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Comentários sobre o ensaio de Marcos Bagno “A dupla face do ‘errogramatical _ a face lingüística e a face sociocultural “

 

Stella Maris Bortoni-Ricardo

1º de novembro de 2004

 

 

poucos dias começou a circular no nosso grupo o ensaio de Marcos Bagno (MB). O que se segue são algumas considerações sobre esse trabalho.

 

1.                     Foi feliz MB ao iniciar suas reflexões situando o ‘erro’ numa perspectiva histórica.  Essas informações  nos permitem ter mais clareza sobre um fenômeno que está tão naturalizado na nossa visão de mundo, que nem sequer suscita muito estranhamento na sociedade. Interessante a referência ao “consensus bonorum” e ao consensus  eruditorum” entre os romanos. ( De onde o autor obteve essas informações?)

2.                     A ênfase do ensaio é na dupla natureza ( ou dupla face) do ‘erro’ : a lingüística e a social. Esta última está relacionada às dimensões sócio-simbólicas das variáveis lingüísticas. Sererroou não sererro’ depende da carga sócio-simbólica associada à variante. Wolfram e Fasold (1974)  estabelecem uma distinção útil entre variáveis que definem uma estratificação  “sharp” e as que definem uma estratificação “gradient”. Desde 198385 venho me valendo dessa distinção para analisar variáveis no Português do Brasil ( variáveis graduais e descontínuas)  Os dois tipos se distinguem pela distribuição da freqüência, mas principalmente pela consciência que a sociedade tem deles e o grau de estigmatização que recebem. A própria comunidade de pesquisadores ( gramáticos tradicionais e lingüistas descritivos) vai aos poucos ‘aceitando certas construções e resistindo a outras.

3.                     Como observa MB ( citando também Marta Scherre ) há variáveis  que passam despercebidas. É o caso da falta de concordância com sujeitos pospostos. Nos meus próprios textos, constato, ao revisá-los, que emprego muitas concordâncias não-padrão ou hipercorreções.

 

4.                     O  caráter sócio-simbólico das variáveis também joga um papel importante na construção das expectativas mútuas quando as pessoas interagem  ( “Quanto eu tenho de me monitorar para falar com ele neste momento?” ), bem como no julgamento que fazemos quando  recorremos ao código padronizado da língua como um quadro de referência. MB levanta ainda outras questões importantes:

 

5.                     Uma língua segue uma deriva, que não representa progresso ou decadência. Ela apenas vai-se alterando, de acordo com suaprogramaçãointerna e com as circunstâncias sócio-históricas das comunidades de fala. Mas com freqüência deparamos com nostálgicos  comentários sobre a bom português de antigamente. Até de profissionais da área ouvi isso.

 

6.                     A variação é inerente a toda língua natural ( Além de traço inerente é também uma fonte de recursos).

 

7.                     Há uma questão no texto que me parece polêmica .  MB está sugerindo ( ou estou enganada?) que é no mínimo uma ingenuidade, no máximo um desrespeito,  acreditar-se  que o uso de formas prestigiadas de falar podem garantir um melhor ajuste do indivíduo na sociedade.  Também acho que acreditar numa relação nômica, necessária, entre  conhecimento da variedade de prestígio e ascensão social é uma atitude simplista. Mas como ignorar o Enem, o Provão, o vestibular, os concursos públicos e todo o aparato que a filosofia meritocrática  contemporânea estabelece como “gatekeepers” no acesso às posições de mais status e melhor temuneração?  Isso me faz lembrar de um verso do samba “Tô” de Tom , na voz de Zélia Duncan, que está freqüentando as paradas : “Tô estudando pra podê ignorá”.

 

 

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A polêmica linguagem da internet



Você fala a minha língua?
Xeu jeitu di ixkreve parexe cum exe? Quero dizer: seu jeito de escrever parece com esse, cheio de xis, letras trocadas, palavras abreviadas? Para quem usa a internet direto, e vive postando mensagens em blogs, no Orkut e conversando pelo MSN, provavelmente a resposta é xim! (ops!), sim! Se esse é o seu caso, fique atento para
não exagerar na dose. Nas escolas, além de tirar pontos nas provas,alguns professores já fazem atividades em sala para evitar que os alunos reproduzam a linguagem cifrada fora da rede. E os exageros dessa língua virtual já são até polêmica entre quem tem menos de 20 anos.
Liberada na internet, essa linguagem (quase incompreensível para muitos) tem sido debatida nos colégios. Os professores acham normal que os adolescentes escrevam naum em vez de não, tah em vez
de tá e vc no lugar de você, desde que isso não ultrapasse os textos virtuais.
- A norma culta não permite esse tipo de grafia e na pressa tem aluno que abrevia palavras, por exemplo, e perde pontos. Mas não podemos negar que essa é uma linguagem rápida, que facilita a comunicação e estimula a escrita. Só temos de ficar atentos para saber se o erro foi por empolgação ou por dúvida na grafia - diz Muna Omran,
professora de literatura e redação da Escola Dínamis, que este ano ançou um desafio aos alunos do 2 ano. - Pegamos textos na internet e pedimos que os alunos traduzam-nos para a língua formal. O objetivo é levar o aluno à reflexão.
Luiza Torelly, vestibulanda do Centro de Educação e Cultura (CEC),admite que de tanto usar a internet tem dúvidas na hora de escrever.
 - Uso internet desde os 12 anos. Às vezes fico confusa com palavras
ridículas e me sinto meio analfabeta - exagera Luiza, de 17 anos, que mesmo assim não abre mão de usar a tal linguagem quando está na rede. - Não dá para escrever certinho. Incomoda. Parece velho.
Incomodado mesmo ficou Daniel Pinheiro, que já perdeu pontos numa prova de história por usar abreviação. Hoje ele ainda conversavirtualmente, mas evita exageros:
- Nada contra. Só cansei de escrever errado - diz Daniel, de 17 anos,
aluno da Dínamis.
Quando o aluno não percebe que precisa se controlar, Nanci Araújo,
coordenadora do Colégio Stockler, diz que é obrigação da escola mostrar que não pode passar do limite:
- Muitos alunos estão errando a grafia das palavras, a concordância
das frases por causa da internet. Tem de tomar cuidado para não
perder o domínio básico da língua.
Julia Tostes e Paola Marinho, por exemplo, usam a internet
diariamente e escrevem abreviado, inclusive nos cadernos da escola.
Mas acham exagero escrever tudo com x e vivem se policiando.
- No 3 ano não dá mais para escrever tão errado, por causa do
> vestibular. Nas provas da escola, leio e releio tudo - diz Julia, aluna do CEC, cuja direção proibiu o uso de Orkut e MSN nos computadores da escola, pois alunos ocupavam os terminais e deixavam na fila quem queria estudar.
Mas essa língua não tem aparecido no vestibular. O coordenador do concurso da UFRJ, Luiz Otávio Langlois, diz que nunca ouviu reclamações dos corretores das provas. Beatriz Barreto, coordenadora
da banca de redação da PUC, acha que os estudantes sabem quando podem ou não usar a linguagem de internet.
- Também dou aula no Santo Inácio e vejo que os alunos têm problemas ortográficos, mas discordo de que seja culpa da internet.Para quem já está na faculdade, resistir à facilidade de escrever em código também é difícil, até para alunos de letras. Davi Pinho, do 2º período da Uerj, que o diga:- Quando digito um trabalho tenho que reler com muita atenção, pois acabo usando muita abreviação. No computador é sempre mais difícil de
se controlar.
O X da polêmica virtual
A polêmica sobre o uso desmedido dessa linguagem virtual já chegou à rede. No Orkut, por exemplo, existem várias comunidades do tipo Eu odeiu genti ki iskrevi axim (com 84.511 membros) ou outras que defendem a escrita tatibitate, como a Ixklevu axim xim i daih? (com apenas 127). Será que essa língua do x seria apenas uma nova língua do p? Ou tem chance de ter palavras incorporadas ao português. O filólogo Evanildo Bechara diz que é difícil fazer futurologia sobre sso, pois essa é uma linguagem da moda e, como todo modismo, passa ou sofre alterações:
- Já abreviamos palavras. Mas esse tipo de linguagem não é suficiente para traduzir os anseios dos homens. À medida e que evolui, eleprecisa de formas de comunicação mais complexas. Helena Granitoff, por exemplo, diz que parou de usar linguagem de internet, mesmo online. Fez isso com medo de errar nas provas da escola. Pedro Henrique Fernandes, que estuda com Helena na Escola
Dínamis, conta que usa esse tipo de escrita, mas com moderação.Apesar disso, acha que a linguagem virtual poderá substituir a formal:
- É um processo lento.
Eloiza da Silva Gomes de Oliveira, diretora da Faculdade de Educação
da Uerj, explica que a linguagem virtual tem a mesma função da gíria.É rápida e, por ser inusitada, é muito sedutora para os adolescentes.Sobre a possibilidade de essa escrita alternativa um dia substituir a língua formal, Eloiza acha pouco provável, pois até para escrever em código é preciso dominar a escrita estendida.

