Fica bem demonstrada sua habilidade de compreender o texto com o qual trabalharam e a sua competência comunicativa para conversar sobre esse texto. Observe que souberam identificar o tema da peça, que é o momento em que qualquer criançafantasma ou gente - enfrenta o dilema de crescer e de lidar com seus medos. Veja por exemplo a primeira fala de A2: “Eu achei engraçado porque ele tinha medo de gente. E é gente que tem medo de fantasma.” Foram também capazes de reconhecer os protagonistas e o antagonista, que era o perigoso marinheiro Perna de Pau. Observem ainda que os alunos souberam estabelecer relações lógicas, como a relação de causa e efeito, como se na resposta que A2 deu à Professora:          

P-  “E por que ele tinha medo, Tatiana?”

 A2- “ É porque ele ainda era pequeno.”

     No curso da conversa, as crianças demonstraram habilidades para usar várias estratégias interacionais. Usam discurso direto quando dizem: “se você fazê barulho e saí daí, vô te levar pro mar para navegar, navegar, navegar”.Também usam competentemente o discurso indireto: “Quando Pluft viu a Maribel chorano disse pra mãe dele que ela tava derramano o mar todo pelos olhos”.Esses são recursos narrativos que demonstram bem a competência comunicativa que os alunos desenvolveram. Eles também fizeram referência a detalhes da narrativa. Por exemplo: “Tinha uma foto da Maribel, uma receita de pexe assado e um rosário.” Todas essas são evidências dos recursos comunicativos[4] que fazem parte da competência das crianças quando elas começam o processo de aprender a ler e a escrever.

   Como acabamos de ver, nossos alunos de séries iniciais são capazes de manter uma conversa, fornecendo contribuições relevantes ao tema em questão e fazendo avançar o processo interativo. Ao produzir suas contribuições para a conversa, expressam-se espontaneamente, construindo suas frases com os recursos que têm. Se atentarmos para a forma de seus enunciados, verificamos queali muitos usos próprios da linguagem não-monitorada, empregada no dia a dia em ambientes informais, nas conversas entre amigos ou entre pessoas que se conhecem bem. As crianças incorporaram esses usos ao seu repertório porque convivem em ambientes onde tais usos lingüísticos são frequentes. No entanto, como sabemos, é função da escola ampliar a competência comunicativa dos alunos, ajudando-os a dominar mais recursos comunicativos. A forma como as crianças do nosso diálogo conversam é adequada às interações informais, que não exigem uma fala monitorada. Mas, à medida que forem crescendo e avançando na sua escolaridade, terão necessariamente de participar em outros eventos, mais formais. Para se ajustarem de forma adequada às expectativas dos participantes nesses eventos mais formais, vão precisar monitorar também a sua fala. Por exemplo, na conversa informal com a professora, Daniel disse: “É para mim começar a falar, professora?”. Esse enunciado não está adequado a um evento de interação mais formal. Numa circunstância formal, Daniel precisará dizer: “É para eu começar a falar, professora?”. Esses dois enunciados são variantes da mesma regra variável[5].

    Vejamos agora  algumas características da fala dos alunos, discutindo em cada caso a variante que eles usaram e a outra variante possível, a que é reservada aos estilos mais monitorados. Quando discutimos regras variáveis com professores, uma pergunta frequente que surge é:  Por que temos na língua variantes que são bem recebidas em estilos formais e outras que não o são? Boa pergunta! Vamos a ela.

   A língua de uma comunidade é uma atividade social e como qualquer atividade social está sujeita a normas e convenções de uso[6].

   Em qualquer língua podemos escolher entre usos mais formais ou menos formais. Mas essa escolha não é totalmente livre. Ela é condicionada pelas normas que definem quando e onde é adequado usar linguagem informal (não-monitorada) e quando e onde se espera que os participantes da interação usem linguagem formal (monitorada).

     Toda vez que duas ou mais pessoas se envolvem numa interação verbal, cada uma delas cria expectativas sobre a forma como ela própria e seus interlocutores vão-se comportar. Queremos dizer que, em uma interação face a face, ou mesmo mediada pelo telefone ou pelo computador, todas as pessoas envolvidas seguem normas sociais que definem o seu comportamento, particularmente o seu comportamento linguístico. Se todas elas consideram a interação em que estão envolvidas como informal, tenderão a empregar formas linguísticas adequadas às interações informais. Se uma delas tiver uma interpretação diferente e considerar a situação como formal, poderá vir a empregar formas inadequadas para a situação. Da mesma maneira, em uma situação formal, se um interlocutor escolher usos linguísticos informais, sua fala resultará inadequada para a situação. Mas cabe aqui uma observação. Às vezes uma pessoa reconhece que a situação é formal, dispõe-se a monitorar-se, mas lhe faltam recursos comunicativos <