 http:oglobo.globo.comjornalSuplementosMegazine167512645.asp




Fonte: O Globo , 5abril2005

Categoria pai: Seção - Notícias

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em Língua Materna: a Sociolingüística em sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004. 108p.

 

Resenhado por Ana Dilma de Almeida Pereira (UnB)

 

Educação em Língua Materna: a Sociolingüística em sala de aula, publicado em 2004, é uma importante contribuição especialmente para osas professoresas do ensino fundamental e para aqueles que se interessam pelas questões que norteiam a educação lingüística[1].

         A obra está organizada em sete capítulos. Cada capítulo traz em sua introdução o objetivo do texto a ser trabalhado. Entre os objetivos, temos:

·              Identificar as principais características sociolingüísticas da sociedade brasileira e suas implicações para a educação.

·              Facilitar a conscientização sobre variação lingüística.

·              Refletir sobre a variação lingüística no repertório dos professores e dos alunos de Ensino Fundamental.

·              Levar o aluno a aprofundar sua conscientização sobre a variação lingüística e a educação em língua materna.

·              Sistematizar as informações sobre a variação lingüística no Brasil.

·              Introduzir os conceitos de competência lingüística e competência comunicativa e suas implicações para a educação.

·              Sistematizar as informações sobre regras de variação na fonologia e morfossintaxe.

         Com uma linguagem facilitadora, voltada para o professor que atua em sala de aula, ao longo de sua obra, Bortoni-Ricardo convida o professor a fazer uma leitura crítica, refletindo, discutindo, lendo outros textos e realizando atividades junto aos alunos.

         Na apresentação do livro, Bortoni-Ricardo enfatiza que, após mais de vinte anos de pesquisa como sociolingüista, a produção desse material foi o trabalho que mais lhe deu satisfação. Sua primeira preocupação, no momento da elaboração, não era apenas o que iria apresentar no texto para tornar-se uma efetiva contribuição ao professor das séries iniciais, mas o que não iria incluir. Seu principal parâmetro era se aquele conhecimento acumulado na área da Sociolingüística e, mais especialmente, na Sociolingüística aplicada às questões educacionais poderia ser importante ao professor.

         Uma segunda preocupação da autora foi partir de uma direção macro para uma direção micro. Direção macro, pois considera o Brasil como uma comunidade de fala, um país majoritariamente de língua portuguesa. Ela procurou se deter nas regularidades da língua portuguesa. Algumas questões conduziram-na, como as questões que normalmente são levantadas a ela, em qualquer lugar do Brasil: O professor deve corrigir ou não seu aluno quando ele fala errado? O aluno fala ou não fala errado? Se o professor considera que ele fala errado ou a gramática diz que ele fala errado, o professor ignora ou não corrige para não causar nenhum “trauma”? Sem dúvida, essas são questões que perturbam todos os professores, principalmente de duas décadas para cá.

Outra preocupação presente na obra era também responder: Quem somos nós que constituímos uma comunidade de fala de língua portuguesa e como essa comunidade se constitui ao longo do processo sócio-histórico? Bortoni-Ricardo explica-nos que ela não se constitui aleatoriamente. As características que ela venha a ter na sua variação eminente e o fato de termos algumas manifestações que têm prestígio e algumas que não têm prestígio são decorrentes do processo sócio-histórico da própria dominação de poder no Brasil, como acontece em qualquer outra nação.

 A autora iniciou a produção do material nessa direção macro: o que determina a grande variação do português do Brasil. E seguindo um professor que foi muito influente na formação de lingüistas, Serafim da Silva Neto, deu ênfase ao contínuo rural e urbano no Brasil. Este trabalho está sendo revisado por ela, mostrando que a classificação apresentada pelo IBGE a respeito do que seja rural e urbano necessita de correções, pois, a par de características sócio-demográficas, há características socioculturais e sociolingüísticas.

No livro, Bortoni-Ricardo procura ilustrar esses conceitos com episódios da literatura, como os do livro “Rememórias Dois”, de Carmo Bernardes, e com episódios reais, como, por exemplo, os dados coletados a partir de trabalho etnográfico realizado em várias escolas no Brasil, sempre remetendo-os aos professores que colaboraram para a pesquisa.

A respeito da diversidade lingüística e da pluralidade cultural no Brasil, ela nos mostra:

Ao ler o texto, você deve ter encontrado algumas palavras que não fazem parte de seu repertório lingüístico. Você não as conhece porque algumas delas são palavras e expressões características da cultura rural da região Centro-Oeste, onde o autor foi criado. Outras, além de pertencerem ao léxico regional, também são arcaicas, isto é, já não são usadas com freqüência, tendo sido preservadas na cultura de grupos sociais mais isolados, como é o caso das comunidades rurais. (2004: 15)

A autora também apresenta conceitos importantes, tais como: domínios sociais e papéis sociais:

Esses são os três ambientes onde uma criança começa a desenvolver o seu processo de sociabilização: a família, os amigos e a escola. Podemos chamar esses ambientes, usando uma terminologia que vem da tradição sociológica, de domínios sociais. Um domínio social é um espaço físico onde as pessoas interagem, assumindo certos papéis sociais. Os papéis sociais são um conjunto de obrigações e de direitos definidos por normas socioculturais. Os papéis sociais são construídos no próprio processo da interação humana. (...) Quando observamos um diálogo entre mãe e filho, por exemplo, verificamos características lingüísticas que marcam ambos os papéis. As diferenças mais marcantes são as intergeracionais (geração mais velhageração mais nova) e as de gênero (homemmulher). Você, caroa colega professora, conhece bem essas diferenças sociolingüísticas que ocorrem na interação no seio de sua própria família. (2004: 23)

Esses conceitos, apresentados por ela, remetem a um terceiro: o conceito de cultura de letramento:

Carmo Bernardes, nas suas memórias, nos diz que, com seus parentes “conversava por trinta, tinha ladineza e entendimento”. É, sem dúvida, no domínio do lar e da família onde nos sentimos mais à vontade para conversar. Por isso, o menino, em casa, era tão tagarela. Não se sentia constrangido. Podemos dizer que, nessas circunstâncias, a pressão comunicativa sobre ele era mínima. Já na escola...

Você pôde observar que a transição do domínio do lar para o domínio da escola é também uma transição entre uma cultura predominantemente oral e uma cultura permeada pela escrita, que vamos chamar de cultura de letramento. (2004: 24)

Dessa forma, a autora enfatiza um dos objetivos do livro, introduzindo a reflexão sobre a variação lingüística:

O que estamos querendo dizer é que, em todos os domínios sociais, há regras que determinam as ações que ali são realizadas. Essas regras podem estar documentadas e registradas, como nos casos de um tribunal do júri ou de um culto religioso, ou podem ser apenas parte da tradição cultural não documentada. Em um ou outro caso, porém, sempre haverá variação lingüística nos domínios sociais. O grau dessa variação será maior em alguns domínios do que em outros. (...) Mas em todos eles há variação, porque a variação é inerente à própria comunidade lingüística. (2004: 25)

Um importante aspecto, ressaltado no livro, refere-se a Chico Bento. Na década de 80, o Conselho Nacional de Cultura resolveu proibir a revista em quadrinhos “Chico Bento”, pois acreditava que ela contribuía para que as crianças falassem “errado”. Bortoni-Ricardo enfatiza que esta conclusão é absurda. E defende que o personagem Chico Bento é muito importante porque considera aos alunos que existem muitas formas de utilizar o português do Brasil:

Chico Bento pode se transformar, em nossas salas de aula, em um símbolo do multiculturalismo que ali deve ser cultivado. Suas historinhas são também ótimo recurso para despertarmos em nossos alunos a consciência da diversidade sociolingüística. (2004: 46)

Ainda na visão macro, com o objetivo de analisar o português no Brasil, Bortoni-Ricardo propõe a metodologia dos três contínuos: contínuo de urbanização, contínuo de oralidade-letramento e contínuo de monitoração estilística.

Em relação ao contínuo de urbanização, ela considera que este pode ser representado da seguinte forma:

 


Variedades rurais isoladas

Área rurbana

Variedades urbanas padronizadas

 

 (...) No contínuo de urbanização, não existem fronteiras rígidas que separem os falantes rurais, rurbanos ou urbanos. As fronteiras são fluidas e há muita sobreposição entre esses tipos de falares. (2004: 53)

 ... estamos denominando ‘rurbanas’, valendo-nos de terminologia da antropologia social, as comunidades urbanas de periferia, onde há forte influência rural na cultura e na língua. (2004: 65)

Partindo de atividades propostas aos professores-alunos, introduz a importante noção de traços graduais e descontínuos:                                                                                                   

Você mesmo já fez uma lista de palavras e expressões usadas pelo Chico Bento e que não aparecem com freqüência na sua linguagem. (...) Alguns itens ali são típicos dos falares situados no pólo rural e que vão desaparecendo à medida que nos aproximamos do pólo urbano. Dizemos, então, que esses traços têm uma distribuição descontínua, porque seu uso é “descontinuado” nas áreas urbanas. Há outros traços... que estão presentes na fala de todos os brasileiros e, portanto, se distribuem ao longo de todo o contínuo. Esses traços, ao contrário dos outros, têm uma distribuição gradual. Vamos chamá-los de traços graduais.  Observe que os traços decontínuos são os que recebem a maior carga de avaliação negativa nas comunidades urbanas. (2004: 53)

Bortoni-Ricardo explica que os contínuos lidam com os atributos do falante. A rede de relações sociais do falante são características que afetam a sua posição no contínuo, afetam o seu repertório lingüístico. E essa variação lingüística decorre de vários fatores: grupos etários, gênero, status socioeconômico, grau de escolarização, mercado de trabalho e rede social que representam os atributos de um falante:

Podemos, então, dizer que a variação lingüística depende de fatores socioestruturais [atributos de um falante] e de fatores sociofuncionais [resultam da dinâmica das interações sociais]. (...) Então, na prática, os fatores estruturais se inter-relacionam com os fatores funcionais na conformação dos repertórios sociolingüísticos dos falantes. Além disso, ao estudarmos a variação lingüística, levamos em conta, também, fatores da própria língua – fatores lingüístico-estruturais... Em suma, os fatores lingüístico-estruturais podem ser fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos, pragmáticos e até discursivos. (2004: 49)

Se o primeiro contínuo cuida dos atributos do falante, o segundo cuida das práticas sociais. Bortoni-Ricardo afirma que em uma comunidade como a nossa, uma sociedade tecnológica, onde há um grande impacto da cultura letrada em todas as nossas atividades, é muito importante que saibamos distinguir as práticas sociais determinadas pela cultura letrada e as práticas sociais que são estritamente orais. O segundo contínuo trata das práticas sociais de letramento e das práticas sociais de oralidade:

Vamos agora usar outra linha imaginária, outro contínuo, ao longo do qual vamos dispor os eventos de comunicação, conforme sejam eles eventos mediados pela língua escrita, que chamaremos de eventos de letramento, ou eventos de oralidade, em que não há influência direta da língua escrita. O nosso contínuo pode ser imaginado assim:

 


    Eventos de oralidade                                                    Eventos de letramento

Como no caso do outro contínuo, não existem fronteiras bem marcadas entre os eventos de oralidade e de letramento. As fronteiras são fluidas e há muitas sobreposições. (2004: 61-2)

Quanto ao terceiro contínuo, Bortoni-Ricardo coloca-nos que ele tem uma natureza psicológica e uma relação com o grau de atenção que damos ao ato de falar, chamado de monitoração. Ela exemplifica: quando estamos sob grande pressão emocional ou com muita pressa ou mesmo quando estamos envolvidos em uma interação afetiva, prestamos pouca atenção ao que estamos falando, a forma não tem grande diferença. Mas há momentos em que a forma tem grande diferença. Então, procuramos ser cuidadosos na escolha do vocabulário e na escolha das construções morfossintáticas. Ela ainda acrescenta que o processo de monitoração, sem dúvida, é cansativo, pois ocorre a pressão comunicativa. E enfatiza que a burocracia e a forma como a sociedade se organizou, nos exige este monitoramento:

 


- monitoração                                                                          + monitoração

 

A variação ao longo do contínuo de monitoração estilística tem, portanto, uma função muito importante de situar a interação dentro de uma moldura ou enquadre. As molduras servem para orientar os interagentes sobre a natureza da interação... (2004: 63) 

Após a apresentação dos contínuos, Bortoni-Ricardo deixa a análise macro para tratar de uma direção mais micro, que é o microcosmo da sala de aula. Ela apresenta muitos exemplos de interação professor-aluno. E levanta questões: Como os professores reagem na convivência e na interação com os alunos, naqueles momentos críticos em que se justapõem duas variantes: a variante prestigiada, abonada nas famosas gramáticas normativas e a variante não-prestigiada, a variante usada pela grande parte da população? Se a criança diz ‘nós vinhemu’, o que faz o professor diante disso? Como o professor pode efetivamente trabalhar a variação em sala de aula, respeitando os saberes que seu aluno traz da sua comunidade cuja cultura é predominantemente oral? Como o professor pode fazer um trabalho respeitando a variação regional? A variação regional é passível de muito preconceito?

Diante dessas questões, acreditamos que seja relevante mostrar como Bortoni-Ricardo aborda, ao longo de sua obra, as pré-concepções que permeiam o ensino de língua, isto é, a questão dos mitos, tais como os apresentados por Marcos Bagno (2002) em seu livro “Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz”.

·   Mito: “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”;

O texto de Carmo Bernardes, além de nos ensinar muitas palavras e expressões novas, que  ilustram a riqueza da cultura e da linguagem rurais, nos conduz a uma reflexão sobre a Língua Portuguesa no Brasil, suas características e variação, especialmente as diferenças entre o Brasil urbano e o Brasil Rural. (Bortoni-Ricardo, 2004: 18)

·    Mito: “As pessoas sem instrução falam tudo errado”;

  A fala de Chico Bento, por exemplo é tão bem formada quanto um texto de Machado de Assis, considerando-se que ambos os falantes – Chico Bento e Machado de Assis – internalizaram as regras constitutivas das sentenças em Português e ambos têm o português como língua materna. As diferenças entre os textos de Chico Bento e o de Machado de Assis decorrem, basicamente, de localizar-se o primeiro no pólo rural e o segundo, no pólo urbano do contínuo. Além disso, a fala de Chico Bento caracteriza um evento de oralidade não-monitorado, enquanto que o texto de Machado de Assis é um exemplar de evento de letramento que, por definição, requer muito planejamento e monitoração. Nenhum falante usa mal sua língua materna. (Bortoni-Ricardo, 2004: 72)

Deixe claro para eles [alunos] que não existe forma “certa” ou “errada” de falar, mas sim formas adequadas às diversas situações. Esta questão é muito importante e vai ser mais trabalhada ao longo deste livro. (Bortoni-Ricardo, 2004: 30)

·   Mito: “O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão”;

  Essas crenças sobre a superioridade de uma variedade ou falar sobre os demais é um dos mitos que se arraigaram na cultura brasileira. Toda variedade regional ou falar é, antes de tudo, um instrumento identitário, isto é, um recurso que confere identidade a um grupo social. Ser nordestino, ser mineiro, ser carioca etc. é um motivo de orgulho para quem o é e a forma de alimentar esse orgulho é usar o linguajar de sua região e praticar seus hábitos culturais. (Bortoni-Ricardo, 2004: 33)

·   Mito: “O certo é falar assim porque se escreve assim”;

Até hoje, os professores não sabem muito bem como agir diante dos chamados “erros de Português”. Estamos colocando a expressão erros de Português entre aspas porque a consideramos inadequada e preconceituosa. Erros de Português são simplesmente diferenças entre variedades da língua. Com freqüência essas diferenças se apresentam entre a variedade usada no domínio do lar, onde predomina uma cultura de oralidade, em relações permeadas pelo afeto e informalidade, como vimos, e a cultura de letramento, como a que é cultivada na escola. (Bortoni-Ricardo, 2004: 50)

Da perspectiva de uma pedagogia culturalmente sensível aos saberes dos alunos, podemos dizer que, diante da realização de uma regra não-padrão pelo aluno, a estratégia da professora deve incluir dois componentes: a identificação da diferença e a conscientização da diferença. (Bortoni-Ricardo, 2004: 42)

·   Mito: “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”.

Em toda comunidade de fala onde convivem falantes de diversas variedades regionais, como é o caso das grandes metrópoles brasileiras, os falantes que são detentores de maior poder – e por isso gozam de mais prestígio – transferem esse prestígio para a variedade lingüística que falam. Assim, as variedades faladas pelos grupos de maior poder político e econômico passam a ser vistas como variedades mais bonitas e até mais corretas. Mas essas variedades, que ganham prestígio porque são faladas por grupos de maior poder, nada têm de intrinsecamente superior às demais. O prestígio que adquirem é mero resultado de fatores políticos e econômicos. O dialeto (ou variedade regional) em uma região pobre pode vir a ser considerado um dialeto “ruim”, enquanto o dialeto falado em uma região rica e poderosa passa a ser visto como um “bom” dialeto. (...) Lembre-se, porém, de que esses juízos de valor são ideologicamente motivados e geram preconceitos que devemos combater. (Bortoni-Ricardo, 2004: 33-4)

Bortoni-Ricardo trabalha conceitos complexos, que são indispensáveis à educação em língua materna. Entre eles, está a diferença entre competência lingüística e competência comunicativa:

Acabamos de ver o conceito de competência lingüística que Chomsky opôs ao conceito de desempenho. A primeira é abstrata e consiste no conhecimento internalizado que o falante tem das regras para formação de sentenças na língua; o desempenho, por outro lado, consiste no uso efetivo da língua pelo falante. (2004: 73)

A principal reformulação [ao conceito de competência lingüística de Chomsky] foi proposta pelo sociolingüista norte-americano Dell Hymes, em 1966. (...) Hymes então propôs um novo conceito – o de competência comunicativa, que é bastante amplo para incluir não só as regras que presidem à formação das sentenças, mas também as normas sociais e culturais que definem a adequação da fala. (2004: 73)

Além da adequação, outra dimensão importante que Dell Hymes incluiu no conceito de competência comunicativa é o de viabilidade. O autor associou a noção de viabilidade a fenômenos sensoriais e cognitivos, como a audição, a memória etc. Nós preferimos, porém, associar o requisito de viabilidade à noção de recursos comunicativos. Para viabilizar um ato de fala, o falante precisa dispor de recursos comunicativos de diversas naturezas: recursos gramaticais, de vocabulário, de estratégias retórico-discursivas etc. (2004: 74)

A autora também aborda os parâmetros que definem a competência comunicativa, como: o grau de dependência contextual, o grau de complexidade cognitiva, a familiaridade com a tarefa comunicativa. Esses parâmetros estão associados à questão da ampliação dos recursos comunicativos dos falantes.

No livro, já em um plano mais técnico, ainda são discutidos alguns aspectos do português do Brasil que estão em processo de mudança, como determinados fenômenos, sejam eles: fonológicos, morfológicos ou sintáticos. Ela então exemplifica: ‘eu o vi’ e ‘eu vi ele’. As duas formas estão convivendo na língua. Quando duas formas estão convivendo na língua, muito freqüentemente, uma delas tem prestígio e a outra é considerada “ruim”. Em uma cultura como a nossa, em que se valoriza muito a gramática normativa, a forma que não está abonada nesta gramática passa ser a “ruim”. Bortoni-Ricardo procura mostrar, então, quais são as regras variáveis e os fenômenos que estão em mudança na língua. Mas também ela se detém em alguns fenômenos que não têm conseqüência na morfossintaxe, mas que são fenômenos muito produtivos como a supressão do r final, principalmente dos verbos no infinitivo e dos substantivos, a neutralização, a desnasalização e os fenômenos de assimilação. Foram dadas algumas orientações ao professor-aluno para examinar esses fenômenos, fazendo um pequeno exercício quantitativo, isto é, somando o que seus alunos apresentam e verificando se os lingüistas, ao postularem as escalas de saliência, e se o professor, ao obter o trabalho com o aluno, ratifica ou não as tabelas organizadas pelos lingüistas.

Para trabalhar esses fenômenos, partiu-se da estrutura da sílaba. Ela acredita que se houver uma boa consciência de que a nossa sílaba canônica, mais comum, é formada por consoante e vogal (CV); que há as sílabas travadas (CVC); sílabas mais complexas (CCV); e mais complexas ainda (CCVC); ver-se-á, em função da complexidade dessa sílaba, que há muitas tendências operando sobre a fala dos alunos:

Estamos dando tanta ênfase ao estudo das tendências evolutivas da própria deriva da língua para criarmos com firmeza a convicção de que os chamados “erros” que nossos alunos cometem têm explicação no próprio sistema e processo evolutivo da língua. Portanto, podem ser previstos e trabalhados por meio de uma abordagem sistêmica. (2004: 100)

Por exemplo, quando um aluno suprime um r, suprime um s ou desnasaliza uma sílaba que termina com vogal nasal, ele está agindo exatamente de acordo com as tendências da língua.

Esses foram os aspectos apresentados por Bortoni-Ricardo em seu livro, questões que, incontestavelmente, são produtivas aos professores e àqueles que têm a oportunidade de analisar este material valioso.

 

Bibliografia

 

BAGNO, Marcos. Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz. 12.ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em Língua Materna: a Sociolingüística em sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004.

 

* Resenha publicada na Revista Polifonia. Cuiabá: EDUFMT, n.10, p.177-190, 2005.



Proposta Pedagógica da SEEDF para o BIA ( Bloco Inicial de Alfabetização)  - Fragmento

A SEEDF entende por alfabetização, nas três Etapas do BIA, o ensino da língua escrita como forma de desenvolver nos alunos as competências e as habilidades pertinentes à codificação e à decodificação referentes aos conteúdos gerais da gramática textual: coesão, coerência, unidade temática, clareza, concordância, etc., cuja função é determinada pelo contexto do texto, ou seja, pela inserção desses elementos no próprio texto; como também as habilidades e as competências referentes aos conteúdos básicos do código da escrita alfabética (letras, sílabas, famílias silábicas, direção da escrita, segmentação das palavras, sentenças e textos, etc.).

Portanto, entende-se por alfabetização, no BIA, a sistematização dos recursos do código e seus princípios organizadores (codificação e decodificação), pois, após a consolidação da alfabetização, essas competências e conteúdos estarão presentes na prática de produção de textos orais e escritos.

A sistematização dos recursos do código e seus princípios organizadores devem-se dar por meio de um trabalho que contemple as “Quatro Práticas do Ensino da Língua”, proposta que conforme (KLEIN 2002, p. 34- 38) se organiza na forma de desenvolvimento de unidades de trabalho pedagógico para o desenvolvimento do processo de alfabetização, em que os alunos atinjam a condição de letramento, quais sejam:

a) Prática da leitura e interpretação – a quantidade das práticas de leitura e a qualidade dos textos oferecidos aos alunos devem observar duas situações diferentes na operacionalização dessas práticas: leituras de pura fruição, sem a intervenção do professor, como “cantinho da leitura”, com variadas opções de texto (livros de histórias; poesias; crônicas; livros informativos; jornais; revistas e histórias em quadrinhos), promovendo um clima favorável à leitura e o incentivo aos alunos para explorarem esses textos sem fazer qualquer tipo de cobrança sobre a leitura realizada, para que se possa criar um clima de intimidade com o material escrito e despertar o gosto pela leitura; leituras com intervenção pedagógica, as quais constituem estratégia para o ensino e a aprendizagem. Neste caso, a escolha de textos variados de boa qualidade, no conteúdo e na forma, se dá em função do conteúdo[1] que o professor deseja sistematizar, seja leitura oral, seja interpretação ou, ainda, como referência para o estudo dos conteúdos ou às relações textuais.

 No primeiro momento do processo de alfabetização, a leitura será feita pelo professor, para os alunos. À medida que as crianças forem dominando a decodificação, o professor transferirá aos alunos, gradativamente, essa atividade, até que eles tenham condições de realizá-la com autonomia. Nessas atividades de leitura, o professor deve trabalhar com aspectos da decodificação, interpretação e análise lingüística dos textos. Também é preciso que as atividades de interpretação contemplem o exercício crítico dos conteúdos ideológicos que porventura estejam presentes no texto.

 

b) Prática da produção textual (oral e escrito) – a produção de texto pode-se dar a partir da simples denominação de elementos de desenhos das crianças e por relatos, o que supõe a escrita de textos narrativos e narrativo-descritivos. Aos poucos, outros textos poderão ser incluídos (normativos, de correspondências, etc.) até chegar ao texto dissertativo, evidentemente, ainda que bem simplificado. A produção pode se dar no coletivo ou individualmente.

No primeiro momento da alfabetização, quando os alunos ainda não dominam a escrita, o texto deve ser produzido oralmente pelos alunos e o professor será o seu escriba. Progressivamente o professor deve ir transferindo a atividade de escrever para os alunos, à medida que eles forem evoluindo em suas hipóteses de escrita.

      Que letra usar? A letra caixa-alta é ideal para as primeiras tentativas de escrita. Seu traçado de linhas retas facilita o trabalho da criança na escrita, por ser mais fácil discriminá-lo. Todavia, sugere-se que, na leitura, o professor trabalhe com todos os tipos de letra, mas que, no ato de escrita do aluno, inicialmente seja utilizada a letra caixa-alta, até mesmo porque “todas as situações reais de necessidade de escrita com que nos defrontamos hoje em dia (preencher cheques, escrever bilhetes, fazer listas de compras, redigir pequenas notas, registrar endereços, etc.) aceitam muito bem a letra caixa-alta” (KLEIN, 1999).

Assim sendo, não há necessidade de impor às crianças da primeira Etapa do BIA um esforço artificial e descabido para as suas práticas de escrita. Contudo, é preciso que o aluno aprenda a ler todos os tipos de letra (inclusive os tipos fantasia), pois estão presentes até mesmo no teclado das multimídias.

a) Prática da análise lingüística – a análise lingüística constitui-se em atividade paralela às atividades de leitura e produção textual. Nas atividades de leitura, ela pode ser vivenciada por meio das observações, perguntas dirigidas e inversões que o professor faz sobre um ou outro aspecto da organização do texto. Ex.: o professor altera, pela entonação de voz, a pontuação do texto e indaga aos alunos se a idéia do texto permaneceu a mesma. Pode também omitir uma palavra ou inverter a ordem da mesma. É importante que, ao trabalhar com essas atividades, o professor vá apontando para os alunos que uma alteração na produção escrita pode produzir uma alteração de sentido dela.

No caso de produção de texto pelo aluno, o professor pode combinar que os textos produzidos por eles serão objetos de discussão e de reescrita em sala. Assim, cabe ao professor fazer as escolhas alternadas, ou seja, ora o texto de um, ora o texto de outro, para que as crianças discutam a respeito da idéia que o autor quis expressar e a melhor maneira de fazê-lo. Pode pedir ainda que o grupo apresente solução para a correção de frases. Caso não seja resolvida a questão, o próprio professor efetua a correção tendo o cuidado de explicar, detalhadamente, todos os aspectos que foram alterados na nova construção da frase, tais como: ortografia, concordância, regência, ordem das palavras, coesão, etc. Esse trabalho de reescrita exige que o professor tome alguns cuidados como:

a.       Reescrever o texto da criança na íntegra.

b.      Processar a reescrita do texto em sala de aula, com a presença do autor, comentando as razões de cada alteração.

c.       Escolher um ou dois problemas mais relevantes para que a explicação deles seja feita de forma mais detalhada.

d.      Trabalhar com atividades que venham a sistematizar as explicações dadas para os problemas mais relevantes.

e.       Pautar a escolha do texto para a reescrita pela presença reiterada de problemas que ainda não foram superados pela maioria dos alunos.

f.  Fazer a escolha do texto a ser analisado com muito cuidado e tato para não interferir negativamente na auto-estima do aluno. Por isso, os textos de todos os alunos devem ser contemplados nessa análise, de modo que esse tipo de correção se configure como uma atividade normal, cotidiana e da qual todos participam.

g.       corrigir os textos assumindo um duplo objetivo: primeiro, possibilitar ao professor confirmar e consolidar os conhecimentos já dominados e, segundo, identificar os “erros” e proceder aos esclarecimentos da forma correta da escrita. Por exemplo: quando uma criança escreve a palavra “cazaco”, ela está demonstrando que conhece o valor fonético da letra z, mas que não tem domínio da grafia de duas letras representando o mesmo som, em posição fixa, ou seja, no mesmo lugar e não em lugares diferentes como é o caso das letras s e z, que são usadas, ora uma, ora outra, para representar o som de [z] entre duas vogais. É o caso de casaco, reza. Aqui cabe ao professor, em primeiro lugar, confirmar o conhecimento da criança sobre esse valor fonético, explicando-lhe que, na nossa língua, esse fonema pode ser representado por três letras: z, s e x. No entanto, toda vez que a palavra tem o mesmo som em posição fixa (no mesmo lugar), apenas uma dessas alternativas é a correta e, no exemplo, escreve-se “casaco” com s. A compreensão do erro da criança pelo professor alfabetizador é de vital importância para o avanço do processo de aprendizagem, uma vez que por trás desse erro há uma lógica que o norteou. Assim, quando uma criança escreve batu, quando deveria escrever bateu, ela certamente está confundindo o nome da letra t com o seu valor fonético [t], por isso, todo “erro” da criança delega para o professor a responsabilidade de dar uma explicação clara e compreensível, capaz de levá-la entender por que o seu raciocínio está equivocado.

b) Prática da produção de atividades para a sistematização do código - o domínio do código não pode ser relegado ao segundo plano. Não se pode mais ignorar a importância de sua sistematização, quanto mais proibir qualquer trabalho específico com as letras, com as sílabas e, sobretudo, com as famílias silábicas. Assim sendo, se no processo de alfabetização há a recomendação de que o professor não limite sua prática à memorização de famílias silábicas; também se reconhece que a alfabetização não se dá sem uma abordagem das letras e sílabas, que são, afinal, o conteúdo do sistema gráfico da língua, juntamente com os sinais diacríticos (na língua portuguesa representados por til, hífen, acentos circunflexo, agudo, grave, trema, apóstrofo, de acordo com certas regras ortográficas).

Embora se saiba que as práticas descritas (leitura, produção de textos e análise lingüística) contribuem para a aquisição do sistema gráfico, também é preciso que o professor desenvolva atividades específicas que auxiliem os alunos a compreenderem as relações entre letras e fonemas percebendo a existência de relações de correspondência biunívocas entre fonemas e letras; relações de uma letra representando diferentes sons, segundo a posição; relações de um som representado por diferentes letras e, por último, as relações de letras que representam fonemas idênticos em contexto idêntico.

Para tanto, propõe-se que, partindo de uma palavra já identificada no texto trabalhado pelas crianças, o professor desenvolva atividades variadas de comparação gráfico-fonética com outras palavras, como também atividades de identificação de outros vocábulos pela decomposição, composição e combinação, para que a criança domine os padrões silábicos.

A prática de comparação gráfico-fonética é de fundamental importância em função de a língua escrita ser pura convenção e conter inúmeras arbitrariedades na relação letrafonema. A criança só consegue dominar o processo de codificaçãodecodificação da escrita se:

·        Identificar o nome das letras em diversas posições.

·        Compreender que a referência para os sinais escritos são os fonemas.

·        Compreender a regularidade do padrão sonoro da articulação de uma consoante com as cinco vogais ( ba, be, bi, bo, bu, etc.).

·        Memorizar os valores fonéticos de todas as vogais e de todas as consoantes.

·        Aplicar, dedutivamente, a partir de um grupo de sílabas já consolidadas, a regularidade do padrão sonoro da articulação da consoante com as vogais.

·        Saber que a compreensão da relação oralidadeescrita deve seguir-se à memorização do valor fonético das letras (vogais e consoantes) e à de padrões silábicos. Dessa forma, o aluno não precisa memorizar todas as formas silábicas da língua porque, conhecendo o valor fonético das letras, poderá, por simples generalização, descobrir outras formas, sem que necessite seguir uma ordenação seqüencial das famílias silábicas, porquanto elas vão surgir dependendo das palavras interessantes que aparecerem no desenvolvimento das atividades com o texto.

Desse modo, fica evidente a importância tanto do trabalho com as sílabas, como do esforço de memorização. No entanto, cabe ao professor desenvolver atividades bem criativas que facilitem a memorização, para que as crianças não se desviem do esforço de aprender, uma vez que as atividades monótonas, repetitivas e mecânicas não concorrem para a aquisição da leitura e da escrita.

É por isso que para as atividades de decodificação e codificação sugerem-se o uso de jogos como bingo, jogo da memória, dominó e outros, bem como o uso do alfabeto móvel.

             Nesse sentido, é preciso que o professor alfabetizador entenda que o letramento, enfim, produz ações, o que possibilita a aproximação com o outro e, nesse processo, aprender a aprender e a reaprender novas relações e novos lugares. Logo, é nessas relações que a pessoa tem a possibilidade de entender a incompletude própria dos seres humanos, ou seja, é possível apreender do outro o que lhe falta e, por isso mesmo, pode igualmente se constituir em instrumento de completude do outro.

Por conseguinte, ao professor alfabetizador cabe compreender que letramento não é um método, tampouco uma didática ou um novo modelo pedagógico, mas, essencialmente, uma concepção que vai provocar atitudes e direcionamentos ao seu fazer pedagógico. É um comportamento que precisa de um mediador para ser processado ou operacionalizado. Trata-se, pois, de um paradigma que deve orientar as decisões do educador, para que o ensino de língua se dê de forma que o seu aluno venha a conhecê-la como linguagem, uso e prática. Assim sendo, segundo (Soares, 1998), trata-se de uma condição, portanto, de um modo de existência. Logo, cabe à escola e, em especial, ao professor alfabetizador propiciar essas condições, e, à sociedade, ampliar, enriquecer e estabelecer relações com espaços reais de letramento.

O direito de ler e escrever só serão garantidos ao aluno se os objetos culturais de leitura e de escrita forem também assegurados. Por isso, as classes de alfabetização nas Etapas do BIA devem utilizar objetos que contemplam variação de suportes de leitura e de escrita, como jornais e revistas, livros de literatura, livros de informações, periódicos diversos, agendas, bulas, receitas, catálogos, cartas, contas, músicas, bilhetes, além de vídeos, documentários, rádio, internet e televisão.

É preciso mobilizar os espaços de leitura e produção textual – bibliotecas e salas de leituras visto que, segundo (Leal, 2004), o desenvolvimento dos alunos encontra-se relacionado ao nível de letramento que a escola consegue assegurar. Construir conhecimento pressupõe ler e produzir textos escritos, em seus diferentes gêneros e tipos, não apenas verbal, mas também não verbal; não apenas na modalidade escrita, mas, sobretudo, na modalidade oral, considerando-se a sociedade de discursos em que esses alunos se encontram inseridos.

Ao colocar como objetivo central do BIA a aquisição dessas competências e habilidades, a SEEDF reconhece que a escrita, cada vez mais fortalecida em nossa sociedade, possibilita aos seus alunos, não só o resgate do conhecimento já construído e transmitido historicamente; como também, que essa aquisição se constitui em ferramenta essencial para o alcance de novas descobertas, permitindo, assim, a elaboração e a sistematização de novos conhecimentos. Negar ao aluno a condição de indivíduo letrado significaria torná-lo sujeito analfabeto.

Por isso, é necessário que o professor tenha conhecimento e formação adequados ao papel que exerce no BIA e busque nas teorias sobre leitura e escrita, subsídios para um referencial metodológico que oriente o desenvolvimento de habilidades e competências necessárias ao letramento e às habilidades cognitivas envolvidas nesse processo.

Só assim o uso simultâneo de diferentes tipos de material de leitura e de diferentes técnicas e estratégias de análise e síntese podem promover fluência, ampliação do vocabulário, compreensão e articulação com a escrita, para que o professor possa redimensionar sua prática de leitura e escrita, a fim de levar o aluno a encontrar sentido, ou seja, razões para ler e escrever. Essa prática deve ser direcionada de tal forma que venha a ser incorporada ao cotidiano dos alunos para que possa extrapolar os limites da sala de aula.

A utilização dessas Quatro Práticas se justifica pelo fato de termos adotado como prática pedagógica uma concepção histórica, já mencionada no início desta seção.

Nessa perspectiva, o letramento exige que a escola testemunhe e viva, ela mesma, a condição de não só ensinar a ler, mas ler; não só a ensinar a escrever, mas escrever. O que significa o seu compromisso em sistematizar as competências lingüísticas, o código (decodificaçãocodificação); em buscar um novo modo de olhar e conduzir a educação que garanta que os professores do Bloco Inicial de Alfabetização: a) partam da concepção de alfabetização e letramento descrita neste capítulo; b) reconheçam e acompanhem as fases da psicogênese da língua escrita; c) promovam experiências significativas do aluno com a língua escrita; d) considerem que o processo de aprendizagem conceitual da língua escrita parta, inclusive, da aprendizagem de decodificação e que, portanto, a instrução de base fônica (relação de cada letra com seu som e de cada som com sua letra), apesar de se mostrar presente em nossa língua, não é uma relação determinante por admitir uma gama complexa de relações letrafonema.

Assim sendo, na língua portuguesa, de predomínio da escrita alfabética, não existe uma total correspondência entre fonemas e grafemas. O grafismo não se identifica imediatamente com o objeto que simboliza, mas com a palavra oral que o representa. A relação entre a palavra falada e a palavra grafada é estabelecida por uma convenção puramente arbitrária, de sorte que, se essa relação não for explicitada e sistematizada, dificilmente será apreendida pelas crianças.

 

 

 

 

LER E COMPREENDER: OS SENTIDOS DO TEXTO

Ingedore V. Koch e Vanda Maria Elias

São Paulo: Contexto, 2006 ( 216 páginas)

 

RESENHA

Partindo da concepção de que o texto é lugar de interação de sujeitos sociais que nele se constituem e são constituídos dialogicamente, Ingedore Villaça Koch e Vanda Maria Elias, no livro Ler e Compreender: os sentidos do texto, (Editora Contexto,216 páginas) apresentam, de uma forma objetiva e didática, as estratégias utilizadas pelo leitor no processo de leitura e construção de sentidos. A leitura do livro confirma que as autoras conseguem, com eficiência, atingir os objetivo de preencher uma lacuna no mercado editorial, com uma obra que, além de discutir as principais teorias da lingüística textual, estabelece uma ponte destas teorias com a prática de ensino de leitura e que interessa aos professores da área do ensino de línguas de todos os níveis de ensino.

Dividido em nove capítulos, o livro inicia discutindo as concepções de sujeito, língua, e texto que estão na base das diferentes formas de se conceber a leitura.As autoras vão se situar na concepção interacional e dialógica da língua, que compreende os sujeitos como construtores sociais que mutuamente se constroem e são construídos através do texto, considerado o lugar por excelência da constituição dos interlocutores. Nessa concepção a leitura é entendida como atividade interativa de construção de sentidos. Para isso é ressaltado o papel do leitor enquanto construtor do sentido do texto, que, no processo de leitura, lança mão de estratégias como seleção, antecipação inferência e verificação, além de ativar seu conhecimento de mundo, na construção de uma das leituras possíveis,já que um mesmo texto admite uma pluralidade de leituras e sentidos. A leitura, além do conhecimento lingüístico compartilhado pelos interlocutores, exige que o leitor, no ato da leitura, mobilize estratégias de ordem lingüística e de ordem cognitivo-discursivas

A ativação das estratégias de leitura implica a mobilização de três grandes redes de conhecimento: o lingüístico, o enciclopédico e o interacional.É essa rede de conhecimento que permitirá ao leitor interagir com textos de gêneros variados de acordo com o contexto e seus objetivos de leitura.Neste aspecto as autoras dedicam todo um capítulo à discussão do papel do contexto no processo de leitura e produção de sentidos.A concepção de contexto é um dos pontos centrais da Lingüística textual. Inicialmente as pesquisas sobre o texto consideravam o contexto apenas como o entorno verbal do texto, o co-texto. Com a Teoria dos Atos de Fala e a teoria da Atividade Verbal passou-se a levar em conta o contexto sóciocognitivo como necessário para que se estabeleça a interlocução entre duas ou mais pessoas. Assim, o contexto englobará não só o co-texto, como também a situação de interação imediata a situação mediata e o contexto cognitivo dos interlocutores.

            O que se infere dessa discussão  é que uma mesma expressão lingüística pode ter seu significado alterado em função dos fatores contextuais. Resulta,então, que falar de discurso implica   considerar fatores externos à língua para se entender o que é dito.No conjunto de conhecimento constitutivos do contexto a noção de intertextualidade é destacada pelas autoras que dedicam todo o capítulo 4 para tratar desta questão, vez que este é um dos grandes temas da Lingüística Textual. A intertextualidade é elemento constituinte e constitutivo do processo de leitura e escrita e se refere às diversas maneiras pelas quais a produçãorecepção de um texto depende do conhecimento de outros textos por parte dos interlocutores.O conhecimento intertextual é que permite ao leitor perceber como um texto está sempre se relacionando com outros textos, numa relação que pode ser explícita ou implícita, tanto no que se refere à sua forma quanto ao conteúdo.

            A noção de gênero textual é objeto de discussão do 5º capítulo do livro. A partir da noção de gênero desenvolvida por Bakhtin, as autoras mostram como o processo de construção de sentidos que ocorre no ato de leitura é direcionado pelo gênero do texto que está sendo lido. Segundo Koch, na medida que são expostos a um número infindável de gêneros textuais os indivíduos desenvolvem uma competência metagenérica que lhes possibilita interagir de forma adequada com os mais diversos textos que circulam nas diferentes esferas das práticas sociais, já que a partir da identificação do gênero o leitor saberá o que buscar no texto lido.Desta forma a competência metagenérica orienta a nossa compreensão sobre os gêneros textuais materializados nos diferentes suportes de texto. Para exemplificar a discussão teórica, o referido capítulo é amplamente ilustrado com os mais variados gêneros textuais que se constituem numa grande contribuição para os professores que trabalham o ensino de leitura com o objetivo  de formar leitores capazes de perceber o jogo que freqüentemente se faz por meio de manobras discursivas nas mais diferentes esferas da comunicação humana.

            As autoras vão se ocupar ainda das atividades que permitem o processamento do texto como a referenciação e progressão referencial, as funções das expressões nominais referenciais e a seqüenciação textual. Neste aspecto ressaltam a forma como se dá o processamento do texto no ato de leitura, caso da referenciação, que se dá numa oscilação entre vários movimentos: um para frente (projetivo) e outro para trás (retrospectivo) representados pela catáfora e anáfora respectivamente, além dos movimentos abruptos, fusões, alusões, etc. Com isso percebemos como o texto é um universo de relações seqüenciais que não ocorrem linearmente.

            O papel da coerência textual para a produção de sentidos é destacado no último capítulo do livro. Para discutir a questão as autoras procuram conceituar a coerência textual, mostrando como as noções tanto de coerência quanto de coesão sofreram alterações no decorrer do tempo. Elas ressaltam que a coesão não é condição necessária nem suficiente da coerência, já que a primeira se refere ao universo interno do texto, enquanto a segunda se constrói a partir do texto, numa dada situação comunicativa, com base em fatores de ordem semântica, cognitiva, pragmática e interacional. O que se conclui daí é que a coerência é uma princípio de interpretabilidade do discurso que se constrói em conexão com fatores de ordem cognitiva, como: ativação do conhecimento prévio, conhecimento compartilhado e realização de inferências.

            Outra riqueza do livro é o seu projeto gráfico, idealizado por Antonio Kehl, ele é ilustrado por uma grande variedade de gêneros textuais que exemplificam as discussões teóricas e mostram as inúmeras possibilidades do professor trabalhar com textos de gêneros variados. Neste aspecto, vale ressaltar o trabalho que as autoras tiveram em selecionar charges e tiras de quadrinhos de personagens conhecidos que, além de informar, divertem, chamando a atenção para a ironia e o humor que caracterizam tais textos e que exigem, para ser percebidos, um leitor experiente que consegue mobilizar as várias habilidades de compreensão descritas na obra, para construir os significados  do texto. Na capa do livro está reproduzido um óleo sobre tela de Waldomiro Sant’Anna, Menina Lendo,produzida especialmente para a obra, que, pela beleza e colorido, chama a atenção para a riqueza da discussão que o leitor vai encontrar na leitura e compreensão dos sentidos do texto propostos pelas autoras.

           

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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