Categoria pai: Seção - Notícias


*Com alterações, Exame Nacional do Ensino Médio se tornaria seleção
unificada para instituições de todo o País
*


SÃO PAULO - O Ministério da Educação propõe nesta quarta-feira, 25, aos
reitores das universidades federais que o vestibular seja substituído por um
novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O estudante faria, em qualquer
Estado, teste com validade nacional e escolheria curso e instituição segundo
a nota obtida.

Atualmente, cada universidade realiza seu processo seletivo com provas e
datas diferentes. No novo formato, o Enem abordaria mais disciplinas e teria
mais questões - hoje são 63 de múltipla escolha e redação. O exame incluiria
questões dissertativas e objetivas, além de poder cobrar uma parte
específica, direcionada a áreas como ciências, para candidatos a Medicina.
Alguns cursos poderiam fazer uma segunda fase.

A proposta é semelhante à forma de seleção do Programa Universidade para
Todos (ProUni). Nele, o aluno escolhe curso e instituição com base na nota
do atual Enem, com mínimo de 45 pontos. As linhas gerais que o MEC propõe
também são semelhantes ao que ocorre nos Estados Unidos. Lá, cada
universidade determina a quantidade de pontos no teste, chamado Scholastic
Assessment Test (SAT), para que o candidato possa ter chances de ingressar
na instituição. O exame é nacional e cobra inglês, matemática e redação. Com
a pontuação mínima, o candidato passa por entrevista e envio de currículo.

Mobilidade

A mudança, se aceita pelos reitores, será válida só para as federais e
permitirá que um aluno tente várias instituições ao mesmo tempo, sem ter que
fazer vários vestibulares. Além disso, permitirá que um candidato do Acre
estude em São Paulo e vice-versa, aumentando a mobilidade. Hoje, para que
isso aconteça, o aluno precisa sair de seu Estado para fazer o vestibular no
local determinado pela universidade escolhida.

Apesar de o MEC ter passado a ideia de que os reitores das federais já
concordaram em ter o Enem pelo menos como uma primeira etapa dos
vestibulares, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais
de Ensino Superior (Andifes) diz que o assunto nem mesmo começou a ser
debatido. O tema até agora não está na pauta dos reitores. Vamos ouvir a
proposta do ministro (Fernando Haddad) e analisá-la, diz o secretário
executivo da Andifes, Gustavo Balduíno. O ministro reúne-se hoje com os
reitores em Brasília.

Uma das resistências é o atual formato do Enem, considerado pouco abrangente
quando comparado à seleção feita pelas federais. O modelo final do novo Enem
não está definido. Ontem, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (Inep) ainda trabalhava em uma proposta para apresentar aos
reitores. O princípio que Haddad pretende adotar prevê uma prova que analise
competências e habilidades, como o Enem, e não só conteúdos, como o atual
vestibular.

O ministro reclama que as atuais seleções não avaliam se o aluno aprendeu, o
que reflete na qualidade do ensino médio. A mudança pode levar à aproximação
com o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos,
que mede as mesmas habilidades do Enem, com mais conteúdo.

As universidades têm autonomia para definir seu processo seletivo, por isso
o MEC precisa do apoio delas para conseguir implantar a proposta. A prova
nacional, porém, não agrada a todos. Em São Paulo, reitores da Unifesp,
UFSCar e UFABC se reuniram para discutir, entre outros temas, a
possibilidade de um vestibular único para as três federais paulistas.

*O Estado de S.Paulo*, 26 mar. 2009.

Categoria pai: Seção - Notícias

Pesquisar

PDF Banco de dados doutorado

Em 30 de junho de 2025, chegamos a 2.053 downloads deste livro. 

:: Baixar PDF

A Odisseia Homero

Em 30 de junho de 2025, chegamos a  8.773 downloads deste livro. 

:: Baixar PDF

:: Baixar o e-book para ler em seu Macintosh ou iPad

Uma palavra depois da outra


Crônicas para divulgação científica

Em 30 de junho de 2025, chegamos a 16.170 downloads deste livro.

:: Baixar PDF

:: Baixar o e-book para ler em seu Macintosh ou iPad

Novos Livros

 





Perfil

Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

Leia Mais

Publicações

Do Campo para a cidade

Acesse